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Reynaldo Fernandes

Responsabilidade fiscal e políticas sociais

Cortes de gastos podem ser mais fáceis de anunciar do que de realizar

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Reynaldo Fernandes

Professor titular do Departamento de Economia da USP em Ribeirão Preto (SP)

Por responsabilidade fiscal entende-se manter, no longo prazo, os gastos do governo compatíveis com a arrecadação de impostos. Significa que os gastos públicos não devem ser sistematicamente financiados por inflação ou aumento da dívida pública (que, ao final, acaba virando inflação). Portanto, responsabilidade fiscal não determina o tamanho nem a composição dos gastos públicos. O governo pode ter responsabilidade fiscal gastando e arrecadando 20%, 30% ou 40% do PIB e, para um dado montante de gastos, pode ter uma participação maior ou menor dos programas sociais.

O tamanho e a composição do Orçamento público são questões de escolha política. Costumava-se dizer que, na Europa e nos Estados Unidos, o debate entre esquerda e direita poderia em grande medida ser resumido ao tamanho do Estado de bem-estar social almejado. A esquerda defendendo mais gastos sociais e mais impostos, e a direita menos impostos e menos gastos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Pedro Ladeira - 9.dez.22/Folhapress

O teto de gastos, introduzido no governo Michel Temer (MDB), é uma medida de responsabilidade fiscal com viés à direita. Congela os gastos reais da União e, assim, impõe uma redução dos gastos em relação ao PIB na medida que haja algum crescimento econômico. E mais: como algumas despesas tendem a crescer mais que a inflação, as demais rubricas teriam que ser comprimidas. Os próprios defensores da medida reconheciam a necessidade de realizar outras reformas, reduzindo, por exemplo, o crescimento das despesas com Previdência e assistência social.

Com a volta do Partido dos Trabalhadores ao governo, seria de esperar uma nova orientação à política fiscal: a proteção e mesmo a expansão dos gastos sociais. O novo presidente tem garantido que, a exemplo de seus governos anteriores, não haverá irresponsabilidade fiscal. A questão, então, é como financiar esses novos gastos. O equacionamento é fundamental para o sucesso do novo governo —e não se trata de uma questão simples. Cortes de gastos em outras rubricas podem ser mais fáceis de anunciar do que de realizar.

O mesmo vale para a alta da carga tributária. Um aumento de alíquotas ou criação de novos impostos, por exemplo, pode sofrer resistências no Congresso. Por outro lado, nosso sistema tributário é cheio de vinculações e transferências, de modo que parte significativa do aumento da carga tributária por parte da União pode ficar comprometida com novos gastos e transferências. Deixar que o ajuste fiscal seja realizado no bojo de uma necessária reforma tributária é temeroso, pois a reforma pode demorar para ser concretizada.

Orientar a política fiscal de modo a sinalizar uma trajetória sustentável da dívida pública é o principal desafio econômico para o início deste novo governo. Além de rever gastos em áreas não prioritárias e desonerações tributárias, um novo aumento de impostos pode ser inevitável. Mudar as metas de inflação, de modo que ela seja um pouco mais elevada para 2023 e cadente até 2026, também seria uma alternativa. Pode ser preferível a colocar uma meta de inflação incompatível com o fiscal, obrigando o Banco Central a elevar os juros e a dívida pública.

Se as metas devem ser revistas, o início de um novo governo é o momento para isso. Por fim, a responsabilidade fiscal deve ter uma perspectiva de longo prazo. Em uma recessão, a política fiscal restritiva pode agravar o quadro, e uma política fiscal expansionista seria mais recomendável.

No entanto, é preciso cautela com certas ideias econômicas em circulação, que parecem ver o estado recessivo como a situação sempre prevalecente na economia. Nesse caso, uma política fiscal expansionista seria sempre benéfica: elevaria a produção, o emprego e a arrecadação tributária. Em sua versão mais otimista, o aumento de arrecadação seria suficiente para financiar o aumento inicial dos gastos. Tais ideias podem soar atraentes para muitos, mas são a receita para a crise fiscal e o descontrole inflacionário.

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