Descrição de chapéu ameaça autoritária

Camisetas imprimem 'estética opressora' em protesto pró-Bolsonaro

Imagens com armas, presidente pintado como super-herói e desenhos anti-comunismo compõem vestimenta de grupo bolsonarista no 7 de Setembro na Paulista

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São Paulo

“Você não vai combater a violência soltando pombinhas”, avisava a camiseta, com o desenho de duas armas ao centro, usada por um homem de barba, que, ao lado de uma moto Harley-Davidson, esperava a chegada de uma caravana com cerca de cem motociclistas vindos do interior paulista, na manhã desta terça-feira (7), na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu.

“A bandeira do Brasil está na garupa da moto. No peito, preciso usar algo que fale mais diretamente com as pessoas”, disse ele, que preferiu não se identificar por temer represálias por parte da gestão João Doria (PSDB). “Sou funcionário público. Ocupo um cargo na alta hierarquia do governo estadual. Não posso me expor neste momento”, afirmou.

Camisetas com estampas armamentistas e militaristas, com ilustrações que mostram Bolsonaro armado ou como um super-herói, além de estampas com mensagens anticomunistas, contrárias ao STF e em defesa da prisão do ex-presidente Lula, somaram-se ao uniforme verde-amarelo.

A convocação para o uso dessa “figura ou estética opressora”, como os próprios seguidores do presidente a classificam, partiu das próprias redes bolsonaristas, que organizaram uma espécie de manual de conduta para as manifestações deste feriado.

O industrial Marcelo Sonner, 43, e a mulher, Melissa, 43, de Guarulhos (SP), nem chamavam tanto a atenção pelo que vestiam —ele, uma camiseta usada para fazer trilha; ela, uma semelhante à da seleção brasileira com os dizeres “Meu Partido é o Brasil”.

O destaque ali ficava para a camionete do casal. Nela, uma colagem mostrava a figura de Bolsonaro à frente, dirigindo o veículo, enquanto Lula aparecia, preso, na janela traseira. “Nem sabemos se vamos conseguir ir para a Paulista, mas estamos aqui em defesa de Bolsonaro e contra o Supremo”, disse Melissa.

Naquele momento, por volta das 11h30, a praça Charles Miller, transformada em bolsão de estacionamento, já estava completamente abarrotada pela frota bolsonarista. Ao menos 70 ônibus oriundos de diferentes partes do Brasil ali estavam estacionados assim como ao menos 80 camionetes e jipes, quase todos eles com a bandeira do Brasil sobre o capô.

Não parava de chegar gente. Funk, música sertaneja e até hits de Raul Seixas animavam a trupe, que se deliciava com pastel e caldo de cana, antes de encarar a maratona.

O comerciante Joel Fernandes, 43, aproveitava a multidão para anunciar, no alto-falante do seu carro, a venda de um pen drive. Nele, 20 músicas, a maioria das quais em ritmo de forró ou brega, que ressaltavam as proezas do “mito”, também chamado de “meu capitão”, ou simplesmente o enalteciam (“Bolsonaro é o melhor”). Preço? R$ 40.

Alguém reclamou de que estava caro demais.

Fernandes logo se saiu em defesa: “Eu vim de Campo do Brito, interior de Sergipe, especialmente para esta tarde inesquecível em defesa do nosso presidente Bolsonaro. Precisam levar isso em consideração”.

Agora, ignorado mesmo foi o desfile de um buggy conduzido por um casal de idosos, com uma garota no banco de trás ostentando uma enorme bandeira do Brasil. Tudo como manda o figurino bolsonarista em dias de protesto se não fosse por um detalhe: o carrinho era vermelho.

Ao redor do estádio, por volta das 13h25, uma cavalaria formada por ao menos 50 cavaleiros em defesa de Bolsonaro. Entre bandeiras do Brasil e camisetas da seleção, um deles se fantasiava de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o rei do cangaço.

Na avenida Paulista, com um sol de rachar, temperatura acima dos 30°C, Carolina Chimenes, 22, mecânica, e César Alexandre, 27, engenheiro civil, usavam camisetas pretas cujas estampas exibiam um cachorrinho fazendo cocô. Só que aqui as tais “fezes” caninas caíam sobre o desenho da foice e do martelo, símbolos do trabalho no comunismo.

“Para quem é leigo pode ser uma ofensa, já para quem conhece é uma provocação retórica”, explicou Alexandre. “Uma piada contra o comunismo.” Carolina complementou: “Não corremos o risco de o Brasil virar um país comunista, o problema é cultural”.

O casal se identificou como dois “patriotas individualistas”. Para se protegerem do sol e, principalmente, para ostentarem sua mensagem, usavam bonés onde se lia “Make Brazil Great Again”, uma imitação do acessório usado pelo republicano Donald Trump durante a campanha à Casa Branca em 2015.

Na versão trumpista, o slogan era “Make America Great Again”, ou seja, “Faça a América Grande de Novo”. À época, vale lembrar que esses bonés de aba larga, à moda antiga, tornaram-se item obrigatório até mesmo entre os moderninhos americanos.

No asfalto da Paulista, o casal de Santo André (Grande São Paulo) disse desprezar a presença do Estado. “Nem Lula nem Bolsonaro.

Somos a favor do país, não das pessoas que estão no poder”, falou ele, para que ela, em seguida, completasse: “Não importa se você é de centro, de direita ou de esquerda, o importante é a liberdade individual”.

A ala bolsonarista também foi pródiga na produção de cartazes. Desta vez, em múltiplos idiomas. Em inglês, francês, italiano, alemão e até turco. As frases ou eram ataques, sobretudo ao STF, mas também ao comunismo, ou eram elogios a Bolsonaro e seus rompantes.

“É para a imprensa internacional ver o que de fato está acontecendo no Brasil”, disse o empresário Márcio Prado, 64, de Piracicaba (SP), que carregava um cartaz, escrito em francês, contra o STF.

Pertinho dali, em frente ao Conjunto Nacional, um homem exibia uma camiseta cujos dizeres, “Armai-vos uns aos outros!”, encimava um retrato em preto e branco de Bolsonaro, que surgia colérico com o dedo apontado em direção a quem olha. Ele não quis conversa com a reportagem.

Na opinião da pesquisadora e professora Angélica Adverse, 48, do Departamento de Desenho da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), no fim dos anos 1930, a camiseta começa a ser adotada como suporte de mensagem gráfica.

“A peça apresenta-se em uma nova função, passando a ser utilizada pela propaganda política fascista”, explica.

Utilizar o vestuário como estratégia, segundo a professora, que pesquisa arte e moda, contribui para a criação de um real fabulado e de uma “estetização programática e empobrecida, que têm como função efetuar a similaridade estrutural do ícone”.

Isso significa, ainda segundo as palavras de Angélica, que o modelo pode ser sempre replicado e seguido sem desvios por intermédio de mensagens rápidas.

“A fácil repetição dos clichês corrobora para a mitificação da realidade”, analisa. Diz mais: “A mensagem iconográfica das camisetas é, portanto, a presença icônica de uma orientação política que adentra na vida cotidiana a fim de mobilizar os afetos para transformar mentalidades”.

Sobre a tal figura ou estética opressora, a vendedora ambulante Stephane Rodrigues de Lima, 24, nunca tinha ouvido falar. Moradora de Itaquaquecetuba, uma das cidades mais carentes da região metropolitana de São Paulo, a vendedora estava feliz com o resultado que obteve nesta terça-feira, dia 7 de setembro, na Paulista.

O presidente Jair Bolsonaro nem tinha chegado e Stephane já contabilizava a venda de um bocadinho mais de mil camisetas nas quais o “Mito” aparece no corpo do “Capitão Brasil”, uma réplica tosca do Capitão América, vendidas a R$ 40 cada uma.

A vestimenta, contou a ambulante, só não foi mais vendida que as bandeiras nacionais, as quais, ao todo, somaram 2.500 itens comercializados pelo valor unitário de R$ 30.

Ao pé do ouvido, sem que a tropa de choque bolsonarista ouvisse, Stephane confessou que, apesar de estar contente com o caixa do dia, estava um pouco inconformada com o que via.

Eleitora do PT, travestiu-se de bolsonarista em defesa dos negócios. “Preciso pagar minhas contas, mas o que ele está fazendo com o povo, com o povão, não tem perdão. Está cada dia mais difícil. É só ele abrir a boca que vem bomba."

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