Justiça Eleitoral vira ringue na disputa por remoção de fake news; ouça podcast

Cabo Eleitoral mostra por que retirar de conteúdo político da internet é enxugar gelo

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São Paulo

A Justiça Eleitoral virou ringue de campanhas que tentam remover conteúdo falso das redes sociais e punir seus adversários políticos. Só que vencer essa disputa não garante que uma mentira, uma calúnia ou uma ofensa suma da memória da internet.

A mamadeira de piroca, por exemplo, considerada pela Justiça uma desinformação eleitoral em 2018, ainda é encontrada no YouTube e circula em grupos de conversa.

No pleito deste ano, a corrida por remoção de conteúdo mentiroso ou calunioso na Justiça ainda está lenta –mas tende a crescer a partir de agosto, quando começa a campanha eleitoral de fato.

Mas um caso já chama a atenção dos especialistas em direito eleitoral. Um vídeo nitidamente falso e direcionado para minar a reputação de um candidato entre evangélicos já foi considerado fake news em um parecer da Justiça –mas, até agora, não é enquadrado como propaganda eleitoral negativa.

O episódio "Um falso pacto com o Diabo" mostra como a Justiça lidou até agora com disputas nas eleições e qual o papel das plataformas digitais na remoção de conteúdo.

Ouça o episódio:

"Estamos tentando enxugar gelo quando tentamos limpar o conteúdo da internet. É um desafio, o trabalho se torna braçal. A gente faz ações às vezes indicando 20 URLs para remoção. A Justiça Eleitoral tem sido afogada por isso", afirma Caetano Lo Pumo, especialista em direito eleitoral que trabalha com campanhas majoritárias no Rio Grande do Sul.

Além dele, o programa ouve Marco Aurélio de Carvalho, fundador do grupo Prerrogativas, Danielle Serafino, sócia do escritório Opice Blum, Mariana Valente, professora na Universidade de St. Gallen, na Suíca, e diretora-associada do InternetLab, e Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa.

O Cabo Eleitoral é uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab. Quem conduz o programa é a jornalista Paula Soprana. O podcast tem edição de som de Luan Alencar e coordenação de Magê Flores.

Podcast Cabo Eleitoral feito pela Folha em parceria com o InternetLab
Podcast Cabo Eleitoral feito pela Folha em parceria com o InternetLab - Catarina Pignato

Descrição do episódio:

Um falso pacto com o Diabo

26 de agosto de 2021. Lula estava em cima de um palco na Senzala do Barro Preto, sede do tradicional bloco afro Ilê Ayê, em Salvador.

De máscara, boné e uma roupa vermelha com símbolos do Ilê, ele falava pra uma plateia de mais ou menos cem pessoas. A maioria do público era ligado ao movimento social negro da bahia e algumas mulheres usavam vestidos do candomblé.

Lula: "No momento certo, vocês vão ser convidados a montar estrutura para ajudar na elaboração do programa, para que a gente possa mostrar ao mundo que nós estamos tratando certo essa questão da reparação dos negros no Brasil".

No evento de pré-campanha, a liberdade religiosa foi uma das pautas principais.

Lula: "Eu, ontem, quando cheguei… as mulheres no palco jogaram pipoca em mim e me entregaram um santo. Como é que chama? Me entregaram um Xangô".

Lula tinha sido recebido com um ritual religioso ligado à proteção espiritual.

Naquele mesmo palco, com a mesma máscara, boné e vestimenta do Ilê, mas num outro link na internet, Lula aparece dizendo isso aqui:

Lula: "Me entregaram Xangô. Relação com demônio. Que eu estou falando com demônio. E o demônio está tomando conta de mim".

Esquisito né? Porque é mentira. Uma mentira feita a partir deste trecho aqui, que Lula tinha falado no mesmo evento.

Lula: E nas redes sociais do bolsonarismo, eles tão dizendo que eu tenho relação com o demônio. Que eu estou falando com o demônio e o demônio está tomando conta de mim.

Como ele está falando de costas para a câmera, pode parecer verídico, pode parecer mesmo que ele tá dizendo que faz pacto com o demônio.

Poucas horas depois desse evento na Bahia, que foi transmitido em canais do YouTube, o vídeo falso começou a circular em grupos de WhatsApp.

O comentarista Rodrigo Constantino compartilhou no Twitter. O senador Flávio Bolsonaro compartilhou. O vereador de Cascavel Romulo Quintino compartilhou.

"Eu acompanhei a fala do presidente Lula nessa oportunidade."

Esse é Marco Aurélio de Carvalho, fundador do Prerrogativas, um grupo de advogados que se formou para fazer oposição à Lava Jato. Ele é militante do Partido dos Trabalhadores e estava na plateia daquele evento em Salvador.

"Essa fala passou a circular na internet e eu tive a oportunidade infelizmente de receber em três ou quatro grupos que eu integro um vídeo que manipulava a fala do ex-presidente Lula, dando a entender que ele estava ali tentando estabelecer um diálogo com o diabo. Foi muito rápido, questão de horas."

Esse é um dos poucos casos neste ano de pedido de remoção de fake news com alegação de propaganda eleitoral antecipada.

Advogados ligados a diferentes candidaturas presidenciais me disseram que, ao menos por enquanto, a corrida pela retirada de conteúdo da internet está bem lenta.

A história do pacto diabólico só foi levada a sério pelos petistas porque envolve algo muito importante na disputa política deste ano, que é o voto evangélico.

Tanto é que Lula, já no começo da fala dele para os representantes de religiões de matriz africana, convoca outro eleitor junto, que não aparece no vídeo falso:

Lula: "Queria falar ao meu companheiro evangélico e queria falar aqui também às nossas queridas representantes de religiões de matriz africana".

Nos grupos de Telegram, o vídeo fake ainda vem com mensagem como: "perguntem pros seus pastores o que eles acham disso"

Marco Aurélio: "Então isso, quando foi identificado, acendeu um alerta vermelho de preocupação. Nós resolvemos tomar providências e a coordenação jurídica do Partido dos Trabalhadores, que está sendo conduzida pelo ex-ministro Eugênio Aragão, e com o apoio desses advogados do campo progressista, tomou providências. É uma montagem relativamente bem feita e com endereço certo de prejudicar o ex-presidente Lula junto a lideranças católicas e lideranças evangélicas.

Segundo o último Datafolha, a disputa nesse nicho está acirrada, bem diferente de 2018. Num eventual segundo turno entre Jair Bolsonaro e Lula, o atual presidente teria 46% das intenções de voto dos evangélicos; o petista, 43%.

No Google e no YouTube, várias notícias desmentem o vídeo do demônio. Mas é só rodar com o dedo no mouse um pouco para baixo, e eis que surge:

Militante pró-Bolsonaro: "Pessoal patriota e cristão, olha esse vídeo aí agora que vai passar. Estamos aqui em Pará de Minas fazendo adesivaço, em apoio ao presidente Bolsonaro. Assista a esse vídeo aí [entra o vídeo falso de Lula)]".

Eu sou a Paula Soprana e este é o podcast Cabo Eleitoral, uma parceria entre a Folha e o centro de pesquisas InternetLab. O episódio de hoje mostra como a Justiça virou o ringue das campanhas contra fake news e como pedir a retirada de conteúdo da internet pode não ser suficiente.

Desde que as redes sociais passaram a ser um dos elementos centrais das campanhas políticas –ao menos das vencedoras– a gente acompanha como está se formando a jurisprudência brasileira sobre o tema.

Em um breve retrospecto eleitoral, dá para lembrar de alguns episódios envolvendo figuras importantes do atual cenário político.

Um pouco antes de entrar na corrida presidencial de 2014, o tucano Aécio Neves quis limpar a reputação dele nos buscadores. E aí, ele moveu ações contra Google, Bing e Yahoo para retirar conteúdos desfavoráveis associados ao nome dele.

Mais de 20 mil links relacionavam o governo do tucano em Minas a desvio de recursos. Só que não era isso que a promotoria mineira estava investigando. A suspeita do Ministério Público era de uso de verba que deveria ir ao saneamento na área da saúde.

A equipe de Aécio alegava que ele estava sofrendo uma perseguição difamatória por quadrilhas virtuais.

A Justiça entendeu que fosse o conteúdo falso ou não, quem deveria responder por ele era o autor, não a plataforma. Julgou que o Google era tipo uma biblioteca digital, que só disponibiliza o livro dos outros.

Aécio também queria tirar da internet boataria sobre a vida privada dele…

Jornalista na TV Cultura: "Existe um zumzumzum pela internet de que o senhor foi usuário de cocaína. Queria que você respondesse com clareza no programa se o senhor foi usuário de cocaína ou não foi".

Aécio Neves: "Fernando, jamais. Talvez seja justamente isso que busca esse submundo da internet. Claro que não, Fernando".

Nesse áudio, Aécio estava respondendo a Fernando de Barros e Silva no programa Roda Viva. Como diz o próprio jornalista, essa associação da figura do político ao uso de drogas estava espalhada na internet, em vários sites.

Também teve o caso Geraldo Alckmin versus Twitter. Quando o ex-tucano era governador de São Paulo, em 2016, ele pediu na Justiça dados de seis usuários da rede social que tinham chamado ele de coisas como nazifascista e ladrão de merenda –isso porque a polícia estava investigando na época uma suposta fraude em licitações de merendas.

A equipe de Alckmin apontou que um único perfil fez mais de mil postagens em três dias; 400 desses tuítes tinham menções negativas ao político.

Alckmin venceu na Justiça e o Twitter precisou dar nome, telefone e o IP dos usuários para que o político pudesse processar todos eles.

Dois anos depois, foi a vez do então presidenciável Fernando Haddad, do PT, lutar contra a já célebre fake news da mamadeira de piroca.

O TSE determinou que o Facebook deletasse o vídeo em que uma pessoa diz que uma mamadeira com bico em formato de pênis seria distribuída pelo PT nas escolas. A empresa acatou a decisão. Mas, como a gente mostrou no primeiro episódio –uma vez na internet, para sempre na internet:

Vídeo: "Essa aqui é a mamadeira distribuída na creche para o seu filho com a desculpa de combater homofobia. O PT e o Hadd pregam isso para o seu filho, seu filho de cinco, seis anos".

Na mesma eleição teve o boato do kit gay, que ainda deve estar fresco na sua memória. A Justiça considerou a história desinformação eleitoral e determinou a retirada de vários links que citassem o kit gay… mas quem procura, acha.

Bolsonaro em vídeo: "Eu venho falando desde 2010, quando eu descobri o famigerado kit gay nas escolas. E sempre falei: não é apenas o kit gay, é a questão ideológica, tão ou mais grave que a corrupção no nosso país".

A cada eleição, as campanhas esbarram em novos desafios: como enquadrar um conteúdo como desinformação eleitoral? Como derrubar fake news rapidamente com aval da Justiça? Como contra-atacar mentiras a tempo?

"A lei eleitoral tem uma previsão de direito de resposta que garante proteção contra ofensivos e conteúdos que sejam sabidamente inverídicos. Há aqui um espaço de proteção contra desinformação e as fake news."

Esse é Caetano Lo Pumo, especialista em direito eleitoral que trabalha com campanhas no Rio Grande do Sul.

"É claro que durante uma campanha existe uma certa primazia da liberdade de expressão. É o momento do debate, é o momento de opinar. Isso não quer dizer que os candidatos têm carta branca. Todos vão estar sujeitos a sofrer consequências."

Na eleição presidencial passada, 1.496 processos em tribunais eleitorais tinham alegação de fake news ou conteúdo sabidamente inverídico, segundo um mapeamento da Fundação Getulio Vargas.

Quem mais moveu ação acusando adversários de mentirem na eleição foi Jair Bolsonaro, com 42 ações, seguido por João Doria, com 26. Fernando Haddad foi o principal alvo de processos, com 15 ações, seguido de Bolsonaro, com 14 ações.

Os pedidos acatados serviram para mostrar pro cidadão, para o eleitor, para imprensa, que aquele conteúdo era falso, que a Justiça também julgou ele falso

"Estamos tentando enxugar gelo quando tentamos limpar o conteúdo da internet. É um desafio, o trabalho se torna braçal. A gente faz ações às vezes indicando 20 URLs para remoção. A Justiça Eleitoral tem sido afogada por isso."

As campanhas estão dedicando times jurídicos para olhar só para esse tipo de questão. A expectativa é que com a aproximação da campanha na internet, liberada a partir de 16 de agosto, a judicialização cresça.

"É muito importante que o marketing jurídico e a coordenação de campanha avaliem juntos as posições, os indicativos do STF e o TSE, sobre o limite de liberdade de expressão, para ver como ingressar com ações necessárias."

Depois de conversar com alguns advogados eleitorais, a sensação é que as tentativas das campanhas de combater fake news ainda refletem um pouco a imagem do cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ou elas reagem tarde, ou não identificam a origem da história ou não sabem como contra-atacar.

Nos últimos anos, escritórios de advocacia que atendem campanhas majoritárias passaram a contar com inteligência artificial para monitorar o que se fala dos candidatos em sites e nas redes sociais. É uma forma de tentar responder rápido.

"A gente tem no escritório uma ferramenta de software que faz uma varredura, é uma atividade de monitoramento de web em que a gente precisa entender bem o caso, com quem a gente está lidando, quais são as situações…"

Essa é Danielle Serafino, sócia do Opice Blum. Na última eleição, vários advogados do escritório ficaram responsáveis por atuar nessa frente na campanha de João Doria ao governo de São Paulo. A ofensiva dele contra calúnia na internet chamou a atenção de adversários na época.

"Então, por exemplo, se a gente pensar num caso político: o nome do candidato ou partido, talvez a palavra-chave da campanha, enfim, a gente precisa alimentar a ferramenta com essas palavras-chaves que vão fazer a busca de informações. Deixamos essa ferramenta rodando um tempo, até porque ela é uma inteligência artificial, para que consiga capturar; e vamos olhando essa busca, tirando os falsos positivos, porque às vezes ela captura informações que não guardam relação com o caso ou são homônimos. Fazemos esses filtros até que ela consiga estar no caminho de ter entendido a busca das palavras corretas. E ela vai gerando esses resultados."

Esse tipo de ferramenta, que começou a ser usada na campanha de Barack Obama, nos Estados Unidos, em 2008, ainda não separa bem o que é lícito do que não é.
Aí, essa parte fica com os advogados.

São eles que filtram os conteúdos e, caso seja mentira ou ofensa, fazem as denúncias nas redes sociais.

"A remoção desse conteúdo pode ser acatada pelas plataformas como pode não ser acatada pelas plataformas ou até mesmo por qualquer outro veículo. Se caso não seja acatado e não haja essa remoção, ainda existe a via judicial."

Embora haja uma grande discussão sobre moderação nas redes sociais, a lei brasileira é clara sobre a responsabilidade das plataformas quando um conteúdo ofende alguém.

"Quando o Marco Civil da Internet foi aprovado lá em 2014, a gente acabou ficando no Brasil com uma regra de acordo com a qual as plataformas só se tornam responsáveis se elas não removem o conteúdo depois de uma ordem judicial."

Essa é Mariana Valente, professora na Universidade de St. Gallen, na Suíca, e diretora-associada do InternetLab.

"Porque se entendeu naquele momento que se as plataformas tivessem um incentivo para remover conteúdo potencialmente ilícito elas removeriam mais do que precisam remover. Começariam a remover, por exemplo, conteúdo controverso. Tem uma discussão gigantesca sobre isso. Mas essa é a regra que a gente tem hoje, e essa também é a regra que a gente tem no direito eleitoral hoje. Isso não quer dizer que as plataformas não possam tirar conteúdo. O Marco Civil da Internet falou do momento em que elas se tornam responsáveis juridicamente pelo dano mas não proibiu ou diretamente autorizou as plataformas a fazerem a própria moderação desse conteúdo."

Se compararmos o cenário de desinformação de 2018 com o de 2022, a gente vê algumas incertezas, mas também sinais positivos.

"Eu sou superotimista, sim. Eu acho que a gente melhorou absurdamente de 2018 para cá."

Aqui falou Cristina Tardáguila, fundadora da Agência Lupa, de checagem de fatos. Ela estuda desinformação desde 2013.

"E aí acho que a criação do comitê de desinformação do TSE é um passo enorme. É claro que é garantia de que isso vá vencer a desinformação, mas ter um grupo de pessoas que diariamente pensam e trabalham esse assunto é um enorme passo. Com relação às redes sociais, vimos grandes evoluções. Eu me lembro em 2018, entre o primeiro e o segundo turno, houve uma reunião com os checadores de fatos em Brasília a pedido da ministra Rosa Weber, que era então chefe do TSE, e que o WhatsApp entrou na conversa pelo telão. Eu perguntei ao WhatsApp quantas pessoas estavam cuidando da eleição brasileira, e a resposta foi sete. 'Onde é que elas estão?' Não tinha ninguém no Brasil. Eu perguntei: 'Mas como é que a gente faz aqui, os checadores, para falar com vocês de forma ágil?' E aí a resposta foi: 'escreve para imprensa@whatsapp.com', e todo mundo gargalhou."

Mesmo que as plataformas estejam antenadas, até porque sofreram muita pressão pública, ainda recai sobre a Justiça Eleitoral o papel de arbitrar a "disputa política raiz", aquelas acusações entre adversários.

No processo eleitoral, as redes sociais se comprometem apenas a silenciar a ideia de que a eleição é uma fraude.

"Acho que é importante esclarecer isto: a política de integridade cívica visa proteger mesmo o processo eleitoral ao longo das eleições."

Essa é Danielle Kleiner, gerente de políticas públicas no Twitter Brasil.

"Acontece de ter uma acusação entre os candidatos? Essa política não vai cobrir esse tipo de conteúdo na plataforma. De uma maneira geral, o conteúdo dessa desinformação é sempre um desafio grande, até porque a própria sociedade não tem um consenso do que é um conteúdo desinformativo. Ele nem sempre é algo muito óbvio e não é assim: o elefante voa e o elefante não voa. O conteúdo pode ter várias nuances combinadas com verdade, ele pode ser um pouco sensacionalista, ele pode trazer elementos verdadeiros no meio, ele pode não ser confirmado no momento mas ser confirmado a posteriori."

Para eleição deste ano, o Twitter anunciou que vai etiquetar todos os candidatos à Presidência e aos governos estaduais, indicando que aquelas contas são políticas.

Nos Estados Unidos, a plataforma, e também de Facebook e o Instagram, excluíram o ex-presidente Donald Trump por ele ter incitado à violência. Isso foi depois da invasão do Capitólio no começo do ano passado.

Aqui no Brasil, alguns analistas políticos já expressaram receio de uma insurreição parecida caso Bolsonaro não seja reeleito. Aí vem a pergunta: pode bloquear o perfil de presidente?

O Marco Civil da Internet não fala especificamente sobre os limites de atuação das empresas em relação a isso. Aqui, a Mariana Valente de novo.

"A gente está falando do poder de algumas plataformas de dizerem: essa pessoa não vai estar mais nesse espaço, nesse espaço de impacto, nesse espaço de chegar nas pessoas. Por um lado, é evidente que as regras não podem ficar sendo quebradas, inclusive por líderes mundiais. Por outro, existe uma preocupação que se plataformas podem começar a remover perfis de políticos, pessoas eleitas, pessoas candidatas, a gente pode estar falando de um ato muito definidor dessa campanha. Sabemos que em 2018 ganhou um candidato com quase nenhum tempo de TV."

Para ela, é papel da Justiça Eleitoral avaliar se um candidato cruzou os limites da democracia e fazer o cálculo do estrago que ele pode causar.

Por enquanto, é difícil medir a temperatura no caldeirão de fake news e entender se 2022 está mais quente do que a última eleição. Pelo menos na Justiça, ainda não.

Segundo a Tardáguila, da agência Lupa, alguns comportamentos continuam os mesmos, e quem dominou bem a máquina digital, segue dominando:

"A princípio, a gente tem o grupo Bolsonaro usando a tática que usou na campanha de 18, de difusão massiva de criar uma confusão para poder trocar a manchete. Isso tem sido uma coisa muito comum. A gente viu recentemente o exemplo do dia em que o Daniel Silveira foi condenado pelo STF e vai lá o Eduardo Bolsonaro e o Daniel subir para a porta do STF para serem barrados. Não chega a ser notícia falsa, mas chega a ser disputa de espaço no noticiário. O que tem sido muito inteligente por parte do grupo, digamos, Bolsonaro. Da parte do grupo Lula, há uma forte percepção de que há uma dissonância entre a pessoa física Lula nas redes sociais e o que é ele e o que é o partido.

Nos outros episódios do podcast, a gente já falou da assimetria entre o PT e o bolsonarismo na internet.

Enquanto a comunicação de um é historicamente ligada à estruturas e à hierarquia, a do outro se constrói justamente na arquitetura das redes sociais, dominando táticas de amplificação e viralização.

Para todos os polos políticos, as regras vão ser as mesmas, e a interpretação não é tão óbvia quanto possa parecer…

Para ilustrar isso, pense no vídeo do Lula. Embora seja falso e a gente saiba que mira uma finalidade política clara, ele não foi julgado como propaganda eleitoral antecipada negativa.

O PT defende que é. Até porque o conteúdo foi disseminado por Flávio Bolsonaro, que é um importante cabo eleitoral do pai na internet e da coordenação de campanha dele.

Mas ouve só trechos do parecer da procuradoria geral eleitoral, que discordou do PT.

Eles foram traduzidos do juridiquês:

A fala original do vídeo da Bahia foi em agosto de 2021 e as postagens foram feitas em janeiro de 2022, portanto "muito longe do pleito eleitoral".

Flávio não pode ser julgado por fake news eleitoral porque, na visão da procuradoria, ele compartilhou o conteúdo fora do contexto eleitoral.

Romulo Quintino pediu que o vídeo fosse mostrado para eleitores de Lula, mas como foi longe da eleição e sem pedido explícito de voto, não se trata de propaganda antecipada.

No caso do Flávio, não há pedido expresso de não voto e nem referência a eleições

O caso ainda vai ser julgado.

Vencer esse tipo de disputa na Justiça e conseguir a remoção de conteúdo na internet pode amenizar a circulação da mentira?

Esse é o principal objetivo de um partido quando ele processa o adversário.

Mas vencer no tribunal também vira os holofotes para aquele assunto, seja ele favorável ou não para o candidato, e é um risco que tem que ser levado em conta pelas campanhas.

O Flávio Bolsonaro e outros políticos deletaram o vídeo falso de Lula das redes sociais.

Mas segundo a agência Aos Fatos, a fake news foi compartilhada, no mínimo, 80 mil vezes no facebook, em apenas um dia.

Este foi o quinto episódio do Cabo Eleitoral, um podcast que é uma parceria entre a Folha e o InternetLab.

A edição de som é de Luan Alencar e a coordenação é de Magê Flores.

Você ouviu áudios de TV Cultura e TV Justiça.

Na próxima quarta, no nosso último episódio, a gente vai falar do uso de dados pessoais pelas campanhas. Até mais!

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