Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Israel veicula propaganda de guerra em 'Angry Birds' e outros games para crianças

Chancelaria de Tel Aviv confirma vídeo, mas diz não saber como peça foi parar nos jogos eletrônicos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Raphael Satter Katie Paul Sheila Dang
Reuters

Maria Julia Assis se preparava para fazer uma refeição em sua casa no norte de Londres quando seu filho de seis anos correu para a sala de jantar, com o rosto pálido.

O jogo de quebra-cabeça em seu celular com sistema Android havia sido interrompido por um vídeo mostrando integrantes do Hamas, famílias israelenses aterrorizadas e imagens explícitas borradas. Em uma tela preta, uma mensagem do Ministério das Relações Exteriores de Israel dizia ao menino, em letras maiúsculas: "Nos certificaremos de que aqueles que nos prejudicam paguem um preço alto".

Maria Julia, uma barista brasileira de 28 anos, disse que o anúncio deixou seu filho abalado e ela rapidamente excluiu o jogo do celular.

Soldado israelense deitado próximo a tanque na fronteira norte de Israel com o Líbano
Soldado israelense deitado próximo a tanque na fronteira norte de Israel com o Líbano - Jalaa Marey - 1º.nov.23/AFP

A Reuters não conseguiu estabelecer como o anúncio chegou ao jogo do filho de Maria Julia, mas sua família não é a única a relatar isso. A agência de notícias documentou pelo menos outros cinco casos na Europa em que o mesmo vídeo pró-Israel, que continha imagens de ataques com foguetes, uma explosão e homens mascarados, foi mostrado a jogadores, incluindo várias crianças.

Em pelo menos um caso, os anúncios foram reproduzidos dentro do popular jogo "Angry Birds", feito pelo desenvolvedor Rovio, de propriedade da Sega.

A Rovio confirmou que "de alguma forma, esses anúncios com conteúdo perturbador foram exibidos por engano em nosso jogo" e agora estão sendo bloqueados manualmente. A porta-voz da empresa, Lotta Backlund, não deu detalhes sobre quais de seus "12 ou mais parceiros de anúncios" forneceram a peça de publicidade.

David Saranga, chefe digital do Ministério das Relações Exteriores de Israel, confirmou que o vídeo era um anúncio promovido pelo governo, mas disse que não fazia "ideia" de como ele acabou dentro de vários jogos.

Ele disse que as imagens faziam parte de uma campanha maior do Ministério das Relações Exteriores de Israel, que gastou US$ 1,5 milhão em anúncios na internet desde os ataques do Hamas em 7 de outubro no sul de Israel. Ele disse que os funcionários haviam instruído os anunciantes "a bloqueá-lo para pessoas menores de 18 anos".

Saranga defendeu a natureza gráfica da campanha publicitária. "Queremos que o mundo entenda o que aconteceu aqui em Israel", disse ele. "É um massacre."

A Reuters entrou em contato com 43 empresas de publicidade listadas pela Rovio em seu site como "parceiros de dados de terceiros" para tentar descobrir quem colocou o anúncio nos jogos.

Desses parceiros, 12 responderam, incluindo Amazon, Index Exchange e Pinterest, que disseram não ser responsáveis pelo anúncio que apareceu no Angry Birds.

Saranga afirmou que o ministério gastou dinheiro com empresas de publicidade, incluindo Taboola, Outbrain, Google e X, antigo Twitter. Taboola e Outbrain disseram que não tinham nada a ver com os anúncios de jogos.

O Google exibiu mais de 90 anúncios para o Ministério das Relações Exteriores, mas se recusou a comentar onde exibiu esses anúncios. O X não respondeu aos pedidos de comentário.

A Reuters não encontrou evidências de um esforço de publicidade digital palestino análogo, exceto por alguns vídeos em árabe promovidos pela Palestine TV, uma agência de notícias afiliada à Autoridade Palestina com sede na Cisjordânia.

Um representante do Ministério das Relações Exteriores da Autoridade Palestina compartilhou uma declaração dizendo que a pasta trabalha para influenciar a opinião pública compartilhando evidências do sofrimento em Gaza sob bombardeio israelense, mas não informou se utiliza a publicidade como ferramenta.

Representantes do Hamas não responderam aos pedidos da Reuters para comentar sobre suas campanhas de mídia.

A Reuters documentou seis casos —na Grã-Bretanha, França, Áustria, Alemanha e Holanda— em que pessoas viram os mesmos anúncios ou semelhantes ao visto pelo filho de Maria Julia ou disseram que seus filhos os viram. No caso da família de Maria Julia, os anúncios apareceram em um jogo chamado "Alice's Mergeland", feito por um desenvolvedor chamado LazyDog Game. Outros anúncios apareceram em passatempos digitais adequados para a família, como o jogo de construção de blocos "Stack", o jogo de quebra-cabeça "Balls'n Ropes", "Solitaire: Card Game 2023" e a aventura de correr e pular "Subway Surfers".

Alexandra Marginean, uma estagiária de 24 anos que mora em Munique, disse que ficou surpresa ao ver o vídeo pró-Israel surgir no meio de seu jogo de Paciência. "Eu tive uma reação muito agressiva a isso", disse.

Nenhuma dessas desenvolvedoras respondeu a Reuters. A Apple e o Google, que fiscalizam os aplicativos em suas plataformas de software internas para iPhones e celulares com sistema Android, respectivamente, encaminharam as perguntas de volta para os desenvolvedores dos jogos.

As regras sobre anúncios variam de país para país, mas no Reino Unido —onde Maria Julia e seu filho vivem— é a Autoridade para Normas de Publicidade que monitora as campanhas publicitárias. A autoridade afirmou que, embora não esteja atualmente investigando nenhum anúncio do governo israelense, de forma geral, qualquer publicidade deve evitar imagens "excessivamente gráficas" e que tais imagens devem ser "direcionadas cuidadosamente para longe de menores de 18 anos".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.