Milei promete 'nova era' e 'choque' na economia em 1º discurso como presidente da Argentina

Em tom apoteótico, ultraliberal comparou vitória à queda do muro de Berlim e disse que não perseguirá oposição

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O novo presidente da Argentina, Javier Milei, e sua irmã, Karina, se dirigem à Casa Rosada após cerimônia de posse no Congresso, em Buenos Aires Pablo Porciuncula/AFP

São Paulo

Após receber a faixa presidencial, o novo líder da Argentina, Javier Milei, dirigiu-se a milhares de apoiadores em frente ao Congresso para fazer seu primeiro discurso no comando da nação. Em tom apoteótico, o ultraliberal disse que este domingo (10) inaugura uma nova era no país e comparou sua eleição à queda do muro de Berlim.

"Os argentinos expressaram uma vontade de mudança que já não tem retorno", afirmou, em uma fala repleta de interrupções por aplausos da multidão de apoiadores, que agitavam bandeiras do país.

Diferentemente de seus antecessores, Milei quis fazer seu discurso em frente à escadaria do prédio do Legislativo, não do lado de dentro. "Hoje começa uma nova era na Argentina. Hoje declaramos o fim de uma longa e triste história de decadência e começamos o caminho da reconstrução de nosso país."

O novo presidente da Argentina, Javier Milei, ao lado de sua vice, Victoria Villarruel, durante cerimônia de posse em Buenos Aires - Matias Baglietto/Reuters

Responsável por derrotar o peronismo no segundo turno das eleições presidenciais há menos de um mês, o ultraliberal começou sua fala reverenciando a Geração de 37, como ficaram conhecidos pensadores que, diz ele, são uma inspiração, como o intelectual Juan Bautista Alberdi.

"Farol de luz do Ocidente" no início do século 20, a Argentina "abraçou as ideias empobrecedoras do coletivismo", afirmou o novo presidente, recorrendo ao saudosismo da população dos tempos de bonança, em contraste com a persistente crise econômica que abriu os caminhos para a sua vitória.

Após fazer esse breve apanhado histórico, Milei criticou as escolhas econômicas das últimas décadas, em um ataque ao que chamou durante a sua campanha de casta política.

Apesar da manutenção da retórica agressiva, Milei já incorporou ao seu governo parte das figuras que foram seu alvo nos últimos anos. Dentro do Congresso, logo após receber a faixa presidencial e apertar a mão do agora ex-líder da Argentina, Alberto Fernández, e sua vice, Cristina Kirchner, o ultraliberal se inclinou para abraçar o ex-presidente e empresário Mauricio Macri, de quem teve apoio no segundo turno.

"Durante mais de 100 anos, os políticos insistiram em defender um modelo que só gera pobreza, estagnação e miséria. (...) Um modelo que considera que a tarefa do político é gerir a vida dos indivíduos em todas as áreas e esferas possíveis", disse o anarcocapitalista. "Assim como a queda do muro de Berlim marcou o final de uma época trágica para o mundo, essas eleições marcaram um ponto de ruptura na nossa história."

Em seguida, o presidente discorreu sobre suas controversas propostas na área da economia —um tema sensível para o país em crise— em tom de justificativa. "Nenhum governo recebeu uma herança pior que a que nós estamos recebendo", afirmou, antes de dizer que a inflação no país poderia chegar a 15.000% por ano. Atualmente, o índice acumulado em 12 meses é de 142,7%; na história, nunca passou de 3.100%.

"Não existe solução viável e que evite o ataque ao déficit fiscal", disse, prometendo poupar o setor privado e sacrificar a máquina pública em um plano que ficou conhecido como "motosserra".

De saída, Milei também rejeitou eventuais reivindicações por uma implementação gradual de suas medidas —"todos os programas gradualistas terminaram mal", argumenta ele, e precisaram de financiamento, algo a que a Argentina não poderia recorrer.

"Lamentavelmente, tenho que dizer a vocês que não há dinheiro", afirmou, recorrendo à sua nova frase de efeito que, no momento do discurso, estampava camisetas vendidas por ambulantes nas ruas. "Por isso, a conclusão é que não há alternativa ao ajuste e ao choque. Naturalmente, isso impactará de modo negativo o nível de atividade, emprego, salário real e quantidade de pobres."

A impopularidade de suas próximas medidas foi lembrada com insistência por Milei em seu discurso. Ele disse não desejar as "duras decisões" que vai tomar, mas afirmou que, posteriormente, o esforço gerará "frutos".

"Haverá luz no fim do túnel. No caso alternativo, a sentimental proposta populista, cuja única fonte de financiamento é a emissão de dinheiro, causaria uma hiperinflação que levaria o país à pior crise de sua história, além de nos colocar em uma espiral decadente que nos aproximaria à Venezuela de Chávez e Maduro", disse Milei, para quem "a única forma de sair da pobreza é com mais liberdade".

Javier Milei fala pela primeira vez aos argentinos como presidente, na Casa Rosada - Reprodução/@casarosadaargentina no Instagram

Antes de finalizar o discurso, o ultraliberal passou por temas como a educação —em deterioração, segundo ele—, a saúde —colapsada, no seu ponto de vista— e a segurança. "A Argentina se transformou em um banho de sangue. Os criminosos ficam em liberdade enquanto os argentinos de bem ficam presos atrás das grades", disse, em aceno aos entusiastas da implementação de uma política linha-dura no país.

Em meio a temores de que seu governo possa significar um retrocesso à democracia no país, que faz 40 anos em 2023, Milei disse que não vai perseguir a classe política. "Não pedimos alinhamento cego, mas não toleraremos que a hipocrisia, a desonestidade ou a ambição pelo poder interfiram na mudança que nós, argentinos, escolhemos", afirmou.

O anarcocapitalista encerrou o seu discurso gritando "viva la libertad, carajo", puxando o coro de seus apoiadores —frase que virou sua marca e que ele usou para assinar os livros de honrarias do Congresso, minutos antes de receber a faixa e o bastão da presidência.

Após ser ovacionado por seus seguidores, Milei voltou ao Congresso e cumprimentou os convidados para a posse —entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro e o chanceler do governo Lula, Mauro Vieira.

O envio do ministro das Relações Exteriores pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva é consequência da tensão com o líder argentino, que chamou o petista de corrupto durante a campanha, e interrompe uma tradição brasileira de 40 anos de enviar o presidente ou o vice nas cerimônias de posse no país vizinho.

Mais tarde, Milei surpreendeu seus apoiadores ao aparecer na sacada da Casa Rosada com a faixa presidencial no peito e o bastão em mãos. "Vamos ter que suportar um período difícil", afirmou, enquanto a multidão gritava "presidente" em uníssono. "Mas vamos seguir em frente."

"Não há noite que não seja derrotada pelo dia", continuou, antes de afirmar que havia decretado "o fim da noite populista e o renascer de uma Argentina próspera e liberal".

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