Doadores do Partido Democrata vivem crise após desempenho de Biden no debate

Segundo pessoas próximas, grandes contribuintes da campanha tentaram chegar à primeira-dama, Jill Biden, para que ela convencesse o marido a desistir da candidatura

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Theodore Schleifer Kenneth P. Vogel Shane Goldmacher
Washington e Atlanta | The New York Times

Os principais doadores do Partido Democrata mergulharam em uma profunda inquietação na última sexta-feira (28). Naquele dia, enquanto lamentava o desempenho fraco do presidente Joe Biden no debate na noite da véspera, o grupo, que inclui algumas das pessoas mais ricas dos Estados Unidos, perguntava-se o que poderia fazer para mudar o rumo da corrida à Casa Branca.

De acordo com uma pessoa com conhecimento do assunto, houve até discussões com assessores políticos sobre regras que poderiam remover Biden da chapa contra a sua vontade e substituí-lo antes ou durante a Convenção Nacional Democrata, em agosto.

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O presidente dos EUA, Joe Biden, em evento de campanha em Raleigh, na Carolina do Norte - Haiyun Jiang - 28.jun.2024/The New York Times

No Vale do Silício, alguns megadoadores, incluindo Ron Conway e Laurene Powell Jobs, telefonaram, mandaram mensagens e enviaram emails uns aos outros sobre a situação, que descreveram como uma possível catástrofe. Os doadores se perguntavam com quem na equipe de Biden poderiam entrar em contato para chegar até Jill Biden, a primeira-dama, que por sua vez poderia persuadir seu marido a não concorrer, de acordo com uma pessoa familiarizada com as conversas.

Um doador do Vale do Silício que havia planejado sediar um evento para angariar fundos com o presidente decidiu não prosseguir com o encontro por causa do debate, de acordo com uma pessoa informada diretamente pelo anfitrião em potencial. Outro importante doador da Califórnia saiu cedo de uma festa para assistir ao debate e enviou um email a um amigo com o assunto "Desastre total", de acordo com uma cópia da mensagem.

Em chats em grupo e discussões discretas, alguns democratas sugeriram intervenções, outros disseram esperar que Biden tivesse uma epifania e decidisse sair por conta própria, e houve até quem pensou em estratégias para direcionar dinheiro a candidatos de nível inferior. Os doadores mais otimistas queriam esperar por pesquisas para ver a extensão das consequências.

A crise no grupo —apurada em entrevistas com quase 20 doadores e arrecadadores de fundos, muitos dos quais pediram anonimato para discutir conversas privadas— não poderia ter vindo em pior momento para Biden. O seu possível rival em novembro, o ex-presidente Donald Trump, superou-o em arrecadação nos últimos dois meses, apagando a vantagem financeira do democrata.

Em comparação com pequenos doadores online, os grandes contribuintes exigem mais manutenção, mas esses relacionamentos pessoais podem render grandes dividendos em momentos cruciais, como o que Biden está enfrentando ao confrontar uma onda de preocupação sobre sua força política.

Embora a campanha de Biden tenha falado com alguns membros de seu comitê financeiro na manhã de sexta em Atlanta, outros ficaram chocados por terem recebido quase nenhum contato da sede da campanha.

Reid Hoffman, um dos doadores mais influentes do Partido Democrata, escreveu em uma mensagem para amigos na sexta à noite. "Recebi muitos emails nas últimas 24 horas perguntando se deveria haver uma campanha pública para pressionar o presidente Biden a se afastar após seu desempenho [muito] ruim no debate de ontem à noite", escreveu no texto, ao qual o The New York Times teve acesso. "Certamente foi um golpe no humor entre doadores e organizadores."

O dinheiro se tornou uma prioridade repentina para a campanha do democrata. Depois de abrir com uma vantagem de US$ 100 milhões sobre Trump há alguns meses, a campanha de Biden e o Comitê Nacional Democrata entraram em junho com US$ 212 milhões em caixa, em comparação com US$ 235 milhões da operação de Trump e do Comitê Nacional Republicano.

Os democratas esperavam reduzir a diferença por meio de um grande impulso de arrecadação de fundos nas 72 horas após o debate. A força-tarefa coincidiria com o final do período tipicamente lucrativo de prestação de contas do segundo trimestre, quando as campanhas correm para arrecadar dinheiro.

A equipe de Biden planejou uma série de ações para angariar fundos na sexta e durante o fim de semana com o presidente, a primeira-dama, a vice-presidente Kamala Harris e celebridades em locais ricos, incluindo Manhattan, Hamptons e Park City, em Utah.

O fraco desempenho no debate lançou uma sombra sobre esses eventos e levantou preocupações sobre as arrecadações.

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Americanos assistem ao debate entre o ex-presidente Donald Trump, à esquerda, e o presidente Joe Biden no Manny's, um café que hospeda eventos comunitários em São Francisco - Jim Wilson - 27.jun.2024/The New York Times

A campanha de Biden negou quaisquer preocupações financeiras e anunciou que, de quinta-feira (27) até a manhã de sexta (28), havia arrecadado US$ 14 milhões em doações online, que são tipicamente menores do que as de grandes doadores.

As reclamações dos principais doadores se desenrolaram em uma série contínua de chamadas, debates por mensagem de texto e chats no Signal que começaram logo após Biden abrir a boca no palco em Atlanta na noite de quinta e continuaram até o final da sexta-feira. Alguns afirmaram que as chamadas pareciam uma sessão de terapia em grupo virtual.

Stephen Cozen, um doador democrata que considera o presidente um amigo, disse que tentou acalmar aqueles que pediam uma intervenção.

"Ele merece a oportunidade de refletir e dizer, 'Ainda acho que posso fazer isso. Ainda acho que eu seja a melhor escolha'", ou concluir que não é a melhor opção, disse Cozen, recontando seu conselho. "Essa é uma decisão dele. E eu vou ficar com ele até que ele a tome."

Havia uma lacuna entre as comunicações públicas e privadas. Publicamente, poucos estavam dispostos a tolerar qualquer crítica ao presidente. Mas, em particular, os principais doadores ponderavam questões que pareciam ficção apenas alguns dias atrás, perguntando, por exemplo, qual líder do partido —Barack Obama? Nancy Pelosi? Chuck Schumer?— poderia persuadir Biden a desistir.

Eles debateram ainda qual democrata seria o melhor para substituir Biden. Os governadores Gretchen Whitmer, de Michigan, e Gavin Newsom, da Califórnia, foram os mais populares.

Enquanto isso, o presidente e a primeira-dama tentavam aparentar normalidade para os doadores. Na tarde de sexta, Jill Biden estava em Nova York para uma recepção intitulada "Escritores, Inteligência e Sabedoria".

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O presidente Joe Biden gesticula enquanto Elton John fala na cerimônia de abertura do Stonewall National Monument Visitor Center, em Manhattan - Haiyun Jiang - 28.jun.2024/The New York Times

O próprio presidente apareceu na sexta em Manhattan com Elton John no Stonewall Inn, e, em seguida, foi a outro evento focado na comunidade LGBTQIA+ no Hammerstein Ballroom. No sábado, tinha compromissos em Hamptons, região de luxo no estado de Nova York, para um evento na casa do bilionário Barry Rosenstein, que disse estar se preparando para receber mais de 200 participantes, mais do que o dobro de suas expectativas. Mais tarde no sábado, Biden deveria participar de outro evento para arrecadar fundos na casa do governador de Nova Jersey, Phil Murphy .

"Ninguém está desistindo", disse Steve Phillips, um importante doador democrata na Califórnia. "Todos estão resignados com a situação."

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