Entidade com ações no STF e STJ banca evento em resort para ministros

Conselho patrocinou simpósio em Búzios (RJ) com filho de Fux e representantes das duas cortes

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São Paulo

Um evento patrocinado por uma entidade que é parte em processos que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça) reuniu ministros das duas cortes superiores e advogados da causa em um hotel de luxo em Búzios (RJ) no mês passado.

O Conapra (Conselho Nacional de Praticagem), que realizou o encontro, tem como advogado Rodrigo Fux, filho do ministro do STF Luiz Fux.

As passagens e a hospedagem dos ministros no Ferradura Resort foram bancadas pela entidade, que não informou o valor gasto. O hotel, que sediou o encontro entre os dias 9 e 11 de novembro, tem diárias entre R$ 501 e R$ 822.

Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski (do STF), Paulo Dias de Moura Ribeiro e João Otavio de Noronha (do STJ) em evento bancado pelo setor de praticagem - Reprodução/Instagram

Rodrigo palestrou no evento em defesa da causa de seus clientes. Seu pai, um dos três magistrados do Supremo que compareceram, fez o discurso de abertura. Além dele, falaram Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.

Eles foram convidados para participar do seminário Direito Marítimo na Visão dos Tribunais, promovido pelo Conapra, organização privada que representa o setor dos práticos, os manobristas de navios.

Por lei, embarcações comerciais precisam obrigatoriamente desses profissionais a bordo para orientar a atracação em portos do Brasil.

A categoria é contra a regulação dos preços no setor e enfrenta ações movidas por contratantes dos serviços, que reivindicam o estabelecimento de teto. Alguns práticos ganham até R$ 300 mil por mês.

Rodrigo Fux é advogado do Conapra em processo no STJ contra a União que discute a possibilidade de fixar o teto.

A palestra do filho do ministro na conferência, segundo ele publicou em redes sociais, foi sobre "a ilegalidade e a inconstitucionalidade da tentativa de tabelamento dos serviços de praticagem no Brasil e a posição dos tribunais sobre a matéria".

Em suas argumentações nos autos para defender o conselho, ele cita decisões do pai.

Além dos integrantes do STF, nove ministros do STJ participaram do seminário no resort —entre eles o presidente da corte, João Otávio de Noronha, e Paulo Dias de Moura Ribeiro, que figurou no material de divulgação como coordenador científico do simpósio.

As mesas versaram sobre temas como segurança jurídica, aspectos tributários e responsabilidades dos práticos nos acidentes de navegação. Não houve palestrantes que representassem partes favoráveis à regulamentação de teto salarial para a categoria.

A lista de convidados tinha ainda dois desembargadores federais e um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio. Wilson Witzel (PSC), governador eleito do estado, também esteve no local. O anfitrião foi o presidente do Conapra, Gustavo Martins.

"[O prático] é um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes", afirmou Marco Aurélio em reportagem da TV Record que abordou o evento, sem citar Fux.

Diferentemente dos dois colegas de STF, Fux não posou para a foto oficial do encontro. Imagens em redes sociais, no entanto, confirmam que ele esteve no resort.

Nenhum dos ministros da turma julgadora da ação do Conapra no STJ estava no simpósio em Búzios, mas é possível que algum deles tenha que futuramente tomar decisões a respeito do assunto.

O Conapra não diz se os palestrantes foram remunerados.

Esse processo está relacionado a uma liminar obtida pela Conapra que suspendeu uma determinação do Rio para impor teto ao pagamento dos manobristas de navios. O caso já foi enviado ao STF, mas os autos ainda não foram distribuídos a um relator.

Consultadas pela Folha, duas entidades que representam contratantes dos práticos disseram que não foram convidadas nem tinham conhecimento prévio do evento.

"É sempre interessante participar de debates que envolvam atividades que dizem respeito a serviços obrigatórios para as empresas de navegação", afirmou o Syndarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima).

O CentroNave (Centro Nacional de Navegação), outra associação de tomadores de serviços do setor, disse que o ideal seria que a entidade tivesse sido chamada. "Temos legitimidade para falar do tema e especialistas em direito marítimo que poderiam contribuir com o seu conhecimento sobre a matéria."

Entidade diz que convite atendeu a critério técnico

O Conapra, em nota, disse que os palestrantes do evento foram escolhidos "com independência técnica" e que foram chamados "magistrados ou advogados com atuação no contencioso judicial".

A entidade afirmou que "outros atores do meio jurídico com atuação no direito marítimo também foram convidados e não compareceram por motivo de agenda", mas não indicou nomes nessa situação.

Sobre a ausência dos contratantes dos práticos, o conselho ressalta que houve uma audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a regulação da atividade, em agosto, e que "representantes dos armadores foram convidados e nenhum deles compareceu ao debate".

O Conapra afirmou ainda que não houve uso de recursos públicos no seminário, mas não quis informar o custo total do evento.

"O apoio financeiro do Conapra a eventos da comunidade marítima é antigo e frequente, fazendo parte de suas atividades institucionais como associação civil, entidade sem fins lucrativos que congrega a praticagem brasileira."

A instituição acrescentou que "confia na imparcialidade dos magistrados brasileiros". "O mandado de segurança impetrado pelo Conapra [...] já teve pronunciamentos diversos, ora favoráveis à impetrante", declarou em nota. 

O STF não respondeu a perguntas da Folha sobre a presença dos três membros no evento. O gabinete de Fux informou que ele não se pronunciaria.

O magistrado é impedido de julgar qualquer caso em que o filho atue. Pelo Código de Processo Civil, juízes ficam proibidos de analisar ações que envolvam seus parentes diretos.

O advogado Rodrigo Fux também não se manifestou. A reportagem não obteve resposta do STJ.

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