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Fala de Lula sobre Holocausto é problemática e pode enfraquecer governo

Presidente usa política externa para fidelizar sua base, mas saldo de declaração é incerto

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Guilherme Casarões

Cientista político e professor da FGV-Eaesp (Fundação Getulio Vargas - Escola de Administração de Empresas de São Paulo) e da Brown University (EUA)

Em coletiva em Adis Abeba, onde participou de reunião da União Africana, o presidente Lula (PT) comparou o massacre em curso na Faixa de Gaza ao Holocausto. Fez bem em reconhecer que a violência contra os palestinos é intolerável, mas optou por uma analogia problemática.

Por que o presidente, após já ter chamado a ação israelense de "genocídio" em sua fala, retomou o assunto para evocar a barbárie nazista contra judeus?

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em Addis Abeba - Ricardo Stuckert/Presidência brasileira/AFP

As implicações da comparação feita por Lula podem ser lidas em duas dimensões. Internamente, o presidente consolida o apoio de setores à esquerda, para os quais a causa palestina é elemento central. Não é de hoje que, no Brasil, certos temas internacionais transbordam para o debate público e organizam lealdades políticas.

E nenhum assunto desperta tantas paixões quanto o conflito israelo-palestino, cujos posicionamentos refletem, quase que perfeitamente, as divisões de uma direita pró-Israel e de uma esquerda pró-Palestina, com graus variados de radicalismo e permissividade com seu próprio lado.

Lula tem sido alvo de fogo amigo dos que discordam de suas políticas econômicas e de suas reiteradas críticas a pautas identitárias. Monopolizada pelo Executivo, a política externa é um dos campos favoritos do petista para fidelizar sua base, como na fala de hoje.

Os ganhos do ativismo diplomático também cruzam fronteiras. Externamente, as duras críticas a Israel são, mais que nunca, uma maneira de o Brasil se afirmar como liderança do Sul Global.

Este é um elemento novo da política externa brasileira. No mundo de hoje, fica evidente que o exercício do protagonismo brasileiro dependeria de posicionamentos claros.

Nem sempre foi assim. Durante sua primeira passagem pela Presidência, Lula usou o desejo de mediação de conflitos, o comedimento e a ambiguidade da linguagem diplomática como instrumentos de projeção internacional.

Logo após os atentados de 7 de outubro de 2023, Lula voltou a apostar na equidistância. Condenou abertamente o terrorismo do Hamas e trabalhou por um cessar-fogo diante da escalada de mortes palestinas em Gaza. A resolução brasileira na ONU foi lamentavelmente vetada pelos americanos.

Diante do agravamento da violência em Gaza, Lula tomou outro rumo. Endureceu suas críticas às ações militares israelenses, chegando a chamá-las de "terrorismo de Estado". No início do ano, alinhou-se à iniciativa sul-africana de acusar Israel do crime de genocídio junto à Corte Internacional de Justiça.

A comparação com o Holocausto, nesse sentido, não surpreende. Mas, ao evocar o episódio mais doloroso da história judaica, ainda que de passagem, Lula agride muito mais do que aqueles que são seu objeto de repúdio.

O presidente mira nos inúmeros crimes de governo israelense e acaba acertando todos os judeus, alguns dos quais historicamente de esquerda, simpáticos a Lula e ao PT e defensores da causa palestina.

De quebra, adiciona mais um motivo à antipatia de muitos evangélicos ao governo e atiça, por tabela, o bolsonarismo, às vésperas de uma manifestação em defesa do ex-presidente.

Do ponto de vista estratégico, o saldo ainda é incerto. Pode ser que a esquerda esqueça as recentes rusgas com o governo. Pode ser que lideranças, ativistas e veículos de imprensa do Sul Global destaquem a coragem de Lula de fazer uma crítica veemente às ações israelenses em Gaza.

Mas o Brasil poderá sair enfraquecido. E nem me refiro à reação imediata de Binyamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel, que convocou seu embaixador para consultas, ou o mal-estar que a fala poderá causar entre aliados ocidentais. Isso é do jogo da diplomacia.

O que mais me preocupa é outra coisa. Lula não apoia antissemitismo ou terrorismo, mas já tem gente tentando fazer essas associações. Isso é um prato cheio para a oposição –e um fardo desnecessário para um presidente que acaba de entrar em seu segundo ano e que possui muitos desafios pela frente.

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