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Rubens Figueiredo

Vale-refeição está obsoleto

Portabilidade acabaria com oligopólio das administradoras de benefícios

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Rubens Figueiredo

Presidente da Abra (Associação Brasileira de Defesa dos Empreendedores do ramo de nutrição, alimentação e restauração)

O Brasil é um país no qual ilhas de tecnologia de ponta (bancos, unicórnios, Pix, Uber, iFood etc.) convivem com práticas totalmente ultrapassadas. Um dos exemplos mais gritantes é a concessão de benefícios como vale-refeição e vale-alimentação. Na pandemia, todo mundo pediu comida em casa. Quem tinha vale-refeição precisava ir ao restaurante pegar a quentinha.

Apesar de estar fora do nosso tempo, a atividade é altamente lucrativa. Em 2018, o faturamento ficou em torno de R$ 150 bilhões, com alta margem de lucro. O sistema conta com o suporte do Estado por meio do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). As empresas que contratarem prestadores de serviços de alimentação não precisam pagar INSS e FGTS sobre as parcelas do benefício, enquanto as empresas com tributação em lucro real podem abater o limite de até 4% de seu Imposto de Renda.

Rubens Figueiredo Cientista político pela USP, diretor da consultoria Cepac e colaborador da Fundação Espaço Democrático
O cientista político Rubens Figueiredo - Divulgação


O setor de vale-alimentação e vale-refeição tornou-se há tempos um oligopólio: apenas quatro empresas dominam quase 90% do mercado. Essas administradoras vendem os vales abaixo do preço de custo, numa clara prática de dumping. Assim, elas capturam as empresas empregadoras, que obrigam os seus funcionários a terem seus vales-refeição depositados em apenas uma bandeira. Essa prática é conhecida como rebate.

Diversas tentativas foram feitas para acabar com essa situação abusiva, sem sucesso. O Ministério do Trabalho chegou a proibi-la, por meio da portaria nº 1.287/2017, mas os efeitos acabaram suspensos depois de uma determinação do Tribunal de Contas da União. A norma também teve sua legalidade questionada no Judiciário, mas não há decisão de mérito definitiva.

O peso dessa e de outras práticas anticoncorrenciais das empresas de benefício acabam caindo no elo mais fraco da cadeia: os restaurantes. Em especial os pequenos e médios, que representam 85% do setor no Brasil. Esses estabelecimentos são obrigados a pagar uma comissão de 5% a 9% às administradoras de benefícios.

Em média, a margem de lucro de um restaurante bem administrado oscila de 8% a 12%, mas boa parte desse montante acaba parando justamente no caixa das administradoras de benefícios. Isso não faz o menor sentido. As administradoras usam tecnologia totalmente obsoletas (cartões físicos magnéticos), não têm custos com chargeback e com a infraestrutura tecnológica típica das operações on-line e de e-commerce. Durante a pandemia, 40% dos restaurantes fecharam as portas em São Paulo.


Essa prática anticoncorrencial não faz sentido. É andar de carroça em tempos de avião a jato. As taxas cobradas pelas operadoras de cartões tradicionais (crédito e débito) variam de 1% a 2,5% pelo mesmo tipo de serviço e com o mesmo prazo de repasse (d+28). Outro exemplo é a portabilidade: o cliente pode escolher em qual banco ter uma conta corrente, inclusive para receber seus pagamentos, e sem taxa bancária.

É urgente a portabilidade do vale-refeição. Trata-se de uma providência fácil e rápida para acabar com esse oligopólio das administradoras de benefícios. Ao entregar ao trabalhador o poder de escolher em qual bandeira quer ver depositado o seu crédito de vale-refeição, quebra-se a espinha dorsal que sustenta o rebate.

O Brasil tem diversos bons exemplos de portabilidade, tais como na telefonia, no sistema de crédito e nas contas-salários já mencionados. Além da experiência já existente nos órgãos reguladores federais, a medida enfrentaria muito menos conflito do que uma proibição legislativa do rebate.

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