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Ameaça não é sinônimo de risco

Questão a saber é se as ameaças de Bolsonaro à democracia são críveis

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Carlos Pereira

É professor titular da FGV-Ebape, no Rio de Janeiro

Celso Rocha de Barros, um dos intelectuais de esquerda mais tolerantes e fraternos que conheço, me deu o prazer em sua coluna do dia 16/01 de estabelecer um diálogo crítico com meu livro, Making Brazil Work, coautorado com Marcus Melo, e com a coluna que publiquei no Estadão no dia 10/01.

Celso argumenta que nosso livro foi importante para explicar o Brasil de 20 anos atrás, mas não seria mais útil para interpretar o que ele denomina de "crise política dos últimos anos".

No livro, afirmamos que existem três condições necessárias para que o presidencialismo multipartidário alcance funcionalidade: 1) o presidente precisa ser constitucionalmente forte e capaz de dominar a agenda legislativa; 2) a existência de moedas de troca institucionalizadas sob a discricionariedade do Executivo; e 3) instituições de controle robustas e independentes.

Se tais premissas institucionais não foram modificadas, não se pode concluir que a explicação que oferecemos para o funcionamento do presidencialismo multipartidário perdeu a validade.

Bolsonaro no Palácio do Planalto - Adriano Machado-16.dez.21/Reuters

Celso confunde ameaça com risco. Por exemplo, se a Marinha brasileira zarpar do Atlântico Sul para atacar os EUA, a grande potência do norte estaria sendo mais ameaçada do que se os navios estivessem ancorados na baía de Guanabara. Mas ninguém consideraria os EUA sob risco real, pois a ameaça brasileira não seria crível.

Ou seja, a questão a saber é se as ameaças de Bolsonaro à democracia são críveis. A credibilidade de uma ameaça é diretamente proporcional aos custos de cumpri-la. Bolsonaro não dispõe dos recursos políticos, sociais e nem institucionais para arcar com tais custos.

Celso sugere que para mim a democracia só estaria em risco se houvesse golpe. Entretanto, golpe é consequência de enfraquecimento institucional, o que não tem ocorrido no Brasil, mesmo diante das ameaças de Bolsonaro.

Não estou argumentando que o Brasil estaria imunizado para sempre contra iliberalismos de direita ou de esquerda. Mas quanto mais o jogo democrático é jogado, menores as probabilidades de quebra democrática diante do amadurecimento e da densidade institucional já adquiridos pelo país.

Celso argumenta que "para quem morreu sem vacina, nossa democracia falhou". Na realidade, há uma confusão entre incompetência governamental e mal funcionamento da democracia. Em última instância, mistura governo ruim com autoritarismo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Governos autoritários podem ser eficientes e democracias podem ser ineficientes, e vice-versa.

Outro aspecto importante é não interpretar impeachment como uma questão de merecimento, como faz Celso. Bolsonaro não foi "degolado" porque foi domesticado, mesmo que tardiamente, ao jogar com as armas do presidencialismo de coalizão. Montou uma coalizão minoritária, mas suficiente para obstaculizar tentativas de abreviamento do seu mandato. Além do mais, posicionou aliados estratégicos na presidência das casas legislativas. Entretanto, tem pago caro por essa proteção.

Por fim, o argumento de que "tudo se justificaria para evitar o grande desastre", até mesmo votar em líderes pouco retilíneos, foi uma provocação que fiz para os eleitores pragmáticos, que votaram em Bolsonaro em 2018 para evitar o PT, mas que se frustraram profundamente com o péssimo governo do capitão.

Agora, paradoxalmente, consideram votar em Lula com o "nariz tampado" com o argumento da necessidade de derrotar Bolsonaro. Esses eleitores não precisam ter o desprazer de votar em Lula no primeiro turno. Se querem, de fato, aniquilar o bolsonarismo, a melhor opção não seria Lula ganhar no primeiro turno, mas sim Bolsonaro não ir para segundo turno. Bolsonarismo e o lulismo são gêmeos fraternos.

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