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Cabo Eleitoral conta como trollagem política é institucionalizada pela direita; ouça

Podcast explica como novas regras podem barrar violência política neste ano de eleições

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São Paulo

A eleição de 2022 será a primeira no Brasil com uma lei de combate à violência política contra as mulheres. A expectativa é a criação do crime de violência eleitoral barre ou puna ações que as impeçam de avançar na disputa por votos.

Mulheres, negros, indígenas e a população LGBTQIA+ têm barreiras extras para entrar e se manter na vida política. São eles os que mais sofrem com ondas de ataques na internet.

Erika Hilton (PSOL-SP), a vereadora mais votada do país em 2020, representa bem esses dados: ela é a primeira mulher trans eleita para a Câmara dos Vereadores de São Paulo e também a única a andar com uma escolta.

Pré-candidata à Câmara dos Deputados neste ano, Hilton diz que os ataques aumentaram na comparação com a disputa de 2020.

"Você acaba tendo brigas com os colegas na vida política, que são parte de organizações sociais e também de grupos na sociedade que às vezes são essas milícias digitais. Isso me expôs a situações e a episódios de violência que na eleição, ou antes mesmo, não tinham acontecido", afirma.

Ouça o episódio:

Os ataques são feitos num contexto de baixa representatividade. As mulheres ocupam só 15% dos cargos da Câmara dos Deputados, o que coloca o Brasil na 140ª posição de um ranking internacional da ONU que mede igualdade nos parlamentos.

No caso da população trans, a representatividade é muito mais baixa: em 2020, foram 294 candidaturas. Dessas, apenas 30 se elegeram –ainda assim, o número é quase quatro vezes maior do que na eleição de 2016.

O quarto episódio do Cabo Eleitoral conta como a violência política tenta silenciar minorias e como a trollagem foi institucionalizada por líderes da direita radical e explica as novas regras do jogo eleitoral.

Além de Erika Hilton, o podcast ouve Rodrigo Nunes, professor de filosofia da PUC-RJ que estuda organização política, Fernanda Martins, diretora no InternetLab e uma das coordenadoras de uma pesquisa sobre violência política em 2020, e Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha e autora de "A Máquina do Ódio".​

O Cabo Eleitoral é uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab. Quem conduz o programa é a jornalista Paula Soprana. O podcast tem edição de som de Luan Alencar e coordenação de Magê Flores.

O Cabo Eleitoral tem episódios publicados às quartas, às 7h.

Podcast Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab
Podcast Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab - Catarina Pignato

Descrição do episódio:

No ódio e na trollagem

"Existe um sistema de segurança pensado por equipes de segurança para eu poder sair, voltar para casa, ter proteção dos meus endereços. Ando com uma escolta o tempo inteiro. Solicitei isso da Câmara Municipal. Então é bastante desgastante."

"Os outros parlamentares também têm isso?"

"Não! As pessoas vivem as vidas delas normalmente e não têm medo de andar na rua que nem a gente tem, pelo simples fato de sermos quem a gente é. Não é que a gente comprou briga com o grupo A ou grupo B, isso não existiu. É o simples fato de ser quem eu sou e estar onde eu estou."

Erika Hilton, do PSOL, foi a vereadora mais votada do país em 2020. Ela também foi a primeira mulher transsexual a ser eleita para esse cargo na Câmara de São Paulo.

Só que a campanha de Erika também teve outra marca. Ela foi a candidata ao Legislativo paulistano mais ofendida na internet –é o que mostrou uma análise do observatório de violência eleitoral Monitora em parceria com a revista AzMina.

Mesmo depois que Erika passou a contar com a proteção do cargo, os ataques contra ela não diminuíram –pelo contrário.

"Você sobe para um outro lugar e aí, dentro do parlamento, você acaba tendo brigas com os colegas na vida política, que são parte de organizações sociais e também de grupos na sociedade, que às vezes são essas milícias digitais. Isso acabou me expondo a várias situações e a vários episódios de ataques e de violência que nas eleições ou antes mesmo da eleição não havia acontecido —inclusive com a presença de uma pessoa na porta do meu gabinete dizendo que era uma das pessoas que estavam sendo processadas por mim e que queria a qualquer custo entrar dentro do gabinete para poder falar comigo."

Erika é alvo de ameaças de morte com frequência. Uma das mensagens mais assustadoras veio de uma mulher, por email: ela chamava a vereadora de satanás do inferno e aberração, além de prometer de degolar Erika e atear fogo à casa dela.

A parlamentar prestou queixa contra aquela mulher. E hoje evita ler esse tipo de ofensa na internet.

"Eu não quero mais ver, eu não quero mais ler esse tipo de coisa. Isso me faz mal. Isso reverbera na minha cabeça. Fico pensando sobre isso ao longo do dia."

Ela diz que, se parar para mapear e processar esses ataques, não vai conseguir trabalhar como representante das mais de 50 mil pessoas que votaram nela em São Paulo. E também tem o aspecto emocional. "

"As pessoas são muito cruéis, elas são muito violentas, elas são baixas, elas dizem coisas que mesmo por mais estruturada, fortalecida e pronta —porque eu estou pronta, não é a primeira vez que estou lendo aquilo na minha vida—, mas ainda assim dói, ainda machuca."

O que Erika faz é acionar a Justiça. No ano passado, a parlamentar montou uma equipe jurídica para rastrear, filtrar e processar os autores de violência online contra ela. E hoje ela processa todo mundo mesmo. De um adolescente que não mede as consequências até quem oferece risco físico de verdade. Qualquer ameaça é levada igualmente a sério.

"Eu levarei todos até a Justiça e eu acho que isso também é uma maneira de nos blindarmos. Isso é uma maneira de nos proteger. Levar à Justiça e cobrar que a Justiça dê respostas e identifique esses agressores é o caminho mais concreto."

Eu sou a Paula Soprana e este é Cabo Eleitoral, um podcast sobre política e internet que é uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.

No episódio de hoje, a gente vai falar sobre violência política nas redes sociais e discutir formas de combater esse problema e punir os agressores na disputa de 2022.

Eu conversei com a Erika para abordar esse tema porque ela contraria estatísticas.

Locutor de TV: "No ano passado, o estado de São Paulo foi o que mais matou pessoas transexuais aqui no Brasil, seguido de estados como Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Esse dossiê traz outros dados: cerca de 90% dos transexuais acabam utilizando a prostituição como a principal renda, e entre os que estão empregados, a maioria segue na informalidade ou em subempregos".

No país que mais mata travestis e mulheres trans, Erika conseguiu se eleger –depois de fugir de casa e ter se prostituído nas ruas. E hoje ela tem projeção num ambiente que costuma repudiar mulheres, negros e minorias.

Não dá para falar de violência política sem considerar os números. Só 77 das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados são ocupadas por mulheres. De 81 vagas no Senado, só 12 são femininas.

Locutor de TV: "Em 2018, 24% dos deputados federais eleitos se declaram negros, um avanço, mas ainda um longo caminho para refletir os 56% da população brasileira".

No caso da população trans, a representatividade é muito mais baixa: em 2020, foram 294 candidaturas. Dessas, apenas 30 se elegeram –ainda assim, esse número é quase quatro vezes maior do que na eleição de 2016.

Num ranking da ONU que mede a representação política das mulheres em parlamentos, o Brasil fica na posição 140.

Sobreviver na vida pública passa por normalizar o desconforto de ser ofendida pessoalmente e nunca avaliada pelo trabalho político. De acordo com a análise do Monitora, as candidatas a prefeita e vereadora da última eleição recebiam cerca de 40 xingamentos por dia, só no Twitter.

Os insultos eram sobre aparência física, intelecto ou aspectos morais da vida delas. Manuela D'Ávila e Joice Hasselmann, que concorreram à prefeitura de Porto Alegre e São Paulo em 2020 e estão em campos políticos opostos, foram as mais atacadas.

Manuela, do PCdoB, era chamada de comunista de merda, do mato, maconheira e amante –isso para ficar só em alguns dos xingamentos.

Manuela D'Ávila em entrevista na TV: "A violência que eu e minha família vivemos... as pessoas têm pouca noção. Quando tu fala em massacre, esse talvez seja o termo mais próximo de definir o que nós vivemos. Eu sou uma mãe que lida com permanentes ameaças de estupro à minha filha, que fez seis anos. Um conjunto de ameaças de morte que não diminuiu, que cresceu, mesmo que eu não tenha mandato desde 2018".

Já Joice, que à época estava no PSL, era chamada de louca, vagabunda, peppa pig e porca. Esses ataques vinham de antes da eleição, e a deputada chegou a falar sobre eles no plenário da Câmara em 2019.

Joyce no Congresso, emocionada: "Mãe, por que estão chamando a senhora de porca na internet? Por que estão chamando a senhora de pig na internet? Não foi a senhora que ajudou tanto esse governo? O meu filho 11 anos recebendo montagens minhas com o meu rosto e um corpo deformado nu, isso eu não vou admitir".

Erika Hilton é a vereadora de São Paulo mais assediada moralmente, segundo o Monitora. Só de nojenta ela foi chamada no mínimo 432 vezes no Twitter.

Erika Hilton: "Cansa, cansa muito. Às vezes eu sinto que o meu eleitor está, em alguma medida, perdendo a energia que eu podia dispensar para outras coisas enquanto estou combatendo isso. Poderia estar usando essa energia para pensar projeto, e às vezes eu preciso ir para a delegacia dar depoimento, preciso ir para a delegacia abrir boletim de ocorrência".

Sem olho no olho e protegidas por uma tela, as gangues virtuais que praticam a violência online costumam gostar de plateia. Fora da internet, esse comportamento que vai da trollagem a ameaças mais sérias já foi institucionalizado por políticos eleitos.

​Os ataques nas redes usam a misoginia para silenciar e amedrontar as mulheres –o que na prática pode afastá-las ainda mais da política.

Afinal, um exército de brutamontes disparando ódio todo dia abala qualquer um. Mas o que será que os autores desses ataques têm na cabeça?

"A figura do troll é uma figura que se caracteriza por um forte elemento de dissociação, na verdade tem uma dissociação emocional em relação aos efeitos das suas ações."

Esse é Rodrigo Nunes, professor de filosofia moderna e contemporânea na UFRJ.

Popularmente, troll é aquele brucutu da internet que tenta azedar o debate online. Alguém que usa desinformação e ofensas para agredir um indivíduo, um grupo ou uma causa específica.

O troll é aquele cara que quer dominar a conversa, provocando constrangimento ao ridicularizar pessoas. Ele costuma usar conteúdos de teor misógino, racista, capacitista e LGBTIfóbico.

"Uma coisa bastante pequena potencialmente transforma todo usuário de rede social naquilo que o filósofo moral inglês Derek Parfittchamou de torturador inofensivo, que é exatamente essa coisa de um experimento mental: bom, se cada pessoa tivesse contribuindo apenas com uma pequena mudança na quantidade de eletricidade que a pessoa torturada recebe, cada uma dessas pessoas sente individualmente: 'bom eu não fiz muita coisa', mas claro, o efeito para o torturado é o efeito de cada aumento na corrente em que ele é eletrocutado."

Para piorar, a arquitetura das redes acaba reforçando alguns aspectos negativos do comportamento humano –como a busca por reforços positivos e o desejo de ser validado por outras pessoas.

"A gente se mantém nas redes em busca de reforço positivo, em busca de feedback. A gente está buscando likes, a gente está buscando retuítes etc. Isso significa que as pessoas tendem a fazer mais daquilo que dá certo, aquilo que atrai likes, aquilo que atrai retuítes. E isso frequentemente é a atacar outras pessoas ou outros grupos, e aí tem uma relação circular uma relação de feedback."

Isso às vezes reforça a tendência de formar um efeito manada, em que muitos se voltam contra um.

"Por um lado você tem dinâmicas muito fortes de criação de grupos, que se definem justamente pelo fato de fazer piada de outros grupos, que vão se constituindo progressivamente exatamente por esse processo de feedback."

O Rodrigo, que estuda organização política e está lançando um livro com ensaios sobre o bolsonarismo, apontou algumas características psicológicas do troll.

Ele não brinca com o outro, mas a partir do outro;

Ele assume posições só por ironia, mas ao longo do tempo essas posições viram a real identidade política dele;

E a mensagem do troll é entendida de forma diferente dependendo de quem lê: os amigos trolls entendem a brincadeira e dão risada, enquanto quem é trollado fica confuso.

Um caso recente gerou um debate sobre esse terceiro ponto. O comentarista da Jovem Pan Adrilles Jorge foi denunciado à Justiça por causa de um gesto que fez com a mão durante um programa de TV.

O Ministério Público considerou que ele estava fazendo uma saudação nazista, mas para Adrilles as pessoas deturparam o gesto dele.

Adrilles Jorge na TV: "Estou sendo cancelado desde ontem por um suposto gesto que foi interpretado de maneira deturpada, absurda, surreal como um gesto de saudação nazista. Um tchau que faço ao final do programa Opinião, em que digo tchau, até sempre".

A gente já viu vários casos envolvendo palavras e gestos ambíguos como esse na política institucional e na internet.

Representantes da extrema-direita pelo mundo usam muitas vezes símbolos ligados a movimentos que pregam a violência contra minorias. Para alguns é apenas uma trollagem, mas o Rodrigo Nunes aponta que isso pode se traduzir em violência no mundo real.

A normalização desse tipo de comunicação inclusive por lideranças políticas tem um efeito também de normalizar cada vez mais o recurso à violência.

"Retórica que pode progressivamente se transformar também. A gente vê isso muito claramente nos Estados Unidos se transformar em violência física. Então não apenas é característico das brincadeiras que eles fazem —essas referências à violência física nas referências à ditadura militar, à tortura—, mas a própria forma de comunicação vai normalizando a ideia de que opositores políticos podem lidar com antagonismos políticos pela violência e normalizar essa ideia dentro do debate público. É muito perigoso."

Aqui no Brasil, alguns especialistas afirmam que essa violência nas redes faz parte de uma estratégia coordenada.

"A violência online retroage, não é uma coisa nova, mas nesse governo ganhou uma amplitude muito maior e se transformou numa arma de comunicação mesmo."

Essa é a jornalista Patrícia Campos Mello, autora do livro "A Máquina do Ódio", que já apareceu no primeiro episódio do Cabo Eleitoral.

"Usam esse tipo de violência online para duas finalidades: para tentar silenciar críticas, ou seja, oposição ou jornalismo independente. É uma forma de intimidação. E, também, para uma usar como cortina de fumaça. Por exemplo, se tem um assunto que o governo não quer abordar, lança esses ataques, que é uma forma de moldar a narrativa desviar. E você sempre está meio que mobilizando uma parte da base do outro que é muito misógina. Com esse comportamento que vem das lideranças, muito sexista, muito misógino, homofóbico, a base se sente liberada para isso."

Quando a violência parte de políticos eleitos, é de se esperar que na base ela seja de certa forma autorizada, legitimada.

Não são só mulheres, transexuais e negros os alvos da violência na internet. Mas os estudos já mostram que, quando os insultos são dirigidos a homens héteros brancos, são ligados à masculinidade ou à idade. Ou seja, dar a entender que determinado candidato é gay, como se isso fosse ofensa, ou chamar um político mais velho de caquético ou inútil.

"Não dá para quem tem um padrão muito claro nos ataques online a mulheres. Se a gente for considerar eles são sempre um volume maior. É aquele aquele padrão de comportamento de manada e tem uma agressividade maior do que contra os homens. Sempre são palavras ou expressões misóginas. Eles nunca vão falar, no caso de uma jornalista: 'a reportagem está uma porcaria'. Eles vão falar: 'Ah, você é gorda, você é velha, você é feia. Você oferece sexo ameaça a família'. Então é sempre uma coisa nessa linha, não tem a ver com o trabalho da mulher. É muito mais agressivo."

A própria Patrícia já foi vítima disso, depois de denunciar em uma série de reportagens um esquema ilegal de disparos de mensagens por WhatsApp para interferir nas eleições de 2018. Entre os autores dos ataques, estava o próprio presidente Jair Bolsonaro.

Jair Bolsonaro no cercadinho: "O depoimento de Hans River final de 2018… Ele conta o assédio da jornalista. Ela queria o furo, ela queria dar o furo a todo preço contra mim".

Além do impacto emocional para vítimas de ataques como esse, isso tem outro efeito prático –por meio da intimidação, ele acaba criando uma censura informal. Isso porque parlamentares e jornalistas mulheres ficam com medo na hora de fazer seu trabalho porque a crítica do outro lado pode vir em forma de ameaça.

Da última eleição presidencial para cá, os partidos políticos e as organizações da sociedade civil entenderam que a violência online é um fenômeno a ser combatido como a desinformação –que passou a ser objeto de debate legislativo.

A lei de violência política foi sancionada em 2021 e está valendo para a eleição deste ano.

"Essa lei cria o crime de violência política, que pode chegar à pena de reclusão de um a quatro anos e multa. O que é colocado de forma mais explícita é que ações que visam assediar, constranger, humilhar, perseguir, ameaçar e aí, por qualquer meio, candidato a cargo eletivo podem ser enquadradas nesse crime de violência política."

Aqui falou Fernanda Martins, antropóloga e diretora no InternetLab.

A lei também proíbe propaganda partidária que deprecie as mulheres ou estimule a discriminação de sexo, raça ou etnia. E obriga os partidos a criar normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher.

"Se esses fatos inverídicos que forem divulgados sobre as parlamentares estiverem associados a esse menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou a cor da candidata da parlamentar, sua raça, etnia, a pena pode ser aumentada em um terço até a metade. Ao mesmo tempo, isso também pode acontecer, de aumentar a pena de um terço até a metade, se esse fato é verídico e for veiculado por meio da imprensa, rádio, televisão internet, rede social ou se for transmitida ao vivo. Então esse é um ponto interessante porque a própria lei não está fazendo essa diferenciação entre violência política offline ou violência política online."

Só que a lei tem uma lacuna.

"Não se traz algo muito específico relacionado ao ambiente digital. E aí entra mais uma vez essa questão de como é difícil que a justiça que o Legislativo brasileiro acompanhe as mudanças e as atualizações que a internet traz o tempo todo."

E a Fernanda vê ainda outras brechas nessa legislação.

"Uma delas é o fato de que ambas as leis falam "em razão de seu sexo". Então a definição de gênero não entra; e a gente pensa, por exemplo, que as mulheres trans e os homens trans também são vítimas de violência política e que a transfobia é uma das violências mais presentes quando a gente fala sobre violência política."

Cada rede social tem meios para denunciar abusos, sejam eles de origem racista ou misógina. E é bom lembrar que alguns xingamentos não só ferem as políticas das plataformas –eles também são crimes previstos em lei.

"Dentro das plataformas nós não conseguimos barrar nenhum discurso de ódio porque ora não fere as diretrizes da plataforma, ora não sei o quê."

Essa é a vereadora Erika Hilton outra vez.

"Nós só conseguimos tirar conteúdos do ar através da Justiça. A justiça sim conseguiu acionar e tirar."

Assim como em relação às fake news, as plataformas digitais sempre correm o risco de impor censura ao eliminar determinadas publicações. Essa interpretação torna o processo lento para quem é vítima.

Além disso, as políticas das empresas são globais, feitas nos Estados Unidos, mas cada país tem um contexto sociocultural próprio.

Nesta eleição, as redes sociais já prometerem caçar conteúdos mentirosos que acusem fraude nas urnas. Mas elas não trouxeram regras novas para a violência política. Além disso, não há um consenso sobre o que é discurso de ódio na visão de cada empresa.

O que os usuários podem fazer de concreto é denunciar. Eles precisam ser ativos para reportar conteúdo abusivo nos canais de denúncias disponibilizados pelas redes sociais.

A sugestão de especialistas é não responder a trolls e amplificar estrategicamente as informações verdadeiras. Também é sempre importante guardar provas do assédio, como capturas de tela mesmo, caso o processo vá para a Justiça.

Mesmo com deficiências, as ferramentas para combater a violência online estão mais fortes hoje do que antes –resta saber como as redes de ódio vão agir na eleição neste ano. A Erika Hilton espera que elas não tenham a mesma força que tiveram no passado.

"Eu sinto que o que pautou 2018 e o que pautou 2020 não vai ser mais o que vai pautar 2022, que é essa rede de ódio de ataques. Significa que não vai estar tão forte? De jeito nenhum. Isso vai estar fortíssimo, a violência política está colocada. Mas me parece que a grande massa que foi conduzida por essa narrativa vai estar muito mais preocupada com a superação do desemprego, da fome, da miséria e da participação popular no debate público."

"Tem alguma coisa que você queira acrescentar sobre violência na internet?"

"Que eu acho uma grande merda!"

Este foi o quarto episódio do Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab.

Na próxima quarta, a gente vai aprofundar a discussão sobre a remoção de conteúdo nas redes sociais.

Eu sou a Paula Soprana, fiz a produção e o roteiro desse podcast. A edição de som é de Luan Alencar e a coordenação é de Magê Flores.

Você ouviu áudios de UOL, CNN e BBC News Brasil.

Até quarta que vem!

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