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A decisão do governo de incluir terapias alternativas na cobertura do SUS é correta? NÃO

Efeito placebo nos postos de saúde

Henrique Batista e Silva

No Brasil, assim como na maioria dos países do Ocidente, o diagnóstico e o tratamento de doenças são conduzidos a partir de procedimentos cientificamente comprovados. Isso implica considerar válidos para a boa assistência aos pacientes apenas os medicamentos, métodos e abordagens terapêuticas que contam com validação científica.

Ou seja, após passarem por todas as etapas da pesquisa e da experiência clínica, conseguem acumular conclusões fortes o suficiente de que seus riscos são reduzidos e de que há maiores chances de êxito após a aplicação. Tal zelo preserva o binômio segurança e eficácia, fundamental para a prática médica.

Contudo, apesar de todo esse rigor científico, o emprego das terapêuticas validadas permanece ainda suscetível às incertezas decorrentes da resposta do organismo de cada paciente. Também sofre a influência dos cenários de prática, muitas vezes desprovidos de recursos adequados.

Assim, preocupado com a qualidade dos meios oferecidos à população na promoção da saúde e na luta contra a doença, o Conselho Federal de Medicina (CFM) considera um equívoco a inclusão de práticas integrativas no rol de serviços oferecidos no Sistema Único de Saúde (SUS), atribuindo-lhes garantias de resultados que não contam com a confirmação de pesquisas científicas com metodologia comprovadamente reconhecida.

Essas práticas não apresentam resolubilidade, conforme as melhores evidências científicas disponíveis. Na melhor das hipóteses, oferecem um efeito placebo aos seus adeptos: o seu uso por um doente otimista pode gerar a percepção de efeito semelhante ao de um procedimento já testado e reconhecido pela ciência. Porém, isso não significa cura ou melhora duradoura.

Pode, em algumas circunstâncias, retardar o início de tratamentos necessários, comprometendo ainda mais o quadro de enfermidades, com a redução de chances de recuperação e, no limite, até com o aumento do risco de morte.

A oferta dessas práticas no SUS é um tema sério, pela confusão que gera na população no momento de optar entre tratamento alternativo e um realmente eficaz.

Por isso, num contexto de alerta, cabe aos médicos somente atuar na medicina com procedimentos e terapêuticas que têm validade científica. Dentre as 29 práticas integrativas no SUS anunciadas pelo governo, isso ocorre apenas com a homeopatia e a acupuntura. Ambas são especialidades médicas, que observam protocolos clínicos, compromissos e responsabilidades éticas.

Porém, o equívoco da incorporação dessas práticas ao SUS não reside apenas na ausência de comprovação de sua segurança e eficácia no tratamento. Também precisa ser considerado o impacto que a medida traz para a rede pública, do ponto de vista de seu financiamento.

Evidentemente, oferecer nos postos de saúde acesso à apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos e terapia de florais, por exemplo, exigirá verbas que poderiam ser mais bem aplicadas na contratação de profissionais e compra de medicamentos, equipamentos e insumos, atualmente prejudicados.

Assim, a incorporação dessas práticas ao SUS contribui para o uso indevido de recursos públicos, agravando o quadro de um sistema já marcado por carências e faltas, e que há tempos clama por competência administrativa.

Por isso, a gestão do SUS deve agir com cautela, fazendo escolhas corretas e atentas às reais prioridades e necessidades dos profissionais e da população. Sem isso, o governo oferecerá à nação um grande placebo —que, como todos os outros, não trará a resposta definitiva para os problemas de saúde dos brasileiros.

Henrique Batista e Silva

Cardiologista, 74, é secretário-geral do Conselho Federal de Medicina (CFM)

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