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Justiça condena Hans River a indenizar repórter da Folha em R$ 50 mil por danos morais

Ex-funcionário de empresa de disparo em massa é o 3º a ser responsabilizado por ofensas de cunho sexual contra jornalista Patrícia Campos Mello

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Mogi das Cruzes (SP)

A Justiça de São Paulo condenou Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da empresa de disparo em massa Yacows, a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter da Folha, em R$ 50 mil por danos morais.

A decisão, tomada nesta quarta-feira (14), é do juiz André Augusto Salvador Bezerra, da 42ª Vara Cível de São Paulo, que determinou ainda que Hans pague as custas processuais e os honorários advocatícios no valor de 15% da condenação. Cabe recurso.

A repórter acionou a Justiça após ser insultada por Hans no dia 11 de fevereiro do ano passado, quando o ex-funcionário mentiu ao prestar depoimento à CPMI das Fake News, no Congresso Nacional, acusando a repórter de ter se insinuado sexualmente a ele em troca de informações.

Hans trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.

Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos do depoente Hans mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Sem apresentar provas, Hans disse aos parlamentares que Patrícia queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”, declaração reproduzida em seguida nas redes sociais pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que investiga a divulgação de notícias falsas nas redes sociais e assédio virtual, raliza oitiva decorrente do requerimento nº 214/2019.Mesa:relatora da CPMI das Fake News, deputada Lídice da Mata (PSB-BA);presidente da CPMI das Fake News, senador Angelo Coronel (PSD-BA);depoente Hans River do Rio Nascimento.Foto: Jane de Araújo/Agência Senado
Hans River do Rio Nascimento depõe na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que investiga a divulgação de notícias falsas nas redes sociais e assédio virtual - Jane de Araújo - 11.nov.20/Agência Senado

Em sua decisão, o juiz citou a escritora portuguesa Grada Kilomba ao afirmar que o ataque sexista contra Patrícia é resultado de uma lógica de silenciamento herdada do colonialismo que trata determinados setores populacionais —negros, indígenas, e mulheres— como inferiores para dessa forma dominá-los.

Apesar de a Constituição vedar qualquer forma de discriminação, a decisão destaca que o “tratamento da mulher como objeto de dominação” persiste em relações públicas e privadas, e que o ataque sexistas a mulheres que ocupam alguma posição de destaque social configura “um trágico exemplo”.

“Sucede que as críticas dirigidas à autora pelo réu, citado na reportagem, não focam o trabalho. Focam a sua condição de mulher, o objeto de dominação sexual, conforme históricas práticas colonialistas que, em pleno século 21, ainda proporcionam forma ao sexismo”, diz.

“O recado parece evidente. Sob tal raciocínio, as mulheres devem ser silenciadas; não podem ter uma posição social de destaque; não podem pronunciar-se; devem limitar à posição de objeto de exploração sexual”, acrescenta.

A decisão diz ainda que a acusação feita por Hans atingiu a repórter como ser humano. "Cabe salientar que tais sofrimentos são evidentes e a demonstração de existência dos mesmos independe, realmente, de maiores comprovações, além das constantes nos autos."

Outras duas decisões judiciais recentes também condenaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a indenizar a jornalista Patrícia Campos Mello.

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O presidente Jair Bolsonaro fala com a imprensa ao sair do Ministério da Economia, em Brasília (DF) - Pedro Ladeira - 27.jan.21/Folhapress

Para a advogada Tais Gasparian, que defende a Folha em diferentes causas, as três decisões são importantes tanto do ponto de vista da violência de gênero como do jornalístico —uma vez que Patrícia foi atacada por produzir matérias que revelaram um esquema de envio de mensagens em massa durante a campanha presidencial e resultaram na abertura da CPMI no Congresso.

“Fizeram uma ofensa a ela dizendo que ela trocava sexo por informações, o que é muito grave para todas as mulheres e faz parte de um contexto de misoginia dessas pessoas, tanto do presidente da República quanto por seu filho e o Hans”, diz.

A advogada afirma que o alto valor da indenização imposta a Hans é merecido e tem efeito educativo para a sociedade. “Serve como uma lição. Não se pode ofender as mulheres desse jeito. Não se pode atacar uma notícia de imprensa com ofensas. Tem que ter respeito a essa instituição que é imprensa, que é muito importante para o estado democrático.”

Em março, o presidente Bolsonaro foi condenado pela juíza Inah de Lemos e Silva Machado, da 19ª Vara Cível de São Paulo, a pagar R$ 20 mil reais à repórter por danos morais. Ela determinou ainda que Bolsonaro pague as custas processuais e honorários advocatícios no valor de 10% da condenação. Também cabe recurso.

No dia 18 de fevereiro de 2020, o presidente se referiu à declaração feita por Hans à CPMI para insultar Patrícia.

"Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]", disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada, na ocasião. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: "a qualquer preço contra mim".

A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva, mas Bolsonaro a usou em duplo sentido, com a conotação de orifício do corpo humano.

o deputado Eduardo Bolsonaro foi condenado pelo juiz Luiz Gustavo Esteves, da 11ª Vara Cível de São Paulo. Além da indenização de R$ 30 mil, ele ainda determinou que o filho do presidente pague as custas processuais e honorários advocatícios no valor de 15% da condenação.

A defesa do parlamentar apresentou recurso contra a condenação e Patrícia também recorreu para elevar a condenação.

Em transmissão ao vivo, Eduardo havia afirmado que a jornalista “tentava seduzir” para obter informações que fossem prejudiciais ao seu pai. A live foi ao ar pelo canal do YouTube Terça Livre TV, em 27 de maio do ano passado.

Em uma série de reportagens em outubro de 2018, a Folha revelou a contratação durante a campanha eleitoral de empresas de marketing que faziam envios de mensagens políticas.

A primeira reportagem mostrou que empresas estavam interferindo nas eleições de 2018 ao comprar pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp. A disseminação funciona por meio do disparo a números de celulares obtidos por agências. Uma outra tratou do uso de forma fraudulenta CPFs de idosos e até contratando agências estrangeiras.

O depoimento mentiroso de Hans à CPMI causou uma série de reações em defesa da Folha e da repórter.

O jornal repudiou em nota as mentiras e os insultos e, em reportagem baseada em documentos e gravações, apontou uma a uma as mentiras do depoente.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior desta reportagem afirmou que Hans River usou a palavra "furo" em duplo sentido para se referir à jornalista, mas quem o fez foi o presidente Jair Bolsonaro. O texto foi corrigido.

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