São Paulo é tipo uma feira de arte contemporânea

Suas ruas são vitrines e comercializam o insólito, o exótico e o invulgar sob diferentes formas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Pratos servidos no Acrópolis, restaurante grego no Bom Retiro
Pratos servidos no Acrópolis, restaurante grego no Bom Retiro - Reprodução/Instagram @restauranteacropolis
São Paulo

Certa feita, um observador arguto da cidade disse-me, à boca pequena, que São Paulo é tipo uma feira de arte contemporânea. Ao estrangeiro, as ruas da metrópole são vitrines e comercializam o insólito, o exótico e o invulgar sob diferentes formas.

Aqui é o vale tudo: tem monólogos de baixo custo, seminários de poesia concreta e concertos de música atonal. Ao cair da noite, a rua Augusta escorre gente pelo ladrão. Iluminados pelas luzes dos inferninhos, todos procuram nas redondezas uma nova experiência, palavra obrigatória na novilíngua usada por marqueteiros e influenciadores.

Não são mais do que exercícios para matar o tédio. A feira não seria tão divertida, porém, se não conjugasse as tantas atrações ao prazer da boa mesa. Ouve-se falar de longe que a gastronomia paulistana é imbatível. O segredo é espelhar a pujança cultural da cidade, apresentando um cardápio variado. Em pequena escala geográfica, só as ruelas do Bom Retiro reúnem o moussaka, do grego Acrópolis, a porção de gefilte fish, do judaico Shoshana Delishop, e a sobremesa com chá verde, do coreano Komah. A poucos metros dali, a comida mais simples não é menos deliciosa.

O uruguaio El Tranvía, em Santa Cecília, mostra que o paulistano desapegou da fartura dos rodízios e agora se refestela nos cortes da parilla. A boa mesa é o ponto de culminância do vale tudo, sendo a mediadora das ideias e dos afetos. Ao mesmo tempo que fortalece a economia, o circuito gastronômico é o propulsor da vida social da cidade.

Em primeiro lugar, oferece ao gourmand a novidade, transformando a comida em notícia. A alimentação, ato intrínseco à vida, é elevada, ela própria, ao patamar de obra de arte. Tanto que, na era da imagem, a modinha é fotografar tudo para, em seguida, postar na conta do Instagram. Mas não comemos com os olhos. Os telefones celulares, advirto, só atrapalham o prazer nos restaurantes. Comer bem é a garantia de prazer em dose dupla. Há uma dimensão sensorial, mais efêmera, do sabor instantâneo deixado pela iguaria, e uma perspectiva mais subjetiva, que é típica do trabalho na cozinha, da seleção de cada um dos ingredientes até a apresentação final.

De modo análogo, para quem se delicia, um prato pode marcar um primeiro encontro, uma festa de aniversário e até se inscrever na memória, desencadeando lembranças de momentos que nunca mais voltarão a acontecer. Aproveitar a gastronomia significa, em última instância, intensificar a experiência de estar vivo no aqui e agora.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.