Tributo sobre consumo e renda pode mudar, mas carga não cai no próximo governo

Presidenciáveis querem reduzir imposto pago pelos pobres, mas propostas encalham no Congresso

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São Paulo

Mudanças na tributação da renda e do consumo que reduzam a carga de impostos sobre os mais pobres e aumentem a cobrança sobre os mais ricos são vistas como prioridade para o próximo governo por presidenciáveis e advogados da área tributária.

Embora estejam de acordo com o diagnóstico, a visão de como reduzir a desigualdade e a complexidade do sistema tributário não tem encontrado consenso no mundo político e empresarial. Diversas propostas nesse sentido chegaram ao Congresso desde 2019, duas delas do próprio governo, mas nenhuma saiu do papel até o momento.

Entre elas, estão três reformas da tributação do consumo (uma delas do atual governo) e o projeto do Ministério da Economia de correção da tabela do Imposto de Renda, tributação de dividendos e redução da alíquota sobre empresas.

Ilustração do Leão do Imposto de Renda para o IR 2022
Leão do Imposto de Renda - Catarina Pignato

Esse último chegou a ser modificado e aprovado pela Câmara, mas está há um ano na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e enfrenta forte oposição de parte do setor empresarial e de profissionais liberais.

Em seu programa de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) diz que continuará a trabalhar pelo projeto. Os candidatos Lula (PT), Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) também falam em mexer no Imposto de Renda para tributar os mais ricos.

Ciro e Tebet citam as propostas que unificam os impostos sobre consumo, como os federais IPI e PIS/Cofins, o estadual ICMS e o municipal ISS, entre as prioridades. Atualmente, elas estão paradas no Congresso por falta de acordo na área política e junto ao setor produtivo.

O ex-presidente Lula também fala em simplificar e reduzir a tributação do consumo de bens e serviços, dentro da sua "reforma tributária solidária, justa e sustentável".

Tatiana Cappa Chiaradia, sócia do escritório Candido Martins Advogados, destaca dois pontos desses projetos, a correção da tabela do IR e a simplificação de tributos sobre bens e serviços, como prioridades para tornar o sistema tributário mais progressivo.

"Se você busca uma tributação um pouco mais justa, precisa organizar a questão do consumo e do Imposto de Renda", afirma.

O Brasil é um país que tributa mais o consumo e menos a renda e a propriedade, na comparação com outros países, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Com isso, penaliza os mais pobres, como mostram diversos estudos na área.

Outro problema é que os tributos sobre o consumo se concentram mais nos bens, que proporcionalmente pesam mais na cesta de compras da baixa renda, e menos nos serviços, mais presentes no orçamento das rendas mais elevadas.

Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT, destaca o consenso entre a maioria dos candidatos em torno de outro ponto, a taxação sobre dividendos, um pleito histórico da esquerda brasileira e que tentou ser implementado pelo atual governo na reforma do IR.


Propostas dos candidatos na área tributária

Jair Bolsonaro (PL)
Retornar tributação de lucros e dividendos
Correção da tabela do IR, com isenção até cinco salários mínimos
Redução e simplificação de impostos como importação, IPI e ICMS
Ampliar desoneração ao trabalhador

Lula (PT)
"Reforma tributária solidária, justa e sustentável"
Simplificar e reduzir a tributação do consumo
Ricos vão pagar mais imposto de renda
Desonerar produtos com maior valor agregado e tecnologia embarcada

Ciro Gomes (PDT)
Redução da tributação sobre produção e consumo e elevação sobre a renda
Junção dos cinco tributos sobre consumo (IVA da PEC 110)
Corte de 20% dos subsídios em 2023
IR sobre lucros e dividendos e taxação de grandes fortunas (acima de R$ 20 milhões)

Simone Tebet (MDB)
Reformar tributos sobre o consumo, com a criação do IVA
Reforma do IR
Meta de redução de desonerações
Zerar impostos relativos à transferência de tecnologia

Fonte: Propostas entregues ao TSE


O tributarista avalia que o melhor caminho para aprovar essa e outras mudanças é trabalhar em uma proposta única que torne o sistema mais progressivo (onerando mais os mais ricos), o que ajudaria a quebrar resistências de políticos e empresários.

Ele avalia que não é possível reduzir a carga tributária, dada a quantidade de demandas que a sociedade brasileira tem, mas que ela pode ser redistribuída.

"Uma reforma geral que mexa no IR, na tributação sobre consumo e sobre patrimônio. Que já se faça de uma vez, aproveitando esse primeiro ano do próximo mandato. Senão, vai ficar para o próximo presidente, como tem acontecido sempre."

Ricardo Maitto, sócio na área tributária do escritório TozziniFreire, também afirma que, além de simplificar e unificar, como fazem as propostas que estão no Congresso, é necessário reduzir a carga sobre o consumo.

Essa queda de arrecadação deve ser compensada por uma tributação maior da renda, não por meio de aumento de alíquotas, mas de mecanismos para combater distorções, como a pejotização e o amplo alcance de regimes especiais como Simples e Lucro Presumido.

Na reforma do Imposto de Renda, ele afirma que todos os presidenciáveis falam em taxar dividendos, mas que isso deve ser feito em conjunto com a redução da carga nas pessoas jurídicas.

"O que não dá, como alguns presidenciáveis estão falando, é só tributar dividendos. Seria um aumento brutal de carga. O problema do IR não é alíquota, é pejotização, muito regime especial, o que faz com que a arrecadação não converse com a produção de renda no Brasil."

Simone Musa, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe, diz que a taxação dos dividendos, acompanhada pelo imposto menor sobre a pessoa jurídica, é uma forma de reduzir a regressividade do sistema tributário e também aumentar a competitividade do país, uma vez que esse é o modelo seguido por vários parceiros econômicos. Tal medida deve vir acompanhada de tratados internacionais para evitar dupla tributação.

"Se o governo quer realmente atingir a chamada progressividade, não há uma forma diferente senão diminuir a tributação da pessoa jurídica e tributar quem está recebendo, e não a própria atividade empresarial", afirma. "Não vejo malefício nessa alteração legislativa. As pessoas brigam muito contra ela, mas é olhar muito os interesses individuais e não o interesse mais global."

Ela vê ainda chances de que outras alterações tributárias importantes para a competitividade do país saiam do papel até o próximo ano, independentemente de quem for o vencedor das eleições, como a legislação de preços de transferência —a forma como os países dividem a receita tributária em operações internacionais realizadas por multinacionais dentro de um mesmo grupo econômico.

"Essa é uma reforma que eu vejo acontecendo independentemente do governo e da entrada do Brasil na OCDE ou não."


Revisão do Sistema Tributário Brasileiro

Problemas e possíveis respostas

Sistema tributário altamente complexo (muitas normas e obrigações acessórias)

  • Unificação de tributos sobre valor agregado (IPI/ICMS/ISS e PIS/COFINS) num único IVA
  • Unificação de obrigações acessórias

Alto nível de litigiosidade, criando ambiente de insegurança

  • Simplificação dos regimes de PIS/COFINS ou extinção dos tributos para a criação de um IVA único

Alta regressividade do sistema, que tributa proporcionalmente mais aqueles que têm menos renda e patrimônio

  • Redução das alíquotas dos tributos sobre o consumo
  • Revisão das metodologias de cobrança do IR a fim de combater o problema da "pejotização" e restringir a aplicação de regimes especiais
  • Revisão das regras sobre tributação do patrimônio (IPTU, ITR, IPVA, além do ITCMD)

Falta de transparência na concessão de benefícios fiscais, antagonismo na relação Fisco/contribuinte e ineficiência na cobrança de dívidas

  • Redução do percentual de multas
  • Criação de mecanismos alternativos de solução de litígios (mediação, arbitragem)
  • Fortalecimentos de tribunais administrativos e uniformização de suas regras

Fonte: Ricardo Maitto/TozziniFreire

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