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Aod Cunha

Regras legais são suficientes para garantir a responsabilidade fiscal?

Sociedade precisa ser convencida de que zelo nas contas públicas é benéfico

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Aod Cunha

Doutor em economia, é ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul (2007-09) e conselheiro de administração de empresas

Em 16 de agosto, assinei com outros economistas o artigo "É preciso rebaixar o piso de gastos para que o teto não colapse", publicado na Folha em defesa do teto de gastos. Com um déficit nominal indo para mais de 15% do PIB neste ano e a dívida pública podendo alcançar 100% do PIB já em 2021, pareceu-me importante defender uma lei que pode evitar o caos nas contas públicas do país.

O debate recente sobre o teto de gastos ainda me estimula a outra reflexão: por que temos tantas dificuldades para respeitar regras legais de preservação da responsabilidade fiscal no Brasil?

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), durante algum tempo, ofereceu razoável controle sobre o endividamento público, principalmente para estados e municípios. No entanto, mais recentemente, a LRF passou a ser desrespeitada até pelos órgãos fiscalizadores no que se refere ao controle dos gastos com o funcionalismo. O resultado é que a maioria dos estados brasileiros gasta hoje muito mais do que o limite do gasto de pessoal previsto na lei.

Criamos o teto salarial para o serviço público na aprovação da reforma da Previdência de 2003. Desde lá, uma série de novos benefícios financeiros passaram a ser excluídos do limite do teto, atualmente fixado em R$ 39,2 mil. Hoje, só no Poder Judiciário, estima-se que mais de 90% dos juízes recebam acima desse teto.

Instituímos a "regra de ouro", uma combinação dos dispositivos do artigo 167 da Constituição Federal, da LRF e do artigo 6º da resolução do Senado Federal de 2007, para evitar que novas operações de crédito financiassem o gasto corrente. Outra regra recentemente mudada no Congresso Nacional por solicitação do próprio Poder Executivo.

Chegamos ao teto de gastos, criado em 2016 para limitar o crescimento do gasto total dos três Poderes na União pelos próximos 20 anos. Em 2019, 7 dos 8 tribunais federais, além do próprio Ministério Público da União, já não se enquadraram nos limites previstos. A lei só não foi descumprida porque ainda era o último ano em que a folga de limite do Poder Executivo podia ser usada para compensar o não cumprimento do teto de outro Poder. Veio a pandemia, a pressão por mais gastos, e a regra do teto sobrevive pela flexibilidade para acomodar eventos extraordinários, como a atual crise sanitária. Mesmo assim, as pressões para que a lei seja abandonada ou modificada nos próximos anos são crescentes.

Por último, ainda temos o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), aprovado pela lei complementar 159/2017, como uma nova alternativa para estados que se desenquadraram do ajuste pretendido pela LRF. O Rio de Janeiro assinou o acordo, obteve postergação do pagamento de dívidas e tomou novos empréstimos. Na sequência, não cumpriu com várias das contrapartidas exigidas e nem por isso sofreu as sanções previstas na lei.

O italiano Alberto Alesina (1957-2020), professor de economia de Harvard, sempre foi reconhecido por suas publicações sobre austeridade e ajuste fiscal. Ao falar na entrega do Prêmio do Tesouro Nacional de 2019, declarou ser um tanto cético sobre a eficiência de regras legais. Como já havia escrito em "Budget Deficits and Budget Institutions" (Alesina e Perotti, 1996), disse que países que já haviam incorporado a responsabilidade fiscal como um valor da sociedade, como a Alemanha, não precisavam de regras fiscais em leis. Por outro lado, lembrou que países que relutavam em ter boa disciplina fiscal, como a Itália, as regras fiscais acabavam não sendo cumpridas.

No Brasil, o ataque à legislação que estabelece regras fiscais é constante. Ainda não há a percepção clara para a população de que gastos e dívida descontrolados geram mais impostos, piores serviços públicos, juros mais altos e renda mais baixa. Todo esse quadro sugere que a eficiência de regras legais para a política fiscal é baixa se não conseguirmos convencer a sociedade dos benefícios da responsabilidade fiscal.

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