Descrição de chapéu oriente médio

Brasil se abstém de apoiar missão que investiga violações de direitos humanos no Irã

Decisão vai na contramão de compromisso do governo Lula com minorias e combate à desigualdade de gênero

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São Paulo

O Brasil se absteve, na última quinta-feira (4), de apoiar uma missão internacional que investiga violações de direitos humanos na repressão do Irã às manifestações por direitos das mulheres. Os atos irromperam no país do Oriente Médio após a morte de Mahsa Amini, em 2022.

"Considerando que o Irã vai aumentar seus esforços para melhorar a situação dos direitos humanos no país e baseado em um espírito de diálogo construtivo, o Brasil vai ser abster", afirmou o embaixador brasileiro na ONU, Tovar da Silva Nunes, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

"Encorajamos o Irã a continuar aumentando seu engajamento com mecanismos internacionais de direitos humanos em um espírito de cooperação e abertura."

Manifestante segura retrato de Mahsa Amini durante manifestação em Istambul, na Turquia - Ozan Kose - 10.set.2022/AFP

Votaram como o Brasil outros 14 países, como Bangladesh, Índia, Africa do Sul, Qatar e Emirados Árabes Unidos. Apesar de oito votos contrários que incluem China, Cuba e Sudão, a resolução foi aprovada com o apoio de 24 nações. Argentina, Bélgica, Chile, Honduras e Maláui foram alguns dos países que votaram a favor.

Além de estender por mais um ano a missão internacional que investiga violações no contexto dos protestos, "especialmente no que diz respeito a mulheres e crianças", a resolução também prorroga por um ano o mandato de um relator especial para a situação dos direitos humanos no Irã e pede cooperação do país com a apuração.

O Brasil escolheu a abstenção a despeito de uma carta publicada no final de março na qual 43 organizações, incluindo Anistia Internacional e Human Rights Watch, pediam aos membros do Conselho de Direitos Humanos que apoiassem a resolução.

Em setembro de 2022, a jovem curda Mahsa Amini entrou em coma e morreu aos 22 anos após ser detida pela polícia em Teerã por supostamente não usar o véu islâmico da forma considerada correta. O caso levou milhares de iranianos às ruas contra o regime.

Nos protestos, mais de 500 pessoas, incluindo 71 menores de idade, foram mortas, centenas ficaram feridas e milhares foram presas, segundo grupos de defesa dos direitos humanos. O Irã realizou pelo menos sete execuções ligadas aos atos.

No mesmo ano, o conselho da ONU aprovou uma resolução que, entre outros pontos, lamentou as mortes, pediu que o Irã pusesse fim a leis que discriminam as mulheres e criou uma missão de investigação. A votação do texto aconteceu em novembro de 2022, sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o Brasil também se absteve.

Durante a campanha eleitoral e em eventos do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) costuma reafirmar o compromisso com minorias e com o combate à desigualdade de gênero. Em março, a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, participou da 68ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW, na sigla em inglês) das Nações Unidas, em Nova York.

Ela participou da comitiva do Ministério das Mulheres após convite feito pela chefe da pasta, Cida Gonçalves, e criticou a abertura do evento pela rede social X. "Três homens já falaram, nenhuma mulher.
Difícil. Esse é o desafio que enfrentamos. Por mais mulheres nos espaços de decisão e poder!", escreveu ela na ocasião.

Durante o voto desta semana, Nunes afirmou que, apesar de ver progressos no Irã em algumas áreas, como no acesso à educação para mulheres, o Brasil estava "profundamente preocupado com a manutenção da pena de morte no país, inclusive contra crianças".

"Ações mais profundas se fazem necessárias para garantir a liberdade de expressão e opinião", completou o diplomata. "O Brasil continua preocupado com relatos de violações dos direitos das mulheres, assim como de defensores dos direitos humanos e de minorias étnicas e religiosas."

Para Renata Bahrampour, coordenadora do setor de advocacy da Comunidade Bahá'í do Brasil, a declaração foi inconsistente. O grupo representa os membros no Brasil dessa religião minoritária que é perseguida no Irã.

"É evidente para todo mundo que o Irã é um Estado que reiteradamente viola direitos humanos e não parece cooperar com os mecanismos de proteção desses direitos", afirma a advogada. "A meu ver, a abstenção do Brasil não é compatível com a grandeza do papel que o nosso país tem na ONU e, no cenário internacional, nem mesmo com o discurso do atual governo de querer fortalecer a nossa imagem."

Apesar disso, o voto não foi uma surpresa para ela, já que Brasília costuma poupar o Irã nesse tipo de votação independentemente do governo de turno. Uma exceção a essa postura aconteceu em 2011, quando o governo de Dilma Rousseff (PT) votou a favor de uma resolução dos Estados Unidos que pedia a criação de um mandato de relator especial a ser enviado ao país.

Bahrampour, por outro lado, celebrou a menção aos bahá'ís no voto brasileiro. "Nós reiteramos nosso apoio ao direito dos bahá'ís e de pessoas de outras minorias religiosas de exercer sua fé livre e pacificamente no Irã, sem nenhuma discriminação", afirmou Nunes na quinta.

"A comunidade brasileira é muito grata pelo fato de o Itamaraty ter mencionado expressamente seu apoio aos direitos dos bahá'ís iranianos de exercer livremente a sua fé no Irã. Essa posição é certamente um reflexo do fato de o Ministério de Relações Exteriores sempre se colocar aberto, há muitos anos, para receber e ouvir as denúncias de violação de direitos humanos cometidas pelo governo iraniano", afirma ela.

A advogada diz esperar uma mudança de posição do Brasil e, enquanto isso não acontece, torce para que a proximidade entre os dois países gere entendimentos para o avanço dos direitos humanos no país.

"A abstenção foi feita em nome do diálogo construtivo. A gente espera que o ministério possa aproveitar essa abertura e, de maneira proativa, falar diretamente dos direitos humanos no Irã, incluindo dos bahá'ís, sem que essas questões fiquem à mercê das relações econômicas entre os dois países", afirma ela.

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