Descrição de chapéu Eleições 2018

Haddad quer sinalizar que vai controlar as contas públicas

Candidato pretende desfaer reformas de Temer e taxar lucros, o que assusta o mercado

Marina Dias
São Paulo

Fernando Haddad (PT) costuma dizer que não existe macroeconomia de direita ou de esquerda: "existe macroeconomia e ponto".

O candidato do PT ao Planalto quer ser portador de uma mensagem moderada para tentar seduzir empresários e investidores caso consiga conter a onda de apoio a Jair Bolsonaro (PSL) e chegar ao segundo turno.

Consciente de que é preciso ampliar seu arco de alianças —e seu discurso— caso queira ser eleito presidente da República, Haddad vai sinalizar ao mercado que seu eventual governo será comprometido com o controle das contas públicas e com o fim do déficit fiscal em quatro anos.

Apesar da resistência do ex-presidente Lula e de dirigentes do PT em fazer qualquer gesto em direção ao setor financeiro ainda no primeiro turno, o ex-prefeito de São Paulo escalou auxiliares de sua confiança para abrir diálogo com investidores já há algumas semanas.

Esses assessores afirmam que o objetivo inicial era mostrar que Haddad se preocupa com a austeridade e avalia que um Estado fiscalmente desequilibrado não consegue dar assistência à população --um dos principais temores do mercado é que um novo governo petista seja de radicalismo econômico, com descontrole das contas públicas para garantir a volta do crescimento e mais força aos programas sociais.

Depois de conquistar a confiança desses atores, Haddad espera que pelo menos um grupo de investidores —que pediu para não ter seus nomes divulgados publicamente— declare apoio à sua candidatura logo no início do segundo turno.

O petista entendeu que precisará se mostrar independente e flexível caso chegue ao confronto direto contra Bolsonaro, que ganhou o apoio de grande parte do mercado com as ideias liberais de seu guru, Paulo Guedes. O economista afirma que vai zerar o rombo fiscal em apenas um ano.

Haddad, por sua vez, pretende demonstrar compromisso com a redução das despesas públicas, mas que não vai deixar de olhar para o social, bandeira de seu partido.

Ladeado pelo PT, Haddad ecoou propostas neste primeiro turno como a revogação da lei que cria um teto para os gastos públicos que, na sua avaliação, impede o investimento em áreas estratégicas, como saúde e educação, além da revogação dos pilares da reforma trabalhista aprovada pelo governo Michel Temer.

Defendeu insistentemente também a reforma tributária, com taxação de bancos, de lucros e dividendos, e a isenção do Imposto de Renda para pessoas que ganham até cinco salários mínimos.

Até essa página, Haddad e PT vão alinhados, mas o candidato terá que replicar, inclusive dentro do partido, o discurso de que não ser austero como governante também prejudica a atuação nas políticas sociais.

Dirigentes da sigla, por exemplo, não tratam a reforma da Previdência como prioridade, o que é visto pelo mercado como um descalabro.

Para evitar sinais trocados, Haddad precisou desautorizar um dos principais economistas ligados ao PT, Marcio Pochmann, que havia dado declarações nesse sentido.

Em sabatina promovida pela Folha/SBT/UOL, o candidato disse que "centenas de pessoas" haviam dado contribuições para o programa de governo petista, mas deu a entender que os temas polêmicos, principalmente na área econômica, ainda poderiam ser objetos de discussão.

No debate da TV Globo, na quinta-feira (4), Haddad deu um passo ainda mais claro e sinalizou, inclusive, estar disposto a discutir termos para o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, tema considerado tabu dentro do PT.

"A ideia é tirar da discussão da idade mínima para quem ganha até uma determinada faixa de renda e o trabalhador rural. Não dá para ter a mesma regra para todo mundo", afirmou o candidato.

Coordenar a elaboração do programa de governo petista com a chancela de Lula foi um dos fatores que pavimentaram sua escolha como plano B, mas, para ampliar sua base de apoio em direção ao centro político e ao mercado, Haddad precisou se mostrar mais independente e flexível em relação ao partido. E assim ele fez.

Como mostrou a Folha em setembro, Haddad sinalizou que quer manter o atual regime de atuação do Banco Central, baseado na perseguição de uma meta única: o controle da inflação a partir da definição da taxa básica de juros, apesar de o plano do PT falar em mandato dual, ou seja, ter duas metas --inflação e emprego.

Seu ministro da Fazenda, ele diz, seria um não economista, de perfil moderado e independente.

O candidato brinca, inclusive, que procura "sua alma gêmea" para o cargo, que tenha aceitação no mercado, ao mesmo tempo que circule entre a academia e a política.

Com o pacote de acenos, mais assertivo caso passe para o segundo turno, a ideia é mostrar que seu eventual governo será uma espécie de primeiro mandato de Lula, quando o ex-presidente nomeou Antonio Palocci para chefiar sua equipe econômica.

O grupo mais próximo a Haddad defende, inclusive, que esse nome seja anunciado logo no início do segundo turno, mas a ideia ainda é rechaçada dentro do PT.

As apostas correm discretas. O jovem economista Guilherme Mello, que tem falado em nome da campanha, não é visto como promessa ministerial.

Haddad gosta de Mello, mas também conversa bastante com economistas fora do espectro político do PT e mais alinhados ao pensamento pró-mercado, como Samuel Pessôa e Marcos Lisboa. O programa petista, no entanto, é considerado radical inclusive por esses interlocutores.

A ambiguidade provoca dúvidas no setor financeiro. E Haddad sabe disso.

Porta-voz econômico

Guilherme Mello, 35

É doutor em economia pela Unicamp, onde é professor do Instituto de Economia e vice-diretor do Cecon (Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica). É formado ainda em ciências sociais pela USP

Propostas de Haddad para a economia

  • Revogar a PEC do teto de gasto e a reforma trabalhista
  • Reduzir o déficit em 4 anos com estímulo à atividade econômica e ao consumo
  • Taxar lucros e dividendos
  • Isentar do Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos
  • Taxação do spread bancário
  • Manter o BC com atuação independente e tendo a meta de inflação como objetivo principal
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