“A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
Graciliano Ramos
Pesquisa realizada em 2018 pela ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro, apontou que 3 entre cada 10 brasileiros, de 15 a 64 anos, são analfabetos funcionais. Outro levantamento, feito pelo Pnad 2017, mostrou que 1 em cada 5 habitantes de São Paulo não possui instrução formal ou ensino fundamental completo.
A partir desses dados, fiquei me perguntando: Se essas pessoas já têm dificuldades para compreender um texto comum, como vão entender a linguagem burocrática, a letra miúda, o excesso de siglas e o abuso dos jargões na comunicação do setor público?
Por isso, a partir de iniciativas já bem-sucedidas na Colômbia e nos Estados Unidos, apresentamos um projeto para criar a Política Municipal de Linguagem Simples. Pela lei, todos os órgãos municipais são obrigados a se comunicar em uma linguagem que a grande maioria da população entenda.
A partir da sanção do prefeito Bruno Covas (PSDB), São Paulo será a primeira cidade do país a possuir uma lei para facilitar a comunicação do governo com o público. A partir de agora, o que era um decreto do prefeito deixa de ser uma política de governo para tornar-se uma política de Estado. Nessas condições, a linguagem simples e fácil vai representar um grande avanço na luta por uma sociedade mais democrática, transparente e acessível a toda população.
Hoje, por exemplo, se o leitor estiver em atraso com o seu IPTU, receberá a seguinte correspondência: “Comunicamos a existência de pendência (s) relativa (s) a débito (s) de IPTU que serão inscritas no Cadin após 30 dias contados da data de expedição do presente comunicado. Necessária a quitação de todas as parcelas vencidas no momento da pretendida regularização. O pagamento excluirá a pendência do Cadin Municipal, automaticamente após a conciliação bancária e baixa.”
Traduzindo tudo isso para a linguagem simples ficaria assim: “Você tem parcelas do IPTU que precisam ser pagas em até 30 dias da data acima. Se isso não for feito, você entrará na lista de devedores e depois na Dívida Ativa do Município”.
Parece simples e óbvio, mas a comunicação empolada tem sido uma das formas de exclusão da parcela mais vulnerável da população na solução de suas demandas e na discussão dos problemas da cidade. Como diz a professora Neide Mendonça, especialista na área, “escrever mal é desumano e antidemocrático, porque desrespeita um direito fundamental do leitor: compreender os textos que regulam sua vida de cidadão”.
Numa época de tantas ameaças autoritárias, precisamos inverter o papel da comunicação na relação do governo com a sociedade. Ao invés de afastar, excluir e controlar a população, a linguagem precisa aproximar, incluir e libertar todos aqueles que dependem dela para resolver suas demandas e discutir as grandes questões de sua comunidade. Quanto mais simples a linguagem, mais próximos estaremos de uma sociedade democrática, transparente e, acima de tudo, mais humana.
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