Israel ordena esvaziamento de área de Rafah após meses de ameaças de invasão

Cerca de 100 mil terão que sair da região lotada de deslocados; Netanyahu diz que reabrirá passagem de Kerem Shalom

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São Paulo

Após meses ameaçando uma ofensiva terrestre em Rafah, Israel ordenou nesta segunda-feira (6) o esvaziamento de partes da cidade no sul da Faixa de Gaza, hoje superlotada de palestinos deslocados internos em decorrência das operações militares israelenses, concentradas no norte do território. A estimativa é que cerca de 100 mil pessoas tenham que se retirar, segundo um porta-voz militar.

Nas redes sociais, o Exército afirmou que expandiu uma área humanitária em al-Mawasi, cidade costeira a cerca de dez quilômetros de Rafah. O plano inicial é remover para lá a população que está numa área a leste de Rafah.

"Chamadas para se mudar temporariamente para a área humanitária serão transmitidas por meio de panfletos, SMS, telefonemas e transmissões na mídia em árabe. O Exército continuará perseguindo o Hamas em toda a Faixa de Gaza até que todos os reféns que eles mantêm em cativeiro voltem para casa", diz o comunicado.

À agência de notícias AFP, um morador confirmou que algumas pessoas receberam mensagens de voz nos seus telefones, orientando-as a sair da região. Após os avisos, famílias começaram uma nova jornada rumo a al-Mawasi sob a chuva que caía na região nesta segunda. Enquanto alguns empilharam seus pertences em carroças de burro ou caminhonetes, outros seguiram a pé pelas ruas enlameadas.

Palestinos refugiados em Rafah fogem novamente da guerra após Israel ordenar esvaziamento de parte da cidade - AFP

"Tem chovido muito, e não sabemos para onde ir. Estava preocupada com o dia em que este momento ia chegar e agora tenho que ver para onde posso levar minha família", disse um refugiado, Abu Raed, à agência de notícias Reuters por um aplicativo de mensagens.

Para Sami Abu Zuhri, um alto funcionário do Hamas, a ordem de retirada era uma "escalada perigosa" que teria consequências. "A administração dos Estados Unidos, ao lado da ocupação, é responsável por esse terrorismo", disse à Reuters.

A ordem ocorre no dia seguinte a um ataque do Hamas na passagem de Kerem Shalom, que dá acesso ao sul de Gaza e por onde passa ajuda humanitária. Após a ofensiva, que matou quatro soldados, Israel fechou a passagem e bombardeou uma casa em Rafah, matando ao menos 16 pessoas, de acordo com médicos palestinos. O Exército alega ter atingido o local de onde teriam partido os projéteis que caíram em Kerem Shalom.

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, vinha fazendo reiteradas promessas de invadir Rafah, apesar do temor da comunidade internacional em relação ao aprofundamento da crise humanitária na cidade.

Horas após a ordem de retirada, ele disse ao presidente dos EUA, Joe Biden, que garantiria a reabertura de Kerem Shalom para ajuda humanitária, segundo comunicado da Casa Branca.

Biden e Bibi, como é chamado o premiê de Israel, também conversaram sobre as negociações em curso para um cessar-fogo e a questão de Rafah. Sobre este último tópico, o americano "reiterou sua posição", de acordo com comunicado da Casa Branca.

Os EUA são um dos aliados de longa data de Israel que tem manifestado preocupação com a iminente invasão da cidade, apesar de manter a ajuda militar. Em março, Biden afirmou que a abordagem do premiê em relação à guerra "mais prejudicava do que ajudava" e disse que Rafah representava "uma linha vermelha", um limite intransponível à ação de Tel Aviv.

Durante meses, Israel ordenou que a população se retirasse do norte de Gaza, alvo da maior parte dos ataques e onde a situação humanitária é especialmente alarmante. Assim, centenas de milhares de pessoas se deslocaram em direção a Rafah. Órgãos internacionais estimam que entre 1,2 milhão e 1,5 milhão de pessoas estão atualmente na cidade que, antes da guerra, tinha cerca de 280 mil palestinos.

"Nenhuma área é segura. Tudo o que resta em Gaza é morte. Gostaria de poder apagar estes últimos sete meses da minha memória. Muitos de nossos sonhos e esperanças desapareceram", disse à Reuters Mohammad al-Najjar, 23, que está com sua família na região leste de Rafah.

Diversas organizações internacionais se manifestaram sobre uma possível invasão da cidade. O alto comissário da ONU para os direitos humanos, Volker Türk, classificou a ordem de desumana.

"Os habitantes de Gaza continuam sendo atingidos por bombas, doenças e até mesmo fome. Hoje, eles foram informados de que devem se realocar mais uma vez à medida que operações militares israelenses em Rafah se intensificam", afirmou.

O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, afirmou que as ordens "prenunciam o pior: mais guerra e fome". "A União Europeia, com a comunidade internacional, pode e deve agir para evitar tal cenário", afirmou.

A chancelaria da França, por sua vez, lembrou que "o deslocamento forçado de uma população civil constitui um crime de guerra sob o direito internacional".

Com AFP e Reuters

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