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Bukele faz propaganda em centros de votação de El Salvador apesar de veto

Própria candidatura de presidente licenciado já desafia Constituição salvadorenha, que proíbe reeleição

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San Salvador

O principal centro de votação de El Salvador, na região central da capital, San Salvador, está tomado de propaganda a favor do presidente licenciado e favorito na disputa eleitoral deste domingo (4), Nayib Bukele.

Há faixas em viadutos, tendas e dezenas de cartazes estampando a letra "N" sobre um fundo azul celeste, marca do seu partido, o Novas Ideias.

Propaganda do partido de Bukele, o Novas Ideias, é exibida em rua próxima a centro de votação em San Salvador, capital de El Salvador, apesar de proibição do TSE - Jose Cabezas - 3.fev.24/Reuters

A propaganda descumpre ordem do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). Na quinta-feira (1º), o órgão lembrou nas redes sociais que, "segundo o artigo 175 do código eleitoral, está proibida a propaganda durante os três dias anteriores à eleição e no próprio dia da mesma" a partidos políticos e seus simpatizantes.

Na postagem, o tribunal afirmou ainda que não seria permitido propaganda de partidos nos locais de votação.

A ornamentação do centro em San Salvador começou a ser preparada pelo Novas Ideias nos últimos dias, o que rendeu ao partido uma denúncia ao TSE salvadorenho, segundo reportagem do jornal El Diario de Hoy. O veículo atribuiu a informação a um membro da Junta Eleitoral do departamento da capital que pediu anonimato.

Houve ainda outras ações aparentemente irregulares nos últimos dias, como a entrega de alimentos em diferentes pontos do país. Segundo o jornal La Prensa Gráfica, o governo gastou mais de US$ 9 milhões (cerca de R$ 44,6 milhões) na contratação de serviços com esse fim.

A expectativa, porém, é de que a denúncia não vá para frente. Embora ilegais, propagandas do tipo são instaladas aos olhos de policiais inertes todos os anos, segundo jornalistas locais. A diferença neste ano é o domínio de apenas uma sigla e a intensidade da celebração, ao gosto de Bukele.

Além disso, o TSE, aparelhado por Bukele em sua trajetória de concentração de poder nos últimos cinco anos, tampouco agiu quando o governo se recusou a pagar o fundo eleitoral para a oposição, que fez uma campanha visivelmente menos opulenta em comparação com o Novas Ideias.

O juiz do tribunal Guillermo Wellman chegou a afirmar, no final do mês passado que, até aquele momento, "todos os partidos políticos, com exceção daqueles que podem não ter financiamento, estão fazendo a mesma coisa que se faz todos os anos".

Isso sem mencionar que a própria candidatura do político à reeleição é, supostamente, ilegal, proibida por ao menos quatro artigos da Constituição salvadorenha.

A desigualdade de forças durante a campanha apenas aprofundou o fosso de popularidade entre Bukele e seus adversários. Institutos de pesquisa eleitoral afirmam que o presidente licenciado tem entre 70% e 90% das intenções de voto, enquanto o segundo lugar, Manuel Flores, da sigla esquerdista FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), pontua algo entre 2% e 5%.

Uniformizados com camisetas azuis, apoiadores de Bukele abriram espaço para que o presidente do Novas Ideias e primo do presidente licenciado, Xavier Zablah, e o ministro da Educação, José Mauricio Pineda, caminhassem em direção ao centro de votação.

Dois drones capturavam a cena dos simpatizantes em festa, gritando "Nayib" em uníssono. O cenário incluía fumaça e uma performance de bateria, além de fogos de artifício azuis estourando no céu. Quatro pessoas falaram ter recebido transporte e alimentação para ir até o local, e uma delas disse que seria paga por estar ali, embora não tivesse sido informada do valor àquela altura.

Passando ao largo do grupo, o técnico de telecomunicações José Morales quis se certificar que a reportagem não era do governo antes de dar suas impressões sobre a eleição ao ser abordado pela Folha.

"Essa campanha foi muito desequilibrada. A balança pendeu para o governo em todos os sentidos, e a propaganda não foi equânime", diz ele. "Agora, por exemplo, não pode haver nenhuma propaganda, e olha o que está acontecendo", disse, apontando para as dezenas de apoiadores. Morales não quis falar em quem votou.

Jorge Hernández, 34, tampouco simpatiza com o presidente, ao contrário da maioria dos salvadorenhos. "Não concordo com a sua reeleição, em primeiro lugar, porque é inconstitucional", afirma ele.

O comerciante citou ainda o regime de exceção que Bukele mantém no país há dois anos, por meio do qual prendeu mais de 70 mil pessoas. "Esse instrumento é para uma guerra ou emergência civil, porque ele suspende garantias constitucionais", completou ele, citando amigos inocentes presos.

Apesar disso, Hernández jogou a toalha em relação à escolha para Presidência ao ver as pesquisas de opinião e decidiu anular seu voto. Para a Assembleia, votou pelo tradicional e enfraquecido partido de esquerda FMLN.

O movimento da multidão de abrir uma espécie de corredor no asfalto se repetiu em vários momentos ao longo do dia, obrigando alguns dos que tentavam chegar às urnas a passar entre os simpatizantes de Bukele.

Mesmo assim, o garçom Ronald Souza, 59, um dos eleitores de presidente licenciado, defendeu a ação, argumentando que ele e seus companheiros não estavam, no seu ponto de vista, pedindo voto.

Entre as razões apresentadas por Souza para votar no presidente estavam a resposta à pandemia, a economia e, como a maioria de seus apoiadores, a redução da criminalidade. "A segurança começou desde o primeiro dia de seu governo", diz ele.

A questão da segurança também foi citada por Maria José Alfaro, 33, Edwin Alfaro, 26, e Manuel Soreano, 32, que vieram votar no centro de votação da avenida Olímpica durante a manhã. "Tenho 32 anos e nunca desfrutei da tranquilidade que tive nos últimos três anos em El Salvador na minha vida", afirma Soreano.

Por volta das 14h30, uma multidão com cornetas, faixas e bandeiras chegou no local, acompanhada de uma fanfarra, para receber Bukele. A música da caixa de som aumentou de volume, e o presidente licenciado saiu de um dos oito carros de sua comitiva vestindo um boné branco e uma camisa azul.

Cercado de seguranças, ele passou pelo corredor paralelo à tenda de votação enquanto seus apoiadores tentavam alcançá-lo. O favorito acenou em direção a eles e não falou com a imprensa, indo embora cerca de 15 minutos depois.

A ação dos apoiadores impediu os jornalistas de falar com os candidatos, que, na prática, chegavam ao local de votação escoltados pelos simpatizantes. No centro de votação de Bukele, a imprensa não teve acesso ao local das urnas até o presidente votar. O mesmo aconteceu em outros três locais.

"Apelamos aos responsáveis pelos centros de votação para que garantam a entrada da imprensa nos centros", afirmou a Associação de Jornalistas de El Salvador. "Os meios de comunicação social têm o direito de fornecer cobertura informativa antes, durante e depois do processo eleitoral."

O presidente da conservadora Arena, Carlos Saade, afirmou pelo X que houve juntas receptoras de votos instalados somente com pessoas do Novas Ideias e que pessoas capacitadas para compor o órgão no dia da votação foram deixadas de fora. Ao jornal La Prensa Gráfica, diversas pessoas designadas pelo TSE para participar das juntas disseram ter sido dispensadas ao chegar no local de votação.

Vários dos 1.595 centros de votação do país atrasaram o início do pleito, marcado para as 7h (10h no horário de Brasília). O Centro Escolar San Agustín, o maior da cidade de Zacatecoluca, por exemplo, só abriu as portas por volta das 9h, segundo a imprensa local.

Há cerca de 5,4 milhões de pessoas aptas a votar neste domingo em El Salvador. Fora do país, onde vivem mais de 3 milhões de salvadorenhos, a votação acontece desde o dia 6 de janeiro pela internet —sob desconfiança de organizações nacionais e estrangeiras.

O Escritório de Washington para a América Latina, por exemplo, expressou "profunda preocupação" com a situação. "No dia 6 de janeiro de 2024, os salvadorenhos nos Estados Unidos começarão a votar sob um sistema sem regulamentações claras. A votação eletrônica presencial e remota, conforme determinação do TSE, ocorrerá sem fiscalização eleitoral ou observação direta", disse a organização pelo X.

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