Acusado em operação cita ministra Grace Mendonça, da AGU, em depoimento

Ex-diretor da ANA, Paulo Vieira diz que ex-senador investigado mencionou pedido a ela

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Brasília

O ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas) Paulo Vieira, acusado de chefiar um grupo que vendia pareceres em órgãos federais, citou a ministra-chefe da AGU (Advocacia-Geral da União), Grace Mendonça, e um de seus antecessores, Luís Inácio Adams, em processo aberto pelo órgão sobre a operação Porto Seguro, realizada pela Polícia Federal em 2012.

A ministra da Advocacia-Geral da União, Grace Mendonça
A ministra da Advocacia-Geral da União, Grace Mendonça - Bruno Santos - 3.mar.2018/Folhapress

Em depoimento a uma comissão sigilosa da AGU, no último dia 22 de fevereiro, ele disse que um dos alvos da operação, o ex-senador Gilberto Miranda (MDB-AM), conseguiu despachos no órgão após tratar com a atual ministra e Adams. A Folha teve acesso ao vídeo da oitiva.

Vieira afirma ter participado de reunião na casa do então senador José Sarney, em 2011, na qual Miranda relatou que estava dialogando com os dois advogados públicos para que a União ingressasse em um processo, o que o ajudaria a reverter decisões a ele desfavoráveis. 

O ex-senador havia sido condenado pela Justiça de São Paulo por fazer obras irregulares na Ilha de Cabras, em Ilhabela (SP), na qual mantém uma casa. 

A AGU poderia solicitar que o caso fosse deslocado para a Justiça Federal. Com isso, as decisões seriam anuladas e o processo voltaria à estaca zero. 

O ex-congressista havia recorrido ao Supremo. Segundo o depoente, Miranda contou que pediu apoio político de Sarney para reforçar seu pleito na AGU e que vinha “dialogando” com Grace e Adams.

“Vi o Gilberto Miranda relatar o assunto, as dificuldades que ele estava tendo por força de um imóvel que ele tem, pedindo ao ex-presidente que reforçasse pedidos que estavam sendo feitos, de natureza política, junto ao advogado-geral da União na época, o senhor Luís Inácio Adams, e a senhora Grace Mendonça”, declarou Vieira. “Realmente, você vai achar despachos da doutora Grace, nessa época, no Supremo, logo após esse pedido político.”

Em junho de 2009, Grace era chefe da Secretaria-Geral de Contencioso, braço da AGU que assessora o advogado-geral no STF.  

Na ocasião, ela assinou uma petição pedindo o ingresso da União no processo e o deslocamento da causa para a instância federal, para que uma decisão sobre a competência fosse tomada. O pedido se baseou no fato de que a ilha era propriedade federal. 

Em agosto 2011, mesmo ano em que Miranda teria requerido “reforço” de sua demanda a Sarney, Adams renovou o pedido de entrada nos autos. O despacho tramitou pela secretaria chefiada por Grace.

“Ouvi do Sarney que ele faria essa intervenção política junto a essas autoridades”, disse Vieira, atualmente vereador pelo PR em Cruzeiro (SP).

Grace e Adams negam ter tratado do assunto com os investigados e justificam que as medidas foram técnicas.

Vieira depôs em processo interno que apura a acusação contra três servidores. Os quatro são réus da ação penal da Porto Seguro. A denúncia foi apresentada em 2012. Grace e Adams não foram investigados na operação.

Após o escândalo sobre o caso, a AGU abriu uma sindicância. O relatório final pediu o processo contra os servidores.

Além disso, requereu que as condutas de Grace, Adams e do atual corregedor-geral do órgão, Altair Lima, fossem investigadas. Mas a Corregedoria da AGU discordou e recomendou o arquivamento, o que ocorreu. 

Iniciado em 20 de fevereiro de 2013, o processo disciplinar em que Vieira depôs não foi concluído. Em julho, segundo o próprio órgão, o caso prescreveu e não haverá mais chances de aplicar punições aos envolvidos. 

Na gestão de Grace, a AGU tentou na Justiça, por quase dez meses, impedir os depoimentos de Vieira e de mais duas testemunhas do processo. O órgão ajuizou, sem sucesso, ao menos cinco recursos para barrá-los. Mesmo após Vieira falar, o órgão apresentou novo pedido para que o processo corra “sem a oitiva das testemunhas”.

OUTRO LADO

O ex-ministro Luís Inácio Adams nega ter recebido solicitação citada por Miranda. “Ele [Sarney] nunca me procurou, eu nunca falei com Paulo Vieira. Acho que, pelo que Vieira fala, o Gilberto Miranda tentou com o Sarney fazer um lobby. É uma coisa até comum na Esplanada, essas interferências. Nesse caso, não fez comigo.”

Sarney informou se lembrar vagamente de ter recebido Vieira com Miranda, pedindo apoio à aprovação de seu nome para diretor da ANA pelo Senado. 

Vieira não se pronunciou. O advogado de Gilberto Miranda, Cláudio Pimentel, disse que seu cliente está em viagem ao exterior e não poderia ser contatado.

Em nota, a AGU afirmou que o objetivo dos recursos na Justiça para impedir os depoimentos é dar celeridade ao processo disciplinar, “diante dos sucessivos obstáculos criados pelos acusados”, cujo propósito seria o de tumultuar as apurações.

Pareceres

Em entrevista à Folha, a advogada-geral da União, Grace Mendonça, disse ter atuado com base em pareceres prévios no caso da Ilha de Cabras e que jamais foi abordada por nenhum interessado no caso. 

Folha - Houve algum tipo de interferência para que a AGU tomasse essas decisões?
Grace Mendonça - Nenhum, em absoluto. Desconheço o depoimento. Aliás, nem o conheço [Vieira]. Todo depoimento no âmbito do processo disciplinar é sigiloso. Não recebi, jamais, contato. [...] Minha atuação é legítima, íntegra. Essa afirmação é irresponsável. Inclusive, no dia em que eu tiver ciência formal, vou tomar providências. 

O que aconteceu?
Veio para a Procuradoria-Geral da União [PGU], em maio de 2009, um pedido da Secretaria de Patrimônio da União [SPU] dizendo que o imóvel é propriedade da União e há interesse na demanda. A PGU disse: o processo não está mais conosco, porque já subiu em recurso ao Supremo. Então, encaminhou à [Secretaria-Geral de] Contencioso com o seguinte despacho: entregar aos cuidados da dra. Grace. Daí, já fica caracterizada a mentira.

Por quê?
Esse foi o despacho [da PGU]: “entregar aos cuidados da dra. Grace” quanto “à necessidade de intervenção urgente da União”. E, com isso, “requerer a incompetência dos atos decisórios da Justiça estadual”. Sempre fazemos a análise sobre o interesse da União. Tudo regular. Para isso recebi algum telefonema, contato? Nenhum. 

O Sarney...
Nunca tive contato pessoal. Vim a ter depois de ter assumido o cargo de AGU.

Então, se houve esse lobby, não lhe chegou?
Nós, da área técnica, não recebemos ligação de políticos. Agora, em 2009 houve a petição. É verdade. Em 2011, a reiteração. Não assinei. 

Ele [Paulo Vieira] fala em reforçar o pleito. Sugere que já havia tido [pedido antes].
Não sei, porque não vi o depoimento. Com o pedido de reiteração que foi para a secretaria, foi elaborada a petição. Ingerência? Não. Trabalho ordinário. Se eu não tivesse apresentado a petição em 2009, poderia ser responsabilizada. Vem o pedido de um órgão público, a SPU, falando que há interesse. Você é obrigado a pedir o ingresso.

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