Descrição de chapéu Brasil-EUA, 200

Bicentenária, relação Brasil-EUA começou sob atritos e com desconfiança mútua, diz ex-embaixador

Segundo Rubens Barbosa, Império de d. Pedro 2º e república americana viam um ao outro como ameaça; diplomacia em guerras também motivou crises

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Brasília

As desconfianças e atritos nas relações bilaterais entre Brasil e Estados Unidos têm raízes que remontam à época do Império, segundo Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro em Washington.

O diplomata escreveu um dos capítulos da obra "Uma Parceria Bicentenária: Passado, Presente e Futuro das Relações Brasil-Estados Unidos", lançado no fim de maio, no Itamaraty, como parte das celebrações dos 200 anos do relacionamento bilateral.

Coube a Barbosa um olhar histórico sobre a diplomacia entre os dois países, e ele começa seu texto questionando o próprio marco inicial: o encontro em Washington do encarregado de negócios do Império, José Silvestre Rebello, com o presidente James Monroe, em 26 de maio de 1824.

Ilustração da vista de dom Pedro 2º a Nova York, nos EUA
Ilustração da vista de dom Pedro 2º a Nova York, nos EUA, em 1876 - The New York Public Library

"O governo brasileiro saudou o encontro como o reconhecimento da independência, embora o governo norte-americano não tivesse emitido nenhuma declaração nesse sentido e continuasse a tratar de todos os assuntos diretamente com Lisboa e não com o Rio de Janeiro", escreve Barbosa no texto.

"O estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e os EUA só ocorreu por acordo firmado, entre os dois países, em 29 de outubro de 1825, depois que Portugal e a Grã-Bretanha reconheceram a independência do Brasil. Os EUA não quiseram se atritar com Portugal. O primeiro país a reconhecer a independência não foi nem os EUA nem a Grã-Bretanha; foi a Argentina, em 1823, por razões relacionadas com a disputa pela Província Cisplatina, hoje o Uruguai".

Apesar da divergência de datas levantada por Barbosa, o governo americano passou a reconhecer o marco do bicentenário como 26 de maio.

Barbosa, que chefiou a embaixada em Washington de 1999 a 2004, discorda da tese de que o início da relação bilateral Brasil-EUA tenha sido suave. Ele diz que, nas primeiras décadas, já se identificava um clima de "desconfiança e suspeitas".

A explicação estaria principalmente na diferença dos regimes políticos. Nos EUA, uma democracia que propagava valores republicanos. No Brasil, uma monarquia.

"Os EUA consideravam o regime monárquico no Brasil uma anomalia, e o Brasil percebia os EUA como um foco de subversão"’, escreve o embaixador. "Os EUA consideravam o Brasil o representante da Europa na América e viam com preocupação o surgimento no sul do continente de um país independente que poderia rivalizar com Washington".

O diplomata destaca ainda que Washington se envolveu de alguma forma em diferentes crises domésticas no Brasil. A ingerência americana, prossegue o autor, levou o Império a suspender em três ocasiões as relações diplomáticas: em 1827, 1847 e 1869.

De acordo com Barbosa, as desconfianças ficaram evidentes nas maiores crises militares que assolaram tanto os EUA como o Brasil no século 19.

Na Guerra Civil Americana (1861-1865), o Império adotou posição ambígua. Embora oficialmente neutro, ajudou os confederados —lado do conflito que defendia a manutenção da escravidão e se concentrava no Sul dos EUA— ao permitir que navios sulistas atracassem em portos brasileiros.

Anos depois, Washington deu o troco ao apoiar o Paraguai na guerra contra o Império brasileiro (1864-1870). "A guerra da Tríplice Aliança com o Paraguai em 1865 esteve presente no relacionamento do Brasil com os EUA. Os EUA também se envolveram na guerra, estimulando o governo de Assunção, fornecendo armas ao lado paraguaio e até oferecendo mediação, recusada pelo Brasil".

A imagem em preto e branco retrata uma cena pós-batalha com soldados e civis feridos e abatidos espalhados pelo campo. Alguns estão sentados ou deitados no chão, enquanto outros recebem cuidados. A paisagem é marcada por desolação, e a presença de aves no céu sugere um cenário de morte e desespero. A legenda em espanhol menciona prisioneiros de guerra e famílias paraguaias torturadas, indicando o contexto histórico da Guerra do Paraguai.
Prisioneiros de guerra e famílias paraguaias no acampamento de San Fernando, no "Álbum da Guerra do Paraguai", de 1893 - Acervo Biblioteca Nacional del Paraguay

Em seu texto, Barbosa diz que houve ainda outro episódio que estremeceu a relação. Abraham Lincoln, presidente que liderou a União durante a Guerra Civil Americana, propôs a transferência de parte da população negra no país para fora dos EUA. Uma das ideias, impulsionada pelo então enviado americano ao Brasil James Watson Webb, era que o local escolhido fosse o norte do rio Amazonas.

"Associada ao destino manifesto de expansão de suas fronteiras, a iniciativa encontrou reação do governo brasileiro. Havia a percepção por parte do governo brasileiro de que os EUA alimentavam o propósito de conquistar aquela região. A ação diplomática e o silêncio de dom Pedro 2º foram responsáveis pelo fim dessa ideia, que implicaria a cessão de território, como ocorreu com a concretização dessa iniciativa na Libéria", diz Barbosa.

"A suspeita foi reforçada pela pressão de Washington para a abertura, se possível de forma pacífica, pela força se necessário, do rio Amazonas. As pressões para a abertura do rio Amazonas à livre navegação despertavam a suspeita de que a Amazônia poderia ser perdida para os EUA. O Brasil não cedeu e o rio Amazonas permaneceu fechado, afastando-se a perspectiva de formação de colônias norte-americanas".

O ex-embaixador avalia que esses acontecimentos podem estar no "subconsciente nacional" em relação à preocupação com o interesse de potências estrangeiras sobre a Amazônia, algo que persiste até hoje.

As relações EUA-Brasil melhoraram a partir da década de 1870. De acordo com Barbosa, isso ocorreu pelo crescimento do comércio bilateral e pelo fortalecimento de Washington como uma potência de alcance mundial.

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