Abin produziu relatório questionando lisura da fortuna do dono da Havan

Documento sobre Luciano Hang foi enviado à Casa Civil, ao Alto-Comando do Exército, à Polícia Federal e já chegou às mãos de um senador da CPI da Covid

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lucas Valença
Brasília | UOL

Em julho de 2020, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu um relatório de 15 páginas apontando problemas e inconsistências na fortuna do empresário dono da Havan, Luciano Hang, apoiador com influência no governo do presidente Jair Bolsonaro. O texto oficial serviu para alertar o Palácio do Planalto sobre os riscos que a proximidade de Hang poderia causar à atual gestão.

Classificado como "reservado", o documento obtido pelo UOL reúne informações sobre o proprietário da Havan. Os papéis foram enviados pela agência à Casa Civil, ao Alto-Comando do Exército, à Polícia Federal e já chegou às mãos de um senador da CPI da Covid.

Segundo uma fonte ligada à comissão parlamentar de inquérito que recebeu o relatório, há um "movimento de cautela" por parte da inteligência e do Alto-Comando militar com relação a alguns empresários apoiadores do presidente considerados "problemáticos".

A data da produção do relatório coincide com a informação, publicada em junho de 2020 pelo jornal Valor Econômico, de que o Ministério da Saúde planejava maquiar dados relativos ao novo coronavírus e aos mortos em decorrência da Covid-19. O dono da Havan teria sido um dos responsáveis pela ideia, de acordo com a reportagem.

Hang, um homem branco, careca e que veste terno verde, com gravata amarela, sapato amarelo e meias listradas em verde e amarelo. Ele está sentado e com a perna cruzada
O empresário Luciano Hang, dono da Havan, durante cerimônia no Palácio do Planalto em 2019 - Pedro Ladeira - 6.ago.2019/Folhapress

A Abin tem como prática a elaboração de relatórios, de ofício, sobre políticos, apoiadores, empresários e pessoas que se aproximam da Presidência da República.

O documento sobre Hang é dividido em sete tópicos e narra o início de sua vida empresarial, aos 21 anos, com a compra de uma tecelagem, até as acusações que o levaram a ser investigado pelo possível financiamento de redes de fake news e do chamado gabinete do ódio.

Negócios investigados

No documento elaborado pelo órgão vinculado ao GSI (Gabinete de Segurança Institucional), comandado pelo general Augusto Heleno, Hang aparece como um personagem que, a partir de 1997, passou a ter negócios com lisura questionável.

"Sempre expandindo os negócios, sem sócios, sem investidores, sem endividamento e muitas vezes parecendo possuir uma fonte oculta de recursos, que não se explicaria apenas por sonegação fiscal e contrabando de artigos importados para lojas", afirma o documento.

A Abin aponta que, em 2000, uma estudante de economia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), não identificada no relatório, produziu uma monografia sobre a competitividade das lojas Havan, "obtendo por meio de Luciano Hang acesso a dados contábeis da empresa".

O trabalho, afirma a inteligência do governo, mostrava que o custo fixo mensal das lojas era "cinco vezes maior do que o faturamento" da empresa, o que, em circunstâncias normais, inviabilizaria o negócio.

"Este custo fixo relatado se referia ao estoque que equivaleria a cinco vezes o faturamento em um mês da rede de lojas e exigia alto capital de giro, demonstrando já nesta época a alta disponibilidade financeira de Hang", diz o relatório.

Em seguida, no tópico intitulado "Havan Financeira", a agência relata que, ainda no início dos anos 2000, Hang passou a ter uma empresa de fomento mercantil que fornecia empréstimos milionários que, segundo o relatório, configuravam a prática de "agiotagem", o que resultou em cobranças na Justiça.

Apenas no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 25 processos ainda estão ativos e são relacionados aos empréstimos de Hang.

"É de se supor que os empresários que procuravam Hang não estariam aptos a passar pelo crivo analítico de um banco de verdade, sujeitando-se a exposição de cobrança de juros acima do mercado e alienação de bens em garantia", afirma a Abin.

Procurado pela reportagem, o departamento jurídico da Havan informou que "todas as empresas do senhor Luciano Hang estiveram e estão dentro da lei, submetidas a todas as regras de controle, de modo que jamais houve agiotagem ou lavagem de dinheiro".

Precatórios

O arquivo produzido pela inteligência também lista as pendências judiciais e investigações sofridas pelo empresário.

Dentre elas está a atuação, em 1999, do procurador do MPF (Ministério Público Federal) Celso Antônio Três, que o investigou por suspeita de lavagem de dinheiro, remessa de dinheiro de origem ilegal ou duvidosa, sonegação fiscal, contrabando de importados e evasão de divisas. O empresário teria usado o "primo Nilton Hang como testa de ferro".

Segundo o texto produzido, o período de investigação de Hang coincide com o escândalo dos precatórios, alvo de uma CPI no Senado, que apurou irregularidades no pagamento decorrentes de ações judiciais em Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas e algumas cidades no estado de São Paulo.

"O esquema investigado pelo procurador Celso Três no Paraná era o principal duto de evasão de dinheiro fruto do desvio dos recursos dos precatórios, via contas CC5 (tipo de contas utilizadas no escândalo) do Banestado", ressalta o documento.

Também há informações sobre a condenação judicial sofrida por Hang em 2003 a quase quatro anos de prisão por "sonegação de contribuições previdenciárias". O investidor foi multado em R$ 10 milhões.

Relações

Ao descrever os três fundos de investimentos criados por Hang (Havan FIDC, Fundo Davos e Challenger FII), a Abin aponta que os negócios do Davos passaram a receber consultoria da Emerald, empresa gestora de fortunas vinculada à família Safra, do Banco Safra.

Em seguida, o relatório afirma que, em agosto de 2018, o empresário promoveu um café da manhã em favor da campanha do então presidenciável Jair Bolsonaro com 62 empresários ligados à comunidade judaica.

Estiveram no encontro o empresário Meyer Nigri e Fabio Wajngarten —que acabou ocupando o posto de secretário de Comunicação da Presidência no governo Bolsonaro e é apontado no relatório como sendo afilhado de Nigri.

"Meyer Nigri teria tido influência na indicação de Wajngarten para a Secom e Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente", acrescenta a Abin.

O relatório também aponta o apresentador Silvio Santos, dono do canal de televisão SBT, como sendo um integrante da comunidade judaica com influência palaciana e próximo ao dono da Havan.

"Luciano Hang é desde 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o maior patrocinador privado do SBT, mantendo parte da tarde de domingo, considerado horário nobre na televisão, com programa exclusivo patrocinado pela Havan", diz o órgão ligado ao GSI, indicando que uma aproximação entre o dono do SBT e o governo teria contado com a ajuda de Hang.

O UOL procurou a assessoria de imprensa do SBT na última sexta-feira (18) e nesta segunda (21), mas não obteve retorno. Nigri e Wajngarten também foram acionados nos mesmos dias, mas também não retornaram. O Banco Safra foi procurado nesta segunda.

Fake news

Desde as eleições de 2018, Hang tem sido acusado de ser um dos financiadores de fake news por meio do aplicativo WhatsApp e do chamado gabinete do ódio, responsável por desferir ataques contra adversários políticos do presidente Bolsonaro.

O documento também ressalta que o empresário é um dos alvos de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) que apura ataques à corte.

"O STF determinou uma grande ação da Polícia Federal de busca e apreensão no fim de maio, visando youtubers, mantenedores de páginas bolsonaristas na internet e pretensos financiadores, entre eles, Luciano Hang, que também teve seu sigilo telefônico e bancário quebrado", afirma o relatório da Abin.

Senadores do chamado G7, grupo que reúne oposicionistas e independentes na CPI da Covid, planejam convocar Hang para depor à comissão, mas nenhuma data ainda foi definida.

Havan nega existência de relatório

Em resposta à reportagem, o departamento jurídico da Havan informou que o relatório da Abin "trata-se de fake news", já que "se houvesse qualquer documento, seria sigiloso e, portanto, inacessível pelo UOL".

Procurada na última quinta-feira (17) e nesta segunda, a Abin não se manifestou. No entanto, depois da publicação da reportagem, a agência divulgou uma nota para negar oficialmente ter produzido relatório sobre Hang. De forma sucinta, a agência informa "não ter produzido, recebido ou difundido relatório ou qualquer outro documento".

A existência do relatório foi confirmada ao UOL por fontes da própria Abin, da Polícia Federal, do GSI, além de um integrante da CPI da Covid.

A assessoria da Havan também informou que, "na hipótese de publicação, serão responsabilizados tanto o meio de comunicação que veiculou matéria como o jornalista que a redigiu".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.