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Belisário dos Santos Jr.

Declaração Universal: 70 anos de direitos e deveres

Documento é um guia de conviver bem em sociedade

Belisário dos Santos Jr, ex-secretário de Justiça de SP, em entrevista à Folha, em 2017 - Zanone Fraissat - 18.mai.17/Folhapress
Belisário dos Santos Jr.

É significativo lembrar, que meses antes da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi adotada a Declaração Americana dos Direitos e Deveres Humanos, no âmbito da Nona Conferência Internacional Americana, que se reuniu em Bogotá (Colômbia), em 1948, com a participação de 21 Estados --e, ao mesmo tempo, adotou-se a Carta da Organização dos Estados Americanos, o Tratado Americano sobre Soluções Pacíficas ("Pacto de Bogotá").

No âmbito americano, era de certa forma mais esperada uma declaração desse tipo. Desde 1889, os Estados americanos se reuniam com periodicidade, criando um sistema de normas e instituições. 
Assim, em Bogotá, no preâmbulo da Carta tem-se que os direitos não se desprendem dos deveres correspondentes, de respeito a quem os exerce e de incentivo a seu exercício. 

O artigo 28 da Declaração Americana traz a dimensão da alteridade e do inter-relacionamento necessários que fundamentam a convivência humana: "Os direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem-estar geral e do desenvolvimento democrático." 

Esta noção se expande para o capítulo dos deveres da Declaração Americana, trazendo em primeiro lugar o dever da convivência com suas consequências. Essas consequências necessárias da convivência virão na forma dos deveres que se elencaram em seguida: o dever do trabalhar, segundo os limites de cada qual, o dever de se educar e educar os filhos, o dever de pagar impostos, o dever de votar e colaborar com os serviços civil e militar, conforme as leis de seu país. 

Em suma, a Declaração Americana, até porque anterior e oriunda de um sistema mais estruturado de convivência democrática, proporciona uma forma interessante e pedagógica de se ler a Declaração Universal como também sendo uma carta de direitos e deveres. 

Sim, a Declaração Universal não é um simples rol de direitos. Equivocam-se aqueles que dessa forma criticam esse magnífico exemplo do patamar de civilização que atingimos, agora com a experiência de seus 70 anos

A Declaração Universal é, antes de tudo, um guia de conviver bem em sociedade, respeitando a dignidade do outro. Essa declaração tem 30 artigos. Curiosamente, o primeiro e os dois últimos dessa declaração de direitos falam explicitamente em deveres humanos. O artigo 1º diz que todos os homens nascem livres, iguais em dignidade e direito. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade.

A dignidade é um valor. Ele se impregnou em todos nós e contra isso não pode haver atentado. À dignidade humana está ínsito o dever de respeitar a dignidade do próximo. 

O artigo 29 da Declaração Universal fala exatamente da responsabilidade de todo ser humano para com a comunidade. A comunidade precisa que seus integrantes se eduquem, trabalhem para sua prosperidade, se apropriem dos valores culturais de cada povo. E assim por diante. 

De outra parte, a necessidade da participação política, partidária ou não, ajudando a construir ou defender a democracia, bem como dos valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade a ela inerentes. 

O dever de votar. O dever de cada cidadão de participar do desenvolvimento da sociedade, rumo ao seu próprio bem-estar, mas também colaborando com a busca da felicidade por outras pessoas. O dever da solidariedade. O dever de resistir ao autoritarismo, tão fundamental que ocupou um dos considerandos do preâmbulo. 

O artigo 30 diz que as pessoas não podem agir contra essa expectativa de dignidade, nem por meio de lei.
E, por fim, o dever de defender as ideias expressadas na Declaração Universal, por representarem um ideal de civilização a ser buscado sempre e progressivamente.

Belisário dos Santos Jr.

Advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas, presidente da Comissão da Verdade da OAB/SP e ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo (1995-2000, governo Covas)

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