Luta pelo fim de Guantánamo vira batalha contra esquecimento

Responsabilização dos EUA por violações é horizonte ainda mais distante, avaliam advogados e ativistas

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Protesto pelo fechamento de Guantánamo em frente ao Capitólio, em Washington Sarah Silbiger/Reuters

Base de Guantánamo

Para advogados e ativistas envolvidos na batalha pelo fim da prisão de Guantánamo, os esforços viraram uma luta contra seu esquecimento.

A responsabilização dos Estados Unidos pelos abusos cometidos na Guerra ao Terror é um horizonte ainda mais distante, avaliam.

O tema foi alçado à prioridade durante o governo Barack Obama (2009-2017), que prometeu fechar o centro de detenção em um ano. Fracassou. Seu sucessor, Donald Trump (2017-2021), reverteu essa ordem. Joe Biden retomou a bandeira do ex-presidente democrata, mas, em meio a duas guerras e uma disputa pela reeleição, ela ficou em segundo plano.

"Alguém me disse em uma conversa que achou que o Obama tivesse fechado Guantánamo. Não tem mais publicidade para isso", afirma o advogado Thomas Wilner, que representa o iemenita Khaled Ahmed Qassim, detido desde 2002.

O relato não é apenas uma anedota. Entre as pesquisas do Google mais comuns nos EUA relacionadas à prisão, segundo a plataforma Answer The Public, estão "qual presidente fechou Guantánamo?", "Guantánamo ainda existe?" e "ainda há alguém em Guantánamo?".

Wilner é cofundador, junto com o repórter britânico Andy Worthington, do grupo Close Guantánamo (feche Guantánamo), que reúne juristas, jornalistas e militares da reserva. Anos atrás, encontros sobre a prisão juntavam centenas de pessoas; agora, 30 aparecem, afirma.

"Eu realmente achei que poderíamos convencer a ala política, anos atrás, a parar essa coisa terrível. Mas agora tudo está tão atropelado por outros assuntos, e o Congresso, tão dividido, que esses poucos estrangeiros em Guantánamo não são uma grande prioridade para ninguém", diz o advogado.

Os 30 homens que permanecem presos em Guantánamo - Reprodução/The New York Times

Frank Panopoulos, que representa o queniano Mohammed Abdul Malik Bajabu, na prisão desde 2007, faz relato semelhante. Ele é integrante da ONG Witness Against Torture (testemunhas contra a tortura), que há anos organiza protestos pelo fechamento da prisão.

Todo janeiro, mês que marca o aniversário da chegada dos primeiros detentos à instalação, aberta em 2002, eles fazem uma manifestação em Washington com encapuzados em macacões laranjas. "Quando distribuímos panfletos para as pessoas, elas ficam surpresas que Guantánamo ainda está aberta e que ainda há pessoas lá", afirma Panopoulos.

Cliff Sloan, enviado especial para o fechamento de Guantánamo durante o governo Obama, é menos pessimista em sua análise. Em sua visão, há momentos em que a prisão emerge no imaginário público e há outros em que esvanece. "Tem sido um ciclo que se repete regularmente. Na minha opinião, ela não pode ser esquecida."

Além de tudo, ela também é custosa, afirma Sloan. Um levantamento feito pelo jornal The New York Times calculou em US$ 7 bilhões (R$ 35 bilhões) a despesa total da prisão e das comissões militares vinculadas a ela desde quando foi aberta, em 2002. Com a redução da população carcerária, hoje em 30 homens, o custo por prisioneiro disparou para US$ 13 milhões por ano.

"É um absurdo o quanto estamos gastando desnecessariamente em Guantánamo. Do ponto de vista fiscal, não faz absolutamente nenhum sentido", diz Sloan. Entre as razões para o custo ser tão alto, ele aponta os rígidos requisitos de segurança da prisão e sua localização, em uma base remota em Cuba, o que significa que tudo, de comida a remédios, precisa ser levado até lá de avião.

O governo americano também arca com as despesas de viagem de familiares de vítimas e ONGs que acompanham as audiências nas comissões militares em que tramitam os processos contra acusados de terrorismo, sediadas na base.

Se as perspectivas de fechamento da prisão são pessimistas, ainda piores são as de responsabilização dos EUA pela detenção e tortura das pessoas que passaram ou que ainda estão presas ali. O governo americano sustenta que os homens capturados eram combatentes ilegais e, enquanto a Guerra ao Terror continuar a ser travada, sua detenção é legal.

"Esse é um problema frequente com os EUA. Não há um mecanismo para responsabilizá-los por nada do que fazem. Se eles não quiserem escutar, não quiserem jogar o jogo, não há nada que você possa fazer", diz o jornalista Worthington, envolvido com a temática desde seu livro "The Guantánamo Files: The Stories of the 774 Detainees in America's Illegal Prison" (os arquivos de Guantánamo, as histórias dos 774 detentos na prisão ilegal dos Estados Unidos), publicado em 2007.

Worthington faz referência ao fato de Washington não ter aceitado a jurisdição de tribunais internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional.

Em 2020, a Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos emitiu sua primeira decisão relativa a um detento da Guerra ao Terror, o argelino Djamel Ameziane, preso em Guantánamo de 2002 a 2013. No relatório, a CIDH concluiu que os EUA violaram as disposições da declaração americana de direitos humanos relativas a tortura e tratamento desumano, liberdade religiosa, devido processo legal e acesso à Justiça.

No entanto, os relatórios da comissão têm caráter apenas recomendatório. Monitoramento feito pelo próprio organismo aponta que, pelo menos até 2022, o país não havia cumprido nem parcialmente.

"Os EUA simplesmente ignoraram as recomendações, assim como o resto da comunidade internacional", afirma Wells Dixon, um dos advogados que representou Ameziane no caso. Ele aponta que os poucos casos de responsabilização até agora se deram em relação a outros países que colaboraram com Washington na captura e detenção de prisioneiros.

Em janeiro, a Lituânia, por exemplo, foi condenada pela Corte Europeia de Direitos Humanos em uma ação movida pelo saudita Mustafa al-Hawsawi, detido em Guantánamo acusado de envolvimento no 11 de Setembro. O tribunal concluiu que o país europeu, sede de uma das prisões secretas da CIA no exterior, foi cúmplice das violações. O pagamento foi definido em US$ 108.660 (R$ 535 mil). Itália, Macedônia, Polônia e Romênia já foram alvo de condenações semelhantes.

O canadense Omar Khadr, levado pelos EUA a Guantánamo quando tinha 15 anos, conseguiu que seu país o indenizasse em US$ 8 milhões por ter contribuído com Washington para sua prisão, que durou dez anos.

"No fim, os próprios Estados Unidos precisam se responsabilizar em algum momento pelo que fizeram", diz Worthington.


Veja quem são os homens que estão presos em Guantánamo

Nunca acusados e liberados para transferência para fora da base

Khaled Ahmed Qassim
Conhecido também como Khalid ai-Adeni. Do Iêmen, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2022, mas segue detido.

Uthman Abdul al-Rahim Muhammed Uthman
Do Iêmen, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Moath Hamza Ahmed al-Alwi
Conhecido também como Arsalan, Moaz al-Said. Do Iêmen, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido. É conhecido pelas miniaturas de barcos que faz com materiais que encontra na prisão, e já foram expostas nos EUA.

Muieen A Deen Jamal-A Deen Abd al-Fusal Abd al-Sattar
Conhecido também como Omar al-Farouq. Apátrida, ele chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2010, mas segue detido. Segundo autoridades, ele não coopera com os esforços para ser assentado em outro país.

Ridah Bin Saleh al-Yazidi
Da Tunísia, chegou em 2002 junto com o primeiro grupo de 20 detentos da prisão. Já foi liberado para transferência em 2010, mas segue detido por, segundo autoridades, se recusar a cooperar para sua repatriação ou estabelecimento em outro país.

Zuhail Abdo Anam Said al-Sharabi
Conhecido também como Abdul Mohammed Abdul Anam Suhail. Do Iêmen, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Ismail Ali Faraj Ali Bakush
Conhecido também como Abu al-Dhahab al-Khamsi. Da Líbia, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2022 para outro país que não o seu de origem, mas segue detido.

Hani Saleh Rashid Abdullah
Conhecido também como Said Salih Said Nashir. Do Iêmen, chegou em 2002. Já foi liberado para transferência em 2020, mas segue detido.

Omar Mohammed Ali al-Rammah
Conhecido também como Zakaria al-Baidany. Do Iêmen, chegou em 2003. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Tawfiq Nasir Ahmed al-Bihani
Conhecido também como Tolfiq Nassarahmed al-Bihani. Do Iêmen, chegou em 2003. Já foi liberado para transferência em 2010, mas segue detido.

Sanad Yislam al-Kazimi
Conhecido também como Abu Malik. Do Iêmen, chegou em 2004. Já foi liberado para transferência em 2021 para Omã, mas segue detido.

Hassan Mohammed Ali Bin Attash
Conhecido também como Umayr, Hasan al-Dini. Do Iêmen, chegou em 2004. Acredita-se que seja hoje o detento mais jovem da prisão, com 39 ou 42 anos (seu ano exato de nascimento não é conhecido). Seu irmão mais velho, Walid Bin Attash, é um dos acusados pelo 11 de Setembro. Já foi liberado para transferência em 2022, mas segue detido.

Sharqawi Abdu Ali al-Hajj
Conhecido também como Riyadh the Facilitator. Do Iêmen, chegou em 2004. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Abdulsalam al-Hela
Do Iêmen, chegou em 2004. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Guled Hassan Duran
Conhecido também como Gouleed Hassan Dourad. Da Somália, chegou em 2006. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Mohammed Abdul Malik Bajabu
Conhecido também como Abdul Jabbar, Abu Waaafa. Do Quênia, chegou em 2007. Já foi liberado para transferência em 2021, mas segue detido.

Nunca acusados, mas não liberados para transferência

Zayn al-Abidin Muhammed Husayn
Conhecido também como Abu Zubaydah, Hani. Dos Territórios Palestinos, chegou em 2006. Nunca acusado, é detido indefinidamente e não recomendado para transferência.

Mustafa Faraj Masud al-Jadid Mohammed
Conhecido também como Abu Faraj al-Libi. Da Líbia, chegou em 2006. Nunca acusado, é detido indefinidamente e não recomendado para transferência.

Muhammad Rahim
Conhecido também como Muhammad Rahim al-Afghani, Abdul Basir. Do Afeganistão, chegou em 2008 —foi o último detento a chegar em Guantánamo. Nunca acusado, é detido indefinidamente e não recomendado para transferência.

Acusados nas comissões militares

Mustafa Ahmed al-Hawsawi
Da Arábia Saudita, chegou em 2006. Acusado em 2012 no Sistema de Comissões Militares de envolvimento nos ataques do 11 de Setembro.

Ramzi bin al-Shibh
Conhecido também como Abu Ubaydah. Do Iêmen, chegou em 2006. Foi acusado no Sistema de Comissões Militares de envolvimento nos ataques do 11 de Setembro, mas em setembro de 2023, foi removido do processo após um juiz declará-lo mentalmente incapaz de ir a julgamento.

Walid Bin Attash
Conhecido também como Khallad. Do Iêmen, chegou em 2006. Acusado em 2012 no Sistema de Comissões Militares por envolvimento no 11 de Setembro.

Abd al-Rahim al-Nashiri
Conhecido também como Abu Bilal al-Makki. Da Arábia Saudita, chegou em 2006. Acusado em 2011 no Sistema de Comissões Militares de envolvimento no ataque terrorista perpetrado em 2000 contra o destroyer U.S.S. Cole que matou 17 militares americanos.

Abd Al-Aziz Ali
Conhecido também como Ammar al-Baluchi. Do Paquistão, chegou em 2006. Acusado em 2012 no Sistema de Comissões Militares por envolvimento no 11 de Setembro.

Encep Nurjaman
Conhecido também como Hambali, Riduan Isamuddin. Da Indonésia, chegou em 2006. Acusado em 2021 no Sistema de Comissões Militares de envolvimento em ataque a bomba na Indonésia em 2002 que matou mais de 200 pessoas.

Mohammed Farik Bin Amin
Conhecido também como Zubair. Da Malásia, chegou em 2006. Acusado em 2021 no Sistema de Comissões Militares de envolvimento em ataque a bomba na Indonésia em 2002 que matou mais de 200 pessoas. Ele fez um acordo com a Procuradoria por uma sentença de menos de seis anos em troca de testemunhar no julgamento de Nurjaman.

Mohammed Nazir Bin Lep
Conhecido também como Lillie. Da Malásia, chegou em 2006. Acusado em 2021 no Sistema de Comissões Militares de envolvimento em ataque a bomba na Indonésia em 2002 que matou mais de 200 pessoas. Ele fez um acordo com a Procuradoria por uma sentença de menos de seis anos em troca de testemunhar no julgamento de Nurjaman.

Khalid Shaikh Mohammed
Conhecido também como KSM, Mukhtar. Do Paquistão, chegou em 2006. Acusado em 2012 no Sistema de Comissões Militares por envolvimento no 11 de Setembro.

Abd al-Hadi al-Iraqi
Conhecido também como Nashwan al-Tamir. Do Iraque, chegou em 2007. Ele fez um acordo em 2022 no qual se declarou culpado por comandar forças insurgentes no Afeganistão que atacaram tropas americanas em 2003 e 2004. Em troca, os EUA devem achar em um prazo de dois anos um lugar para realocá-lo com condições adequadas para tratamento de saúde. Ele sofre de uma doença degenerativa que limita sua movimentação e já passou por diversas cirurgias.

Condenado por uma comissão militar

Ali Hamza Ahmad Suliman al-Bahlul
Conhecido também como Abu Anas al-Makki. Do Iêmen, chegou em 2002. Acusado de ser responsável pela área de propaganda da Al Qaeda e secretário de imprensa de Osama bin Laden, ele foi condenado por uma comissão militar em 2008 à prisão perpétua.

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