Isenção de Moro ficou em xeque, disse Favreto à Folha no ano passado

Juiz ainda disse que casos de habeas corpus deviam ser julgados sem considerar 'anseio social'

José Marques Flávio Ferreira
São Paulo

O magistrado do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que entrou em conflito com outros membros da corte ao conceder habeas corpus ao ex-presidente Lula neste domingo (8), Rogério Favreto, considera a isenção do juiz Sergio Moro "em xeque" para julgar o petista.

A avaliação foi feita em entrevista à Folha em outubro do ano passado, quando Favreto também defendeu que um juiz deveria evitar que "anseio social" influenciasse em julgamentos de habeas corpus nos processos de grande repercussão, como é o de Lula.

Ele foi o único juiz da corte a votar a favor de abertura de processo disciplinar contra Moro, em setembro de 2016, por ter divulgado o conteúdo de gravações telefônicas entre os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff.

O juiz federal Rogério Favreto, do TRF-4 - Sylvio Sirangelo - 24.out.2017/TRF4

Na entrevista, disse que se manifestou assim porque via que "um juiz que estava decidindo um caso que tinha envolvimento político muito forte" estava "participando de atividades com representantes de partido que são opositores daquele governo". 

"Isso para mim tira bastante da sua isenção. Pelo menos coloca em xeque", afirmou o juiz do TRF. "Deveria se abrir um processo para que houvesse a sua explicação e houvesse a apreciação. O que eu não concordei foi um puro e simples arquivamento [da ação]."

À época da entrevista, Moro foi procurado e disse que não se manifestaria sobre os comentários de Favreto.

O voto pela abertura do processo disciplinar questionava a participação de Moro em evento do Lide, empresa ligada ao então candidato a prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

Filiado ao PT por quase 20 anos, Favreto afirmou que sua militância era "de simpatia" ao partido e afirmou que ocupou apenas quadros da área jurídica em gestões petistas —acrescentou que queria frisar isso porque "nesses tempos agora é muito fácil aumentar a confusão que está na sociedade".

Advogado até 2010, ocupou postos na gestão Lula e também em administrações petistas em Porto Alegre. Em 2011, foi nomeado por Dilma para o TRF-4, escolhido em lista tríplice.

Hoje, ele é um dos relatores de processos cíveis da Lava Jato na corte de Porto Alegre, responsável por rever as decisões da primeira instância de Curitiba. O tribunal ainda não analisou o mérito de nenhum deles, que tramitam de forma mais lenta que os criminais.

No domingo, enquanto estava de plantão, mandou libertar o ex-presidente Lula. Moro e João Pedro Gebran Neto, relator da Lava Jato no TRF-4, se movimentaram para impedir a soltura.

O habeas corpus concedido pelo juiz plantonista acabou sendo revogado pelo presidente do TRF-4, Thompson Flores, que manteve Lula na prisão —decisão chancelada nesta terça (10) pela presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), a ministra Laurita Vaz.

Apesar das relações com o PT, ele não se declarou impedido para julgar o caso. Em outubro, disse: "Se um dia tiver [de julgar] um caso de alguma situação que eu tenha atuado ou que eu tenha alguma intimidade ou questão pessoal, serei o primeiro a me dar por suspeito".

Mas ao ser questionado se faria isso ao analisar um processo relacionado ao partido, não respondeu. "Na medida em que houver algum processo eu vou examinar concretamente [se deve se considerar impedido], com toda a tranquilidade", disse.

Ele afirmou ser contrário à execução de pena após a decisão da segunda instância —disse que tem que ser analisado caso a caso— e defendeu que um magistrado não pode ter medo de "pressões que vêm de fora" em suas decisões.

"Quando há uma prisão de uma pessoa que tenha uma visibilidade por importância social, econômica ou política —ou que as pessoas conhecem, como as que atuam na mídia, esporte, literatura ou área artística... Quando isso vai chegar para um juiz avaliar um relaxamento de prisão ou um habeas corpus, o juiz tem que saber que embora o anseio social seja de que a pessoa fique presa para o resto da vida, ele vai ter que avaliar concretamente."

Lula foi condenado por Moro por corrupção e lavagem de dinheiro a nove anos de prisão em julho de 2017. A pena foi aumentada para 12 anos e um mês pela oitava turma do TRF-4 em janeiro deste ano. Ele recorre e nega que tenha cometido irregularidades.

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