George Santos já fatura mais como subcelebridade do que como deputado

Filho de brasileiros iniciou vida pós-Congresso xingando muito no Twitter, mas agora abraçou a autorridicularização

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Washington

Washington é Hollywood, só que para gente feia. Com todo respeito ao investimento em botox e ao look impecável de George Santos, se alguém levou o humor autodepreciativo da capital americana ao limite, essa pessoa foi o ex-deputado filho de brasileiros.

Desde que se tornou o sexto político a ser expulso do Congresso na história dos EUA, em 1º de dezembro, Santos engatou em uma carreira típica de subcelebridade como se tivesse acabado de sair de A Fazenda, não do Capitólio.

O ex-deputado George Santos em frente a uma corte federal em Nova York, após participar de audiência sobre seu caso, em outubro - Eduardo Munoz/Reuters

Que ele esteja no caminho de faturar mais com isso do que como deputado surpreende menos do que o fato de Santos estar ganhando dinheiro por quem ele é, não por quem diz ser.

Nos últimos 30 dias, ele ganhou ao menos 30 mil seguidores no X, e agora soma mais de 100 mil, sob a promessa de revelar todos os podres da política, agora que, supostamente, não tem mais nenhuma amarra.

Na prática, o que ele tem feito é honrar a tradição de xingar muito no Twitter. Seus alvos preferenciais foram os colegas de partido e vizinho de distrito Brandon Williams, acusado de ser um "bêbado pomposo e arrogante", e Nick LaLota, chamado de "LaLoka". Não faltaram ataques ao senador democrata Bob Menendez, envolvido em um escândalo de corrupção.

No espírito blogueirinho, ele compartilhou a foto de dois vinhos e um molho barbecue recebidos do casal McCloskey, conhecido por ter apontado uma arma a manifestantes do Black Lives Matter em 2020.

Mas sua grande sacada foi abrir uma conta no Cameo, uma plataforma em que, em geral, pessoas medianamente famosas vendem vídeos por encomenda. Com US$ 500, você compra uma mensagem de parabéns de um dos gêmeos do cartel de Breaking Bad para sua avó. Por US$ 350, o ex-jogador Adriano Imperador faz um discurso motivacional para o seu chefe. Se o orçamento estiver apertado, a "Pennsatucky", de "Orange is the New Black", pode te dar conselhos por US$ 65.

Santos criou seu perfil logo após deixar Washington. No início, cobrava US$ 75, mas nesta sexta, o valor já havia subido para US$ 500 –lei da oferta e demanda.

De acordo com o Semafor, o político já faturou mais nas primeiras 48 horas com a venda de vídeos do que o salário anual de deputado, de US$ 174 mil. Ao site, o CEO do Cameo, Steven Galanis, disse que Santos "será uma baleia absoluta" —um jargão do mercado financeiro para pessoas com poder— e comparou sua entrada na plataforma com a de Sarah Jessica Parker e Bon Jovi.

Quem parece estar mais se divertindo com dar dinheiro para o republicano até agora é a esquerda –o que, como não poderia deixar de ser, gerou um racha.

Em uma provocação a Menendez, o senador democrata John Fetterman resolveu contratar os serviços de Santos. "Eu achei que meu colega eticamente-desafiado @BobMenendezNJ poderia se beneficiar de um pouco de encorajamento, diante de seus problemas legais substanciais. Então, eu procurei um expert experiente no assunto para dar ao ‘Bobby de Jersey’ alguns conselhos", escreveu Fetterman no X.

Outra democrata que se divertiu com a nova carreira de Santos foi a senadora estadual do Nebraska Megan Hunt, defensora de pautas LGBTQIA+ diametralmente opostas à agenda do republicano no Congresso. Um militante jovem de esquerda viralizou ao pagar para o ex-deputado cantar sua música favorita de Taylor Swift. "‘Eu sabia que você era problema quando você entrou pela porta’ – este sou eu", cantou um sorridente Santos.

Nas redes sociais e em artigos de opinião, muitas pessoas questionaram as brincadeiras. Por que dar dinheiro e, mais que isso, atenção, a um conservador trumpista enroscado até o couro cabeludo em suspeitas de fraude, roubo de identidade e conspiração contra os EUA?

"Por um lado, você odeia dar dinheiro para um cara como George Santos. Por outro, bom, existe uma chance muito grande de ele já ter as informações do seu cartão de crédito", refletiu o apresentador e comediante Jimmy Kimmel em seu programa na última quinta (7).

Kimmel encomendou uma série de vídeos no Cameo e diz que pretende divulgá-los aos poucos. Nos primeiros trechos veiculados, Santos dá parabéns a Brenda por "ter clonado com sucesso seu amado schnauzer Adolf".

O projeto foi apresentado como uma pegadinha, mas o ex-deputado parece não se importar muito com o conteúdo dos vídeos. Em seu perfil, ele se descreve como "ex-ícone do Congresso", seguido por um emoji de unhas sendo pintadas. Tanto no Cameo quanto no X, ele vem fazendo piadas com as próprias mentiras que contou sobre sua biografia.

Ao abraçar sua própria ridicularização, o político não fatura só dinheiro, mas reputação. De acusado na Justiça por 23 crimes, ele se humaniza em (mais uma) divertida webcelebridade.

Ainda não está claro o que Santos vai fazer quando o público se cansar. Às vésperas do seu voto de expulsão da Câmara, ele ventilou a jornalistas a possibilidade de escrever um livro ou participar do reality show Dancing with the Stars, que inspira o brasileiro "Dança dos Famosos". Como quase tudo que Santos diz, é difícil separar o que é verdade, o que é ficção e o que é sarcasmo.

Essas fronteiras devem ficar ainda mais borradas com a produção que a HBO deve fazer sobre a vida do deputado com base no livro do jornalista Mark Chiusano. Segundo o site especializado Deadline, o produtor executivo Frank Rich, por trás da aclamada sátira de Washington "Veep" e de "Succession", está envolvido no projeto.

Santos não deve ganhar nada com isso, o que não o impede de opinar sobre quem poderia interpretá-lo. "Isso não é algo para alguém que já tenha uma carreira. Esse é um filme que vai lançar alguém."

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