Sempre que setores políticos se sentem ameaçados pela atuação crítica e independente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), é tirada do armário a proposta de vincular a instituição à administração pública federal por meio do Tribunal de Contas da União (TCU). Anonimamente, os agentes políticos incomodados conseguem veicular pela imprensa a informação de que o tribunal fiscalizará as contas da OAB --como se ela já não fosse fiscalizada.
O primeiro engano é que o TCU tem competência para fiscalizar órgãos públicos, mas não instituições nem empresas de direito privado que não recebem dinheiro público nem arrecadam tributos, como é o caso da OAB, que sobrevive da contribuição dos advogados.
Outra inconsistência: as contas da Ordem já são públicas e auditadas por diversos órgãos internos e auditorias externas, como em qualquer entidade privada.
Elas estão disponíveis na internet e, para advogadas e advogados, são acessíveis em detalhes. Existem ainda as instâncias da própria advocacia, por meio dos representantes eleitos para trabalhar pela classe, sem remuneração ou auxílios.
A maior entidade da sociedade civil do país completará 88 anos em novembro e se diferencia dos demais conselhos profissionais por causa das atribuições recebidas da Constituição Federal. Nesse tempo todo, foram frequentes os ataques de adversários. E sempre nos pronunciamos ao lado da sociedade e da lei nos momentos críticos, como é o atual.
A tentativa de vincular a OAB ao poder político é antiga. Em 1952, o extinto Tribunal Federal de Recursos (atual Superior Tribunal de Justiça) discutiu a questão e concluiu que a Ordem não é órgão público. Em 2003, o próprio TCU chegou a essa conclusão. Em 2006, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu assim. Essa tentativa, portanto, fere a coisa julgada, sendo juridicamente inviável.
Quem ganharia com a submissão da OAB —que é transparente, tem natureza privada e possui mecanismos eficientes de fiscalização e controle— a um órgão da administração pública federal?
A OAB é uma voz crítica na sociedade. Foi assim quando fez oposição à ditadura militar e quando pediu os impeachments de Fernando Collor, de Dilma Rousseff e, recentemente, de Michel Temer. A Ordem se levanta contra os abusos das autoridades --como as decisões ilegais que mandam quebrar o sigilo de conversas entre jornalistas e fontes ou entre advogados e clientes.
A atuação da OAB inclui a cobrança permanente pelo fim dos privilégios desfrutados por alguns agentes públicos, como salários acima do teto, férias de 60 dias e auxílios ilegais. Essa posição se manteve quando pedimos, no início de 2016, a saída de Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados, quando ele ainda era o todo-poderoso da República. Depois, com ele destruído, diversos atores políticos passaram a dizer o óbvio.
Neste ano, a OAB reforçou a atuação contra a transformação do Ministério da Educação em balcão de negócios, o que ocorre pela autorização "de baciada" de cursos de direito, ignorando critérios técnicos e de qualidade mínima.
O mesmo com relação a algumas agências reguladoras, que funcionam como moeda de troca política e como defensoras das empresas em prejuízo dos consumidores.
Barramos o encarecimento da banda larga (gestado dentro da Anatel) e fomos à Justiça contra o abuso das companhias aéreas e da Anac, que criaram a taxa extra para embarque de bagagens. Não só a advocacia, mas a sociedade perde muito com o fim da autonomia e da independência crítica da maior entidade civil brasileira.
Quem, então, ganha com isso? O TCU tem de usar sua estrutura para fiscalizar aqueles que recebem recursos públicos, sob pena de se valer do erário para fiscalizar a atividade privada.
A OAB deve prestar contas ao TCU? NÃO
Medida política quer calar voz crítica da Ordem
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