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A farsa da ditadura

Tratada com brandura pela esquerda, Nicarágua prepara um simulacro eleitoral

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Homem passa por mural retratando o ditador Daniel Ortega em Manágua, capital da Nicarágua - Oswaldo Rivas - 30.mar.20/Reuters

À maneira das tiranias, a Nicarágua prepara-se para promover um simulacro eleitoral no início de novembro, quando deverá ser escolhido o novo presidente do país.

Com efeito, não se imagina outro vencedor do pleito além do ditador Daniel Ortega, que nos últimos meses vem agindo de forma implacável para torná-lo o menos justo e livre possível.

A asfixia intensificou-se na semana passada, quando o Conselho Eleitoral Supremo, controlado pelo regime, extinguiu a personalidade jurídica do partido de direita Aliança Cidadãos pela Liberdade, sepultando a última possibilidade de que a oposição enfrente Ortega nas urnas.

Num procedimento sumário, o órgão decidiu inabilitar a agremiação horas depois que o Partido Liberal Constitucionalista apresentou uma queixa por “violações da lei eleitoral”, as quais tiveram por base o fato de a presidente da sigla ter dupla nacionalidade —nicaraguense e americana.

Antes de desqualificar a força oposicionista, Ortega, no poder desde 2007, foi suprimindo um a um os contendores que pudessem ameaçar sua terceira reeleição.

Com a detenção do advogado Noel Viadurre, colocado em prisão domiciliar no final de julho, já são sete os candidatos retirados na disputa nos últimos dois meses. A lista inclui a jornalista Cristiana

Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997), bem como seu primo, o economista Juan Sebastián Chamorro, além de acadêmicos, empresários e um ex-embaixador.

Na caricata retórica anti-imperialista de Ortega, todos integram uma vasta conspiração patrocinada pelos EUA para tirá-lo do poder e terminaram enquadrados na Lei de Defesa dos Direitos do Povo à Independência, Soberania e Autodeterminação para a Paz —o dispositivo jurídico para perseguir opositores aprovado no final de 2020.

O acosso aos adversários se soma a várias outras violações da ordem democrática, como a repressão a órgãos de imprensa e a criminalização de críticas ao governo feitas nas redes sociais.

Diante do autoritarismo galopante, são deploráveis a ambiguidade e a condescendência com que a esquerda brasileira ainda trata o regime. Num exemplo recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aconselhou Ortega a “não abrir mão” da democracia. Como se na Nicarágua esse rubicão já não houvesse sido cruzado.

editoriais@grupofolha.com.br

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