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Decisão de Barroso sobre CPI da Covid segue Constituição, dizem especialistas

Eles afirmam que jurisprudência do Supremo é clara sobre instauração de comissão quando requisitos forem cumpridos

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São Paulo

Diferentemente do sugerido pelo presidente Jair Bolsonaro, não houve interferência indevida na decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso para que o Senado instaure uma CPI da pandemia da Covid-19, afirmam especialistas à Folha.

Além do conjunto de decisões da corte ao longo das últimas décadas sobre a instauração e o funcionamento de CPIs, eles destacam outros argumentos usados pelo ministro na quinta-feira (8), como o fato de o inquérito parlamentar ser um direito constitucional assegurado para as minorias e o cumprimento dos requisitos legais.

Não é a primeira vez que o STF determina a instalação de CPIs a pedido da oposição. Em 2005, no governo Lula, o Supremo mandou instaurar a dos Bingos e, em 2007, a do Apagão Aéreo —em 2014, sob Dilma Rousseff, a da Petrobras.

A Constituição determina que para instalar uma CPI sejam preenchidos três requisitos: assinatura de um terço dos senadores; indicação de fato determinado a ser apurado; e definição de prazo certo para duração.

“Não há nenhum tipo de ativismo, de interferência. Barroso está cumprindo a Constituição. O requerimento preencheu todos os requisitos necessários e é óbvio que os presidentes, tanto do Legislativo quanto do Executivo, estão na defensiva neste momento, porque isso vai interferir nos rumos da política claramente”, afirma Maria Tereza Sadek, cientista política e professora da USP.

Coordenador do grupo de estudos da FGV Supremo em Pauta, sobre atividades da corte, Rubens Glezer cita que há um conjunto de precedentes no STF nos anos 1990 e 2000 sobre o tema que respaldam a decisão, apontando que ela visa evitar um desequilíbrio no exercício do Poder Legislativo.

“A ideia é que o presidente da Câmara e do Senado são representantes da maioria parlamentar e, se eles começam a tomar decisões sobre o que pode ou não ser aberto em termos de CPI parlamentar, estarão barrando um direito de exercício da minoria. Há um desequilíbrio no exercício do poder fora do desenho constitucional de freios e contrapesos”, diz.

O professor de direito constitucional da UnB (Universidade de Brasília) Mamede Said Maia Filho acrescenta que a figura do inquérito parlamentar vem da Constituição de 1934, quando o Brasil era governado por Getúlio Vargas, e que este é um dos caminhos para que o Legislativo cumpra com a obrigação de fiscalizar os atos do Executivo.

“É um direito público subjetivo das minorias de ver instaurado o inquérito parlamentar, e esse direito das minorias é um desdobramento do princípio democrático. A Casa Legislativa, seja a Câmara ou o Senado, exerce o controle político dos atos do Executivo”, diz.

A professora de direito da FGV Rachel Scalcon também diz não ver margens para questionamentos da decisão do ministro.

“Há uma interferência por ser uma decisão em outro Poder, mas não me parece que seja uma interferência indevida, porque aquelas regras sobre instauração de CPI protegem o direito das minorias, e a minha interpretação é de que ali há um direito subjetivo.”

Diego Werneck, professor associado do Insper, reforça que juridicamente não há nada novo na decisão do ministro Barroso e que não cabe ao ministro avaliar se a abertura da CPI é ou não conveniente.

“O ministro Barroso teria errado se dissesse que não é o momento correto de abrir uma CPI. Isso não compete ao ministro dizer. Aí sim, se fizesse isso, estaria se desviando do direito vigente e da jurisprudência do Supremo”, afirma.

Nesse aspecto, ele avalia que houve uma omissão por parte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O requerimento para instauração da CPI foi apresentado a ele no dia 4 de fevereiro pelo líder da oposição, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Foram coletadas 32 assinaturas para abertura da investigação, 5 a mais que as 27 necessárias.

“A única alternativa que ele tinha para bloquear isso de uma forma mais aceitável era construir politicamente um grupo de senadores que não apoiasse. Ou seja, tirar esse um terço da oposição”, diz Werneck.

Maia completa que os regimentos da Câmara e do Senado apontam que a comissão só não pode ser instalada —se os requisitos forem preechidos— caso haja cinco delas já em funcionamento, e que esse não é o caso. Logo, o presidente tem o dever de seguir o que diz a lei. “A Constituição é muito clara”, diz.

Sadek discorda do uso do termo omissão para definir a conduta de Pacheco.

“A palavra correta não é omissão, mas sim ele usou da prerrogativa de não colocar em pauta. Isso é um recurso de poder que o presidente possui e ele usou essa prerrogativa. Ele iria retardar isso até quando ele pudesse, só que chegou nesse momento em que ele não pode mais, porque sofreu esse constrangimento por parte do Supremo.”

Para Scalcon, a Constituição aponta que não cabe um ato discricionário ou de conveniência por parte do presidente do Senado sobre a instauração de CPIs.

“Temos diversos exemplos no direito de atos que são discricionários e outros que são vinculados. Aqui estaríamos trabalhando com essa categoria. Preenchidos os requisitos, não cabe ao presidente imaginar, pensar ou avaliar quando, se e em que momento. Ele realmente teria um dever”, afirma.

Glezer concorda. “Me parece que dada a clareza dos precedentes do STF sobre a matéria, o presidente do Senado optou por ser omisso, sinalizando lealdade ao presidente da República, e passando o custo político para o Supremo Tribunal Federal. Um caso de catimba constitucional”, diz.

Maia chama atenção também para o contexto da pandemia e a urgência de respostas para o agravamento do cenário brasileiro, outro argumento também apresentado por Barroso.

“Estamos tratando de um tema nevrálgico que hoje toma atenção do país todo e do mundo que é a questão da pandemia. Você não pode procrastinar sobre a necessidade do Legislativo se debruçar sobre quais são as responsabilidades do poder público no fato de estarmos caminhando para quase 5.000 mortes por dia”, diz.

A análise também é de que não há fundamento para a comparação feita por Bolsonaro sobre abertura de processo de impeachment contra o ministro do STF Alexandre de Moraes.

“No processo de impeachment o presidente da Casa tem um poder sem prazo para decidir, e ele pode decidir arquivar ou levar adiante. Enquanto ele não fizer, não tem o que fazer”, diz Werneck.

Glezer exemplifica com a liminar dada pelo ministro Marco Aurélio, do STF, para que o então presidente da Câmara Rodrigo Maia abrisse o processo de impeachment do presidente. “Não houve suporte dentro do tribunal e do mundo político porque era uma decisão que fugia completamente à lógica do sistema”, afirmou.

Scalcon pontua que a fala é mais um elemento de pressão política sem fundamento por parte do presidente.

“Em várias decisões do STF que não são positivas ao governo ou que são impopulares há sempre essa discussão de impeachment dos ministros. A posição do STF é seguir a Constituição e muitas vezes isso é algo que não traz as consequências esperadas para determinado governo”, diz.

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