Candidato sírio a vereador de SP é alvo de ataques xenofóbicos e cogita desistir

Abdulbaset Jarour expôs agressores nas redes e ameaça processá-los; ofensas aumentaram com guerra Israel-Hamas

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São Paulo

Abdulbaset Jarour, 34, chegou ao Brasil em 2014 depois de fugir da guerra civil que devastou a Síria, onde ele nasceu. Dez anos depois e já naturalizado brasileiro, candidatou-se a vereador em São Paulo com o objetivo de dar visibilidade às demandas dos migrantes e refugiados. Nesta semana, porém, ele chegou a anunciar que estava retirando a candidatura devido a dezenas de ataques xenófobicos —depois, recuou.

Abdul, como é conhecido, expôs os agressores em suas redes sociais. "Confia nao q ele vai mandar uns homens bomba pra sao paulo kkk" [sic], escreveu Wali ZS. "Vai se candidata no seu país mulsumano otário" [sic], publicou Marina de Andrade. "Vai ser uma explosão de votos", comentou Duilio Flamino.

Abdul Jarour, candidato a vereador em SP pelo PSB, durante evento em São Paulo
Abdul Jarour, candidato a vereador em SP pelo PSB, durante evento em São Paulo - Zanone Fraissat - 2.dez.22/Folhapress

O candidato se diz psicologicamente abalado e cogita processar os autores das mensagens. "Eu fico muito mal. As pessoas têm costume de ofender e atacar. Parece que no Brasil isso é normal", afirmou à Folha.

"Eu não escolhi onde nasci, não escolhi os meus pais nem o meu nome. Tive que fugir, e o destino foi o Brasil. Deus abriu essa porta, mas fico triste porque as pessoas desconhecem a minha história e só querem atacar. Elas associam terrorismo com minha cultura, com a minha origem."

Abdul diz estar em tratamento contra a depressão desde 2020, o ano em que sua mãe morreu no Brasil, aos 55 anos, por complicações decorrentes do coronavírus. As mensagens de ódio, afirma ele, agravam o seu quadro de saúde, em que a ansiedade e a insônia são comuns.

Não é a primeira vez que Abdul disputa eleições em São Paulo. Em 2022, ele se candidatou a deputado estadual em São Paulo, mas não foi eleito. Segundo o político, os ataques já aconteciam há dois anos, mas aumentaram após o início da guerra Israel-Hamas, que completa 11 meses nesta sábado (7).

Ele afirma já ter passado por constrangimentos em situações presenciais. No sétimo semestre do curso de direito, Abdul diz que já foi ofendido durante uma conversa sobre o conflito na faculdade. "Um senhor parou na minha frente e disse 'você e seu povo cortaram cabeças de crianças israelenses'. Tinham três pessoas ao meu lado e levei o caso à reitoria, mas nada aconteceu", diz. "Não sou palestino, mas a guerraaumenta a polarização, e as pessoas associam terrorismo com os países árabes."

Depois de expor os ataques, Abdul afirma ter recebido várias mensagens de apoio. Agora, diz que deverá manter a candidatura. O político concorre pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), sigla na qual se diz sentir desamparado.

Segundo o diretório municipal do partido, líderes da legenda se reuniram com Abdul após os ataques. O PSB afirma ter oferecido a ele apoio psicológico e jurídico. Também se diz atento a todas as candidaturas que representam grupos minoritários.

Abdul nasceu em Aleppo, uma das cidades sírias mais afetadas pela guerra civil iniciada em 2011. Foi ferido em 2013 e decidiu fugir para o Líbano. De lá, pensou em cruzar pelo mar para a Itália, a Grécia ou a Espanha. Tentou o visto canadense e o australiano, sem sucesso. Então, soube do visto humanitário brasileiro e procurou a embaixada.

No Brasil, Abdul trabalhou como motorista de aplicativo e ganhou visibilidade defendendo a causa migrante. Em 2019, apareceu na abertura da novela "Órfãos da Terra", da TV Globo. Depois, entrou para o mundo da política. Nos últimos dias, vem acompanhando com atenção os desdobramentos do caso de um migrante que morreu depois de passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

Ele não se arrepende de ter escolhido o Brasil como destino, mas afirma que o país é xenófobo. "Não posso generalizar, mas parte da população brasileira tem nojo de imigrantes e refugiados africanos, asiáticos ou latinos. Precisamos educar as instituições brasileiras, os funcionários e conscientizar as crianças nas escolas de que os refugiados devem ser tratados com respeito."

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