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Fernando Cássio

Bolsonaro quebra o país e dá calote na educação

Após arrombar o teto de gastos por reeleição, governo deixa estudantes à míngua

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Fernando Cássio

Educador, doutor em ciências (USP) e professor da UFABC; integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Ao ouvir do reitor da minha universidade que não há dinheiro em caixa nem para as contas vencidas do mês passado, uma incrédula aluna de graduação insistiu: "Mas tem como remanejar o recurso de outra área para pagar as bolsas?". A resposta é não. A UFABC, universidade relativamente nova e que sempre teve as suas contas em dia, começa o mês de dezembro devendo quase R$ 8 milhões na praça.

Essa era a razão da reunião de emergência ocorrida nesta terça-feira (6) e das palavras enfáticas empregadas na nota oficial da Reitoria da UFABC, que recebeu "de forma estarrecida" a notícia de que o governo Jair Bolsonaro (PL) praticou "medidas inéditas" que "culminaram na inviabilidade imediata do cumprimento dos pagamentos" na universidade. Isso inclui bolsas de pesquisa e de extensão, auxílios para estudantes pobres, serviços terceirizados (restaurante universitário, limpeza, segurança, zeladoria, transporte entre "campi" etc.), contas de água e luz, insumos diversos. Tudo, enfim.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ministro da Educação, Victor Godoy, em cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Andressa Anholete - 26.abr.22/Reuters

O governo fez duas operações distintas. A primeira foi o corte —em pleno mês de dezembro— do que restava do orçamento de 2022 do MEC, inviabilizando o planejamento das despesas do final do ano em universidades, institutos federais e outras autarquias vinculadas à Educação. A segunda foi a suspensão imediata de todos os pagamentos de despesas já feitas; isto é, o governo decretou o calote em bolsistas, beneficiários de auxílios socioeconômicos e fornecedores de produtos e serviços. Gente com décadas de setor público afirma que coisa parecida só se viu na pré-história da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Diante disso, o clima na sala de reunião da UFABC era mesmo de estarrecimento —o que deve se estender a todas as universidades federais do país. Afinal, não existe jeito fácil de dizer aos estudantes mais vulneráveis que eles não receberão suas bolsas e auxílios já nesta semana. As empresas terceirizadas, por cláusula contratual, são obrigadas a fornecer três meses de serviço em caso de falta de pagamento. Amparado na lei de licitações, o governo federal talvez espere que essas empresas, tão habituadas a vilipendiar direitos trabalhistas de faxineiras e seguranças que recebem salário mínimo, cumpram seus contratos e mantenham as universidades funcionando até fevereiro de 2023.

O governo federal justifica o calote pela necessidade imperiosa de cumprir o teto de gastos e de ser fiscalmente responsável. Neste governo de cínicos, ninguém ruboriza ao invocar a emenda constitucional 95/2016 no último mês do ano tendo arrombado, nos meses anteriores, o teto de gastos e pilhado os cofres públicos para reeleger o semovente que ainda ocupa a Presidência da República.

A reeleição não veio, mas a conta da incompetência administrativa, do ódio à educação pública e da corrupção generalizada deste governo chegou. O teto de gastos, mais uma vez, está sendo usado contra os mais pobres. O "mercado", tão diligente em protestar quando o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), falou em "responsabilidade social", já se manifestou sobre os 200 mil bolsistas de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado da Capes que ficarão sem bolsa? E sobre os 14 mil médicos em residência hospitalar que ficarão sem salário? E sobre os outros milhares de estudantes vulneráveis que ficarão sem comida e teto?

Contra o calote, já há protestos e paralisações agendados por entidades representativas de estudantes. Esses movimentos são importantes, mas pouco efetivos num momento em que o presidente da República é um cadáver político que choraminga e apodrece em praça pública, preocupado apenas em salvar a própria pele em 2023.

Ao contrário de Jair Bolsonaro, que não tem grande capital político a perder, há dois atores políticos que precisam preservar o pouco que lhes resta para o futuro próximo. Eles estão muito vivos e têm voz de comando quando o assunto é calote: são os senhores ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil), que coordenam a Junta de Execução Orçamentária e tomam as decisões que atiraram o MEC neste fundo de poço. Guedes foi convidado por Tarcísio de Freitas para assumir a Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo. Nogueira é senador com mandato pelo estado do Piauí.

Aos milhares de estudantes que ficarão com fome e atrasarão seus aluguéis, recomendo que entrem em contato telefônico e por e-mail com os gabinetes dos ministros da Economia e da Casa Civil para cobrar suas bolsas e auxílios. Outra sugestão: procurem a sede do Ministério Público Federal no seu município ou região e contem as suas histórias para um procurador da República. Expliquem como o calote do governo Bolsonaro prejudica a sua vida e perguntem se passar fome é um sacrifício válido em nome da responsabilidade fiscal de um governo genocida.

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