Institutos de pesquisa são alvo de políticos há mais de 30 anos

Parlamentares já abriram CPI nos anos 90 para investigar empresas e tentaram aprovar medidas para censurar divulgação de resultados

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São Paulo

Os institutos de pesquisa, especialmente Datafolha e Ipec, têm sido alvo de ataques nos últimos dias. O presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados reclamam enfaticamente do descompasso das pesquisas de véspera em relação aos resultados da eleição divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Na quinta (6), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que vai votar na próxima semana um projeto de lei sobre prazos de pesquisas eleitorais. Também afirmou que a instalação de uma CPI sobre os institutos deve acontecer assim que as assinaturas forem colhidas.

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, no Palácio da Alvorada, em Brasília, nesta quinta (6) - Adriano Machado/Reuters

Dois dias antes, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse que encaminhou à PF (Polícia Federal) um pedido para abrir inquérito sobre os institutos de pesquisas eleitorais. Além disso, a campanha de Bolsonaro tinha acionado a Procuradoria-Geral Eleitoral e o TSE contra os institutos.

Diante da sequência de ataques, a Abep (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) divulgou comunicado no qual diz haver "tentativas de judicialização e politização" nas eleições brasileiras contra as empresas de pesquisa de intenção de voto.

"Instituto de pesquisa é como juiz de futebol: seja qual for o resultado, a mãe dele sempre será xingada", diz, em tom bem-humorado, Carlos Augusto Montenegro, diretor do Ibope por mais de 30 anos e atualmente um dos acionistas do Ipec.

Para ele, as ações para intimidar os institutos nunca foram tão intensas como agora. "O método da campanha do Bolsonaro é atacar, eles trabalham assim", afirma. "As urnas eletrônicas ficaram sob fogo cruzado durante mais de um ano, agora é a vez dos institutos. Quem serão os próximos?"

Esse tipo de pressão, porém, não é nova. Levantamento realizado pela Folha mostra que iniciativas como CPIs, projetos de lei e ações judiciais para proibir as pesquisas eleitorais (ou restringi-las) acontecem há pelo menos 33 anos no Brasil —veja lista abaixo.

"Há um histórico de tentativas de censura no Brasil, patrocinadas por quem perde eleição ou sente que vai perder. Gente autoritária, obscurantista e ignorante, como Jair Bolsonaro, aposta sempre na desinformação e na mentira: a pesquisa eleitoral faz parte da democracia", afirma o advogado da Folha, Luís Francisco Carvalho Filho.

Em 1989, uma articulação de líderes partidários na Câmara dos Deputados levou à aprovação de um projeto que proibia a divulgação de pesquisas nos 30 dias antes das eleições daquele ano. O acordo uniu partidos mais inclinados à direita, como o PFL (que, após fusões, resultou na União Brasil), siglas do centro, como PMDB (hoje MDB), e agremiações mais identificadas com a esquerda, caso do PDT.

A medida não teve efeito prático porque o TSE, à época presidido por Francisco Rezek, considerou o texto inconstitucional.

Em outubro daquele ano, Antonio Manuel Teixeira Mendes, então diretor do Datafolha, participou de uma audiência pública no Senado na qual defendeu os métodos utilizados pelo instituto.

Nove anos depois, em 1998, senadores, insatisfeitos com os resultados dos levantamentos em seus estados, pediram a abertura de uma CPI para investigar os institutos. Com o endosso do então presidente da casa, Antonio Carlos Magalhães (PFL), a comissão teve início, mas definhou poucos meses depois, sem deixar conclusão.

Em novembro daquele ano, os diretores dos principais institutos participaram de uma audiência no Congresso. À frente do Ibope (que deu origem ao Ipec em fevereiro de 2021), Montenegro admitiu um erro na pesquisa no Distrito Federal e citou aprimoramentos técnicos em andamento. Por outro lado, criticou a iniciativa dos parlamentares: "O intuito da CPI é só tumultuar".

Nas décadas seguintes, ações no Congresso ou na Justiça contra os institutos de pesquisa tiveram menor visibilidade, mas os ataques se mantiveram contundentes.

Em outubro de 2014, o então senador Aécio Neves (PSDB) criticou pesquisa do Datafolha que mostrava Dilma Rousseff (PT) numericamente à frente dele na disputa pelo Planalto. Foram "erros grosseiros", afirmou Aécio, que saiu derrotado daquela corrida eleitoral.

Mauro Paulino, diretor do instituto nesse período, respondeu que "as pesquisas divulgadas nesta semana pelo Datafolha mantêm as mesmas bases amostrais das que foram divulgadas na semana passada, que mostravam Aécio Neves numericamente à frente de Dilma Rousseff". E completou: "Até então, não havia nenhuma contestação."

Em abril de 2018, cinco meses antes da eleição para presidente, o Datafolha fez uma pesquisa na qual considerava nove cenários: três deles com Lula, que estava preso, três com Fernando Haddad e três com Jacques Wagner —os dois últimos nomes eram petistas cotados para disputar o Planalto caso o ex-presidente não pudesse concorrer.

"A manobra para tentar criar um imaginário em que Lula não esteja no pleito esbarra numa questão fundamental: a preferência popular", criticou o PT em comunicado. Em setembro daquele ano, como se sabe, Haddad foi oficializado como candidato do partido.

É razoável supor que, além de oportunismo eleitoral, políticos anunciem suas divergências com os institutos de pesquisa por desconhecimento do objetivo desses levantamentos. Como sempre fala Mauro Paulino, hoje comentarista da Globonews, pesquisas de opinião não devem ser usadas para antecipar resultados, mas ajudam a detectar movimentos do eleitorado.

Nos últimos anos, a tensão entre lideranças políticas e institutos se acentuou devido, entre outras razões, ao aumento das mudanças de voto na última hora, impulsionadas pela velocidade com que as informações circulam nas redes sociais.

"Parece um clichê, mas volta a ser importante repetir que a pesquisa avalia o momento em que é feita. Não é um prognóstico. As pessoas esperam que as pesquisas de véspera reproduzam os resultados das urnas, mas elas não fazem isso. Só o levantamento de boca de urna consegue esse objetivo", afirma Luciana Chong, atual diretora do Datafolha.

"As pesquisas servem para acompanhar todo o período eleitoral. O Datafolha e outros institutos sempre apontaram essa polarização entre Lula e Bolsonaro na disputa presidencial, com o petista à frente. Também deixaram evidente a inviabilidade da terceira via."

1989 - Tentativa de censura

O jurista Francisco Rezek, que foi presidente do TSE e impediu a proibição das pesquisas eleitorais - Lula Marques - 1.ago.2012/Folhapress


Ponto de atrito
Lideranças partidárias da Câmara dos Deputados demonstraram insatisfação com a divulgação de pesquisas eleitorais. "A pesquisa não é uma informação de fato político que propicie ao cidadão a análise dos candidatos para uma escolha consciente", afirmou Vivaldo Barbosa (PDT). Ibsen Pinheiro (PMDB) falou em "picaretagem e amadorismo na elaboração das pesquisas".

Ação dos políticos
Em abril de 1989, Câmara aprovou projeto de lei que, entre outras medidas, proibia realização de pesquisas nos 30 dias que antecediam as eleições daquele ano.

Meses depois, Francisco Rezek, então presidente do TSE, afirmou que o tribunal não vetaria a divulgação de pesquisas eleitorais. Deveria prevalecer o entendimento anterior ao projeto dos deputados segundo o qual a proibição seria inconstitucional.

O que disse o Datafolha
Em audiência pública em comissão do Senado, Antonio Manuel Teixeira Mendes, diretor do instituto na época, afirmou que a melhor maneira de fiscalizar as pesquisas é fazendo mais pesquisas.

1998 - PT versus Ibope

Ponto de atrito
Divulgação da pesquisa Ibope da véspera (2 e 3 out.) para o governo de SP não mostrou Marta Suplicy como parte do bloco de candidatos com chance de chegar ao 2º turno.

Ação dos políticos
PT acionou a Justiça contra o Ibope. Cerca de três anos depois, segundo a direção do Ibope, o partido decidiu abandonar o caso.

O que disse o Ibope
Segundo Carlos Augusto Montenegro, diretor do instituto na época, houve um equívoco na forma de divulgação nos telejornais da Globo. A emissora deveria ter apresentado os quatro candidatos ao governo de SP que lideravam a disputa, e não apenas os três primeiros, de acordo com ele.

O departamento de comunicação da Globo enviou a seguinte nota: "A Globo segue sempre a orientação dos institutos de pesquisa, divulgando o que determinam. Foi assim no passado e continua a ser no presente".

Esse episódio chamou a atenção para a margem de erro das pesquisas, aspecto que ganhou mais destaque a partir de então.

1998 - CPI das pesquisas

Antônio Carlos Magalhães durante evento em São Paulo em 2002 - Moacyr Lopes Junior - 29.jul.2002/Folhapress

Ponto de atrito
No início de novembro daquele ano, o senador Ademir Andrade (PSB-PA) pediu abertura de CPI para apurar supostas irregularidades cometidas por institutos de pesquisa. Segundo Andrade, institutos teriam "manipulado" pesquisas, prejudicando candidatos como ele.

Ação dos políticos
Em meados de dezembro, CPI foi instalada com apoio do então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). Comissão não prosperou e foi encerrada depois de poucas reuniões.

O que disseram os institutos
Em audiência na Câmara dos Deputados, representantes dos institutos atribuíram parte das supostas discrepâncias entre os resultados apurados e os números oficiais das eleições a erros nas votações em urna eletrônica, como digitação incorreta. Também sugeriram a criação de um manual sobre a divulgação dos levantamentos.

2014 - Aécio ataca Datafolha

Ponto de atrito
Aécio Neves (PSDB) e o instituto de estudos ligado ao partido, Teotônio Vilela, criticaram a pesquisa, que mostrava Dilma numericamente à frente do tucano.

Ação dos políticos
Aécio não entrou na Justiça, mas subiu o tom nas reclamações. Institutos cometeram "erros grosseiros", afirmou.

O que disse o Datafolha
O então diretor do instituto, Mauro Paulino, afirmou que "as pesquisas divulgadas nesta semana pelo Datafolha mantêm as mesmas bases amostrais das que foram divulgadas na semana passada, que mostravam Aécio Neves numericamente à frente de Dilma Rousseff." E completou: "Até então, não havia nenhuma contestação."

2018 - PT versus Datafolha

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante entrevista à Folha em janeiro de 2018, três meses antes de ser preso - Marlene Bergamo jan.2018/Folhapress

Ponto de atrito
Na pesquisa para presidente, realizada em abril de 2018 (cinco meses antes da eleição), o Datafolha apresentou nove cenários: três com Lula, que estava preso; três com Fernando Haddad, que acabou sendo o candidato do PT; e três com Jacques Wagner, nome também cotado naquele momento.

Ação dos políticos
O PT divulgou um comunicado em que criticava a opção feita pelo Datafolha. "A definição de candidatura para as eleições de outubro de 2018 está clara: Lula será o nosso candidato aconteça o que acontecer", afirmou a legenda. "A manobra para tentar criar um imaginário em que Lula não esteja no pleito esbarra numa questão fundamental: a preferência popular."

O que disse o Datafolha
O instituto não respondeu à reclamação do PT. No início de setembro, Haddad foi anunciado pelo PT como candidato à Presidência.

2018 - Datafolha na mira dos bolsonaristas

Ponto de atrito
O presidente Jair Bolsonaro e muitos dos seus apoiadores dizem que as pesquisas Datafolha realizadas em 2018 tinham apontado que Fernando Haddad (PT) teria sido eleito presidente. Assim, tentam sugerir que os resultados não são confiáveis.

O que disse o Datafolha
Houve um único momento em que Bolsonaro apareceu com pontuação abaixo da obtida por Haddad: na simulação de segundo turno de pesquisa feita em 28 de setembro de 2018. O petista tinha 45%, contra 39% do atual presidente.

Nas outras pesquisas, ou há empate técnico ou vitória de Bolsonaro. Em outras palavras, os posts que questionam a credibilidade do Datafolha não consideram a série de pesquisas, apenas uma delas.

Ação dos políticos
"Essas pesquisas não valem de nada. Erraram tudo em 2018", afirmou Bolsonaro em setembro deste ano, entre outras críticas ao Datafolha

2018 - Caso Witzel

Ponto de atrito
Institutos não detectaram o fortalecimento de Wilson Witzel na reta final do 1º turno

Ação dos políticos
Em entrevista coletiva depois de ter saído vitorioso no 1º turno, Witzel disse: "Essas pesquisas precisam ser repensadas porque não retratam a realidade. Houve de fato uma decisão pelo voto em mim de última hora, mas pesquisas internas já apontavam um forte crescimento nos últimos dias".

O que dizem os institutos
"Esta é a eleição mais imprevisível pós-redemocratização, catalisada ainda pelas redes sociais de mensagens instantâneas, que influenciam a opinião pública e são difíceis de serem fiscalizadas. Mas não é só por causa dessa gama de vetores com forte poder de influência sobre o eleitorado que os percentuais na pesquisa de véspera não podem ser comparados com os da urna. É porque o procedimento é tecnicamente incorreto mesmo", escreveram Mauro Paulo, diretor do Datafolha naquele momento, e Alessandro Janoni, então diretor de pesquisas do instituto.

"A polarização da eleição presidencial mobilizou as atenções e as pessoas só pensaram no resto depois", afirmou a diretora do Ibope, Márcia Cavallari.

2022 - Bolsonaro contra-ataca

Ponto de atrito
Pesquisas de véspera do Datafolha e do Ipec indicaram pontuação para Bolsonaro no 1º turno aquém do que ele obteve nas urnas.

Ação dos políticos
Entre outras críticas aos institutos, Bolsonaro afirmou: "Esses institutos estão trabalhando, na verdade, para quem os contrata, não é para fazer pesquisa séria. A intenção é interferir na democracia".

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, afirmou que a instalação de uma CPI sobre os institutos deve acontecer assim que as assinaturas forem colhidas.

Ministério da Justiça mandou para a PF (Polícia Federal) pedido para que apurem a discrepância dos resultados.

O que dizem os institutos
"Pesquisa não é prognóstico. O resultado final é só na urna", afirmou Luciana Chong, diretora do Datafolha, que refutou a tese de ter acontecido algum tipo de erro metodológico.

Segundo Chong, é bastante provável que tenha emergido nas horas finais um voto útil pró-Bolsonaro oriundo dos eleitores que antes declaravam preferência por Simone Tebet e, principalmente, por Ciro Gomes.

Em nota, a direção do Ipec afirmou que "Bolsonaro obteve 6 pontos a mais do que a pesquisa mostrava. Em nossa avaliação, isto ocorreu por tendências também já apontadas pela pesquisa: 3% que ainda estavam indecisos; Ciro Gomes, que na pesquisa aparecia com 5% e obteve 3% dos votos na apuração; além do índice de Simone Tebet que também ficou um ponto abaixo do que a pesquisa mostrava (obteve 4% na apuração vs. 5% na pesquisa). Tais fatores já demonstravam uma provável migração de votos para Bolsonaro".

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