Ditadura da Venezuela foi surpreendida por resultado da eleição, diz ativista pró-regime

Pessoas próximas ao órgão eleitoral do país dizem que apuração foi interrompida para que ditadura acionasse plano B

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Anatoly Kurmanaev
The New York Times

Para o regime venezuelano, tudo parecia estar dando certo.

Francisco Torrealba, um alto funcionário do partido do ditador Nicolás Maduro, estava em um centro de comando eleitoral na capital do país, Caracas, no dia das eleições no mês passado, observando os monitores de computador com confiança à medida que a votação presidencial se aproximava do fim.

Os gráficos mostravam que uma base de apoio crucial do partido em Caracas havia comparecido em massa às urnas.

Homem com expressão séria gesticula com as duas mãos. Ele veste terno e gravata
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro - Federico Parra - 31.jul.24/AFP

A situação era muito semelhante em outros redutos tradicionais do regime em todo o país, segundo Torrealba. Isso assegurou os assessores do partido que uma mistura de alta participação de apoiadores e repressão contra eleitores da oposição impulsionaria Maduro a uma vitória nas eleições presidenciais.

"Estávamos calmos", disse Torrealba em uma entrevista, descrevendo o clima entre os funcionários do regime durante a votação de 28 de julho. "Fizemos tudo o que era necessário para alcançar uma boa vitória."

O que aconteceu em seguida parece ter causado um abalo sísmico nas expectativas do regime. As contagens de votos mostraram que os apoiadores de Maduro no setor público e em bairros pobres haviam abandonado em massa o ditador, de acordo com as contagens de votos obtidas pela oposição. Um desastre eleitoral se aproximava.

"Fomos traídos porque disseram que iriam votar em Maduro. E o que fizeram? Votaram naquela mulher", disse um ativista do regime em Maracaibo, a segunda maior cidade da Venezuela, falando em condição de anonimato por medo de retaliação.

O ativista se referia à popular líder da oposição, María Corina Machado, que apoiava o rival de Maduro, Edmundo González.

À medida que os resultados eletrônicos chegavam a Caracas, o conselho eleitoral controlado pelo regime interrompeu subitamente a transmissão por aproximadamente duas horas, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o que aconteceu. A demora, dizem analistas, pareceu dar ao regime tempo para montar um plano B.

Pouco depois da meia-noite, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) declarou Maduro o vencedor, anunciando um resultado que não parece ter sido baseado nas cédulas registradas pelo sistema eleitoral, de acordo com muitos analistas, líderes da oposição e uma pessoa com conhecimento direto da decisão do CNE.

O anúncio mergulhou a Venezuela em uma crise política que já causou pelo menos 11 mortes em manifestações violentas, levou à prisão de mais de 1.000 pessoas e provocou uma crise diplomática.

O regime se recusou a divulgar quaisquer contagens de votos para sustentar a suposta vitória de Maduro. Sua reeleição não foi reconhecida pelos Estados Unidos e muitos outros países nas Américas e na Europa. Também foi desmentida por estudos estatísticos das contagens de votos obtidas pela oposição, incluindo um conduzido pelo New York Times.

Maduro respondeu às críticas intensificando a repressão aos opositores e rompendo laços com países que rejeitaram sua vitória.

A eleição o deixou diante de uma das decisões mais difíceis de seus 11 anos à frente da Venezuela: se manter no poder a todo custo ou aceitar uma negociação política que poderia enfraquecer seu controle sobre o país.

Com a eleição chegando, Maduro enfrentava um dilema. A votação precisava ser livre o suficiente para persuadir os EUA a suspenderem sanções econômicas devastadoras, mas não tão livre a ponto de ameaçar o regime. Uma vitória entregaria a Maduro um terceiro mandato no cargo e impulsionaria o chavismo para sua terceira década no poder. Ele não quis correr nenhum risco.

Ele permitiu que González, um diplomata aposentado pouco conhecido, o desafiasse, enquanto proibia todos os principais líderes da oposição, incluindo María Corina, de concorrer.

Ele então usou todo o peso do Estado venezuelano contra a campanha de González. A ditadura aprisionou dezenas de seus colaboradores de campanha, semeou confusão no processo de votação e negou à oposição acesso à mídia tradicional e à publicidade.

Para conquistar votos para Maduro, o regime apostou na sua máquina política que por anos usou o poder financeiro de um Estado enriquecido pelo petróleo para levar os apoiadores às urnas por meio de uma combinação de favores, coerção e lealdade.

Avanços tecnológicos também ampliaram as ferramentas eleitorais do regime. Ativistas do partido, desde organizadores de bairro até ministros de Estado, foram encarregados de levar dez eleitores às seções eleitorais e atualizar seu progresso em um aplicativo monitorado pelos gerentes de campanha.

"Fazer política é o que sabemos", disse Nicolás Maduro Guerra, deputado e filho do ditador, em uma entrevista dias antes da eleição. "Estamos confiantes na vitória, não porque somos triunfalistas, mas porque fizemos nosso trabalho de casa."

À medida que a votação se aproximava, as pesquisas internas do regime mostravam Maduro atrás, mas próximo de González, uma margem de erro que funcionários do partido acreditavam poder ser superada ao turbinar o comparecimento às urnas, de acordo com duas pessoas familiarizadas com essas pesquisas.

Por outro lado, a oposição estava fazendo campanha freneticamente e também usando tecnologia para tentar equilibrar o jogo.

María Corina organizou dezenas de milhares de apoiadores em grupos eleitorais encarregados de obter contagens impressas das 30 mil máquinas de votação do país —as chamadas atas eleitorais.

Esses documentos permitiriam que a oposição recriasse os resultados e expusesse qualquer eventual fraude. A equipe de María Corina criou seu próprio aplicativo para permitir que voluntários relatassem a participação e fizessem o upload das atas.

Enquanto o regime se concentrava em levar os apoiadores às urnas, também tentava suprimir a capacidade da oposição de monitorar irregularidades. Em muitos centros, os funcionários eleitorais, apoiados por soldados, disseram a voluntário e testemunhas da oposição que não receberiam as atas, em violação da lei eleitoral.

Ainda assim, depois que os centros de votação começaram a fechar, ativistas em muitos centros de votação conseguiram escanear os comprovantes e transmiti-los para a campanha da oposição.

À medida que as contagens se acumulavam, a oposição ficava cada vez mais convencida de que seu candidato estava a caminho de uma vitória histórica.

Regiões que haviam votado em candidatos chavistas por décadas —bairros mais pobres de Caracas ou em áreas rurais como Portuguesa— haviam se afastado de Maduro, apontou uma análise eleitoral da oposição compartilhada com o New York Times.

"Fomos tomados pela euforia", disse um organizador da oposição, Andrés Schloeter. "Finalmente, conseguimos!"

Mas a celebração da oposição foi breve. Cerca de duas horas após o fim da votação, urnas eletrônicas em todo o país perderam repentinamente a conexão com a sede do conselho eleitoral, interrompendo a transmissão dos resultados, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o processo, bem como entrevistas com vários mesários que tentaram enviar os resultados.

O regime, sem fornecer evidências, mais tarde atribuiria a falha técnica a um ataque de hackers da Macedônia do Norte. Mas muitos analistas e líderes da oposição acreditam que o regime interrompeu a transmissão para mudar para uma nova estratégia.

Pouco depois da interrupção, o chefe de campanha de Maduro, Jorge Rodríguez, deu a primeira pista do que estava por vir. "Hoje foi uma vitória para todos", disse Rodríguez aos repórteres com um sorriso largo no rosto.

"Foi aí que percebemos: Eles vão roubar a eleição", disse Schloeter.

Enquanto o conselho eleitoral permanecia em silêncio, o regime realizou um comício de vitória ao lado do palácio presidencial. Vários milhares de funcionários públicos e ativistas chavistas dançaram ao som de bandas, incluindo uma banda tributo a Maduro cujas músicas incluem "Super Bigode" e "Nicolás, Nicolás, Nicolás".

Finalmente, pouco depois da meia-noite, Elvis Amoroso, chefe do conselho eleitoral e membro do partido chavista, proclamou Maduro o vencedor para uma nação atônita, dizendo que ele teve sete pontos percentuais a mais que González.

No entanto, os números que Amoroso leu em voz alta não vieram do banco de dados do conselho eleitoral, de acordo com uma pessoa com conhecimento direto dos eventos na sede do conselho na noite da eleição. Como essas cifras foram obtidas permanece um mistério.

A manobra do regime teve uma falha crucial: suas tentativas de impedir a oposição de obter contagens de votos em grande parte falharam, disse Juan Barreto, ex-aliado de esquerda de Maduro que rompeu com ele e apoiou outro candidato nas eleições.

Até terça-feira (6), a oposição havia postado 83% das contagens de votos online, mostrando González 37 pontos percentuais à frente de Maduro.

Torrealba afirma que as contagens da oposição são falsas, mas disse que o partido governante não tinha planos de publicar suas próprias contagens. Ele afirmou que o regime não estava obrigado a fazê-lo e nunca o fez antes.

Mas em 2013 o partido fez exatamente isso, publicando contagens para refutar as alegações de fraude da oposição em uma eleição acirrada vencida por Maduro.

Apesar de pedir por responsabilidade e transparência, Torrealba apresentou as eleições de 28 de julho como um fato consumado. Maduro, no seu comício de vitória, proclamou: "Posso dizer diante do povo da Venezuela e do mundo: Sou Nicolás Maduro Moros, o presidente reeleito da República Bolivariana da Venezuela. E defenderei a nossa democracia!"

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