Juiz absolve Lula e mais seis em caso de obstrução de Justiça

Decisão beneficiou também Delcídio do Amaral, André Esteves e José Carlos Bumlai

Fábio Fabrini
Brasília

Numa sentença em que aponta falta de provas e delações sem credibilidade, o juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, absolveu nesta quinta (12) o ex-presidente Lula e mais seis réus da acusação de atuar para obstruir investigações da Lava Jato. É a primeira vez em que o petista é isentado numa ação penal relacionada à operação.

Lula, o ex-senador Delcídio Amaral (MS), o banqueiro André Esteves, o pecuarista José Carlos Bumlai e seu filho, Maurício Bumlai, eram acusados de participar de trama para comprar o silêncio do ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró e, com isso, evitar que ele fizesse acordo de delação que os implicasse. Também foram absolvidos Edson Ribeiro, advogado de Cerveró, e o ex-chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira.

A investigação se baseou em gravação de 2015 de Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da Petrobras, de conversa em que Delcídio prometia fuga e R$ 50 mil mensais a Nestor, que estava preso. 

O áudio foi entregue à PGR e resultou na prisão do então congressista, que firmou acordo mais adiante e entregou outros supostos participantes do plano. Delcídio declarou que Lula seria o mandante da operação para calar Cerveró. 

Bumlai, que é compadre do ex-presidente, e seu filho foram acusados por ele de fazer alguns dos pagamentos. O então senador contou ter procurado Esteves para também financiar o plano depois que os desembolsos do pecuarista cessaram. Ele próprio admitiu em depoimento, no entanto, que os repasses não chegaram a ocorrer. 

O Ministério Público juntou à denúncia registros de agendas e ligações telefônicas entre os envolvidos, demonstrando eles se falaram nas datas em que o esquema teria sido tramado e executado. Delcídio apresentou ainda comprovações de encontros com o ex-presidente no Instituto Lula, nos quais teriam tratado do caso Cerveró, mas nenhuma testemunha confirmou o teor das conversas. 

Na sentença, o juiz afirmou que há “deficiência probatória para sustentar qualquer juízo penal reprovável”. Disse ainda que a “colaboração premiada, bem como o testemunho de outros réus, não possuem credibilidade suficiente para qualquer juízo condenatório”. A ação penal foi ajuizada em dezembro de 2015 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. 
 

Em setembro de 2017, o procurador Ivan Cláudio Marx pediu a absolvição de Lula e de Esteves. Ele entendeu que as audiências do caso mostraram que Delcídio mentiu e que o interessado em calar o ex-diretor da Petrobras era ele próprio, não o ex-presidente. O procurador requereu a perda dos benefícios dados a Delcídio em sua delação, o que está sendo analisado pela PGR. 

Leite concluiu que a instrução do processo não confirmou as acusações. Além disso, sustentou que a gravação é prova inidônea, pois trata-se de um flagrante preparado.

O magistrado acrescentou que a instrução “não possibilitou a reconstrução da realidade fática”. “Há inúmeras possibilidades e circunstâncias do que realmente ocorreu, incluindo a probabilidade real de que os pagamentos foram solicitados por Bernardo e Cerveró de forma premeditada. Há, então, clara a intenção de preparar o flagrante para depois oferecer provas ao Ministério Público.” 

A DEFESA 

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, afirmou que a defesa “sempre demonstrou que a acusação se baseou em versão criada” por Delcídio para obter benefícios em acordo firmado com o Ministério Público Federal.

Em nota, ele criticou o juiz Sergio Moro, de Curitiba, por dar suposto “valor absoluto” ao “depoimento informal” de um corréu [o empreiteiro Leo Pinheiro, da OAS] para condenar o ex-presidente no caso do tríplex.

“Durante o processo, Cerveró, assim como as demais testemunhas ouvidas —de acusação e defesa—, jamais confirmaram qualquer participação de Lula em atos objetivando interferir na delação premiada do ex-diretor da petrolífera”, diz o defensor.

Zanin lembrou que a inexistência de prova de culpa foi reconhecida pelo MPF, que também pediu a absolvição de Lula em suas alegações finais.

“A sentença absolutória proferida em favor de Lula nesta data evidencia ainda mais o caráter ilegítimo das decisões que o condenaram no caso do tríplex. Enquanto o juiz de Brasília, de forma imparcial, negou valor probatório à delação premiada de Delcídio por ausência de elementos de corroboração, o juiz de Curitiba deu valor absoluto ao depoimento de um corréu e delator informal para condenar Lula”, comparou.

Zanin acrescentou esperar que “a Justiça também prevaleça no caso do tríplex, para restabelecer a liberdade plena de Lula e também para reverter a decisão condenatória lá proferida com base unicamente em depoimento de corréu interessado em fechar acordo com o Ministério Público Federal em busca de benefícios”.

A defesa de Esteves afirmou que, desde o início, “já afirmava reiteradamente a absoluta confiança na absolvição”. “A defesa reconhece que é um dever do Estado investigar, porém, toda e qualquer investigação deve ser feita dentro do devido processo legal, sem espetacularização e sem excessos. No caso concreto, a prisão inicial [de Esteves] era completamente desnecessária e abusiva. A defesa reforça sua confiança no Poder Judiciário e enaltece sua independência”, acrescentou, também por escrito.

O MPF confirmou que vai recorrer da decisão, mas ainda avalia se contestará todos os pleitos que não foram atendidos pelo juiz ou só parte deles.

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