Vice-campeã em obras da Codevasf cresce sob Bolsonaro com sócio oculto e laranjas

Governo já reservou R$ 140 milhões para a Construservice; estatal federal diz que suas licitações seguem a lei

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São Paulo e Brasília

A vice-líder em licitações da estatal federal Codevasf tem utilizado laranjas para participar de concorrências públicas na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição e que repete o já enfraquecido discurso de que não há casos de corrupção em sua gestão.

Trata-se da construtora maranhense Construservice, com sede em Codó (a 300 km de São Luís). Desde 2019, o governo já reservou a ela R$ 140 milhões, tendo desembolsado R$ 10 milhões disso até agora.

Todos os contratos da empreiteira com a administração federal foram firmados após 2019, ou seja, no governo Bolsonaro. A empresa também só recebeu recursos federais na atual gestão, segundo dados do Portal da Transparência.

As duas pessoas registradas oficialmente como donas da empresa são as mesmas que, em 2015, foram ouvidas em uma investigação policial e admitiram que foram chamadas para constar formalmente como sócias na construtora, embora não mantivessem nenhuma ligação pessoal ou empresarial entre elas.

Vista da pavimentação precária realizada pela empresa Construservice em Araguatins (TO) amolece em dias de forte calor
Pavimentação precária realizada pela empresa Construservice em Araguatins (TO) amolece em dias de forte calor - Adriano Vizoni -29.mar.22/Folhapress

Os convites, dizem os sócios laranjas, partiram de Eduardo José Barros Costa. Ele é sócio oculto da Construservice e também conhecido como Eduardo Imperador ou Eduardo DP.

Segundo apurações da Polícia Civil e do Ministério Público do Maranhão, Costa é suspeito de comandar uma quadrilha responsável por crimes em mais de 40 municípios do estado, pelo menos de 2009 a 2012, entre eles desvios de recursos federais do Ministério da Educação.

Costa é réu em ações nas Justiças Estadual e Federal que tratam dos supostos desvios e atos de corrupção e chegou a ser preso nas ações policiais relacionadas a esses casos —mas segue em liberdade.

Ele não aparece nos registros da Construservice. Mas em pelo menos uma ação trabalhista a Justiça do Maranhão o reconhece como sócio de fato da construtora.

Na agenda oficial da Codevasf, há o registro de uma audiência de "Eduardo Costa - Empresa Construservice" com o presidente da estatal, Marcelo Moreira. Esse encontro ocorreu em 16 de dezembro de 2020.

Questionada pela reportagem, a Codevasf não quis esclarecer se o "Eduardo Costa" mencionado na agenda é Eduardo José Barros Costa e qual foi o teor da conversa. A estatal disse apenas que esse tipo de encontro trata de "temas de interesse institucional e de projetos".

A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) foi entregue por Bolsonaro a partidos do centrão em troca de apoio político no Congresso, em especial para evitar a abertura de um processo de impeachment contra ele.

Eduardo Costa é referência para políticos locais na hora de questionar obras da Construservice.

Em 12 de abril, o deputado estadual Vinicius Louro (PL) disse, na tribuna da Assembleia Legislativa maranhense, que telefonou ao "proprietário da empresa, da Construservice, Eduardo DP" para cobrá-lo sobre o andamento de obras em estradas.

O deputado disse à Folha que não conhece o quadro societário da construtora, mas que "todo mundo no Maranhão sabe que ele [Costa] responde por ela [a empresa]". Ele declarou "falar direto" com Costa sobre obras da empreiteira.

Em inquérito que começou como desmembramento das investigações do assassinato do jornalista Décio Sá em São Luís (MA), em 2012, a polícia do Maranhão deflagrou em 2015 a Operação Imperador, cujo título é uma alusão ao apelido de Costa.

Costa não se tornou réu pelo assassinato, mas, segundo as autoridades, as apurações do caso revelaram que ele arregimentou um laranjal para constar nos quadros de sócios de construtoras usadas no esquema.

Vista de obra parada de pavimentação a cargo da empresa Construservice no povoado Macaúba, em Sítio Novo do Tocantins (TO)
Obra parada de pavimentação a cargo da empresa Construservice no povoado Macaúba, em Sítio Novo do Tocantins (TO) - Adriano Vizoni - 2.abri.22/Folhapress

Entre outros, foram alvos da operação a Construservice e as duas pessoas que constam oficialmente como seus donos.

Um deles é o motorista Adilton da Silva Costa. Em depoimento de 2015, Adilton afirmou que trabalhava para a família de Eduardo Costa desde 1982 e que recebia um salário mínimo, sem carteira assinada, para fazer serviços gerais.

Ele disse saber que havia empresas registradas em seu nome, mas desconhecia os nomes delas, e que Costa costumava levar papéis para ele assinar.

Uma ex-companheira de Costa, Eridan Pinheiro Dias, disse à polícia que muitas vezes Costa debochava da situação, "dizendo que ia buscar o empresário Adilton" para fazer a assinatura de documentos.

O outro sócio formal da empreiteira é o engenheiro Rodrigo Gomes Casanova Júnior.

Em seu depoimento à polícia em 2015, Casanova Júnior afirmou que Costa o procurou em dezembro de 2013 com uma "proposta de uma parceria".

Essa parceria consistiria na entrada dele "como sócio de uma empresa controlada por Eduardo José Barros Costa, no caso a Construserv, o que foi aceito pelo declarante, que entraria como sócio em razão de sua experiência no ramo de construção civil e de seu conhecimento técnico na área".

Disse também que à época possuía "formalmente" 98% das ações da empreiteira, porém não sabia quem era o outro sócio, "achando apenas que tal pessoa se chama Adilton, e o viu em apenas duas ocasiões de forma breve", segundo o testemunho.

Casanova Júnior também afirmou que cuidava da "operacionalização" da empresa. Porém ele disse morar em São Luís, a 300 km da sede da empresa.

Costa também foi interrogado em 2015. Ele admitiu que colocou empresas e bens em nome do motorista Adilton. Disse que adotou tal prática "em razão de ter restrição em seu nome".

Mas, em relação à Construservice, declarou que somente mantinha "parceria e participação" com a construtora e que realizam obras juntos, e a empresa pertencia a Casanova Júnior.

À Folha, por chamada de áudio, Costa negou ser dono da Construservice. Ao ser questionado sobre a reunião com o presidente da Codevasf em dezembro de 2020, não respondeu e desligou.

Em 2019, um contrato do Governo do Tocantins para sinalização e conservação de rodovias foi assinado por Costa como "representante da contratada", no caso, a Construservice.

A maior reserva orçamentária feita à empresa pelo governo Bolsonaro foi de R$ 20 milhões para obras no Tocantins. A empreiteira também firmou contratos para serviços em Goiás, Ceará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e no Distrito Federal ​desde 2019.

A Folha​ visitou obras da Construservice no Tocantins realizadas por meio de contratos da Codevasf.

Em Araguatins (a 620 km de Palmas), o asfalto feito pela empresa possui trechos tão precários que expõem os motoristas ao risco de acidente. Os moradores relatam que o pavimento aplicado há poucos meses amolece e afunda nos dias de muito calor

A Folha examinou a documentação de 99 concorrências de pavimentação da Codevasf no ano de 2021. A Construservice foi a segunda colocada no ranking de vitórias nesse setor, com 10 licitações.

Ela só ficou atrás de outra empreiteira do interior do Maranhão, a Engefort, que ganhou mais da metade dos pregões.

O jornal já revelou que nessas concorrências a Engefort chegou a participar sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada no nome do irmão de seus sócios.

Das 10 licitações vencidas pela Construservice em 2021, três foram para obras no estado do Piauí.

Em todas as licitações de 2021 a Construservice apresentou como documento de habilitação uma alteração do contrato social da companhia que aponta como sócios os laranjas Adilton e Casanova Júnior.

Os dois passaram a constar formalmente como sócios da Construservice em 2013, mas antes disso outros acusados de serem laranjas também chegaram a ser registrados como donos da empresa. ​

Costa nega ser sócio oculto de empresa

Segundo nota enviada pelos advogados Tharick Ferreira, Daniel Leite e Luís Eduardo Bouéres, que defendem Eduardo Costa e também a Construservice, Costa não é sócio da empreiteira.

A defesa diz que "Costa não tem conhecimento de afirmações por parte do Ministério Público Federal que afirme a existência de ligações da sua pessoa com a empresa Construservice".

De acordo com os advogados, Costa já prestou " esclarecimentos, no sentido de comprovar a legitimidade e correção de suas condutas" nos processos em que é acusado.

A Folha buscou contato com a Construservice e um de seus números de telefone é o do escritório de advocacia que também defende Costa.

Indagada especificamente sobre o fato de a Construservice ter laranjas como sócios, a defesa da empresa não se manifestou.

Mas na nota os advogados afirmam que "a Construservice reafirma que nunca sofreu quaisquer condenações em processo judicial ou administrativo em que seja acusada de superfaturamento, desvio de recursos públicos, atos de corrupção, ou improbidade administrativa".

Em nota, a Codevasf disse que faz licitações abertas à livre participação de empresas de todo o país e suas contratações cumprem a lei.

Afirmou ainda que as ações executadas por empresas contratadas são fiscalizadas internamente e por órgãos de controle.

A Folha procurou Rodrigo Gomes Casanova Júnior por meio de ligações telefônicas, emails e de seu advogado, mas não obteve uma manifestação do engenheiro.

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