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Atos violentos de bolsonaristas antecederam invasão golpista na Esplanada

Sabotagem, saques, sequestro e tentativa de homicídio marcaram manifestações nos últimos meses

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Salvador, Porto Alegre e São Paulo

A invasão golpista na esplanada dos ministérios neste domingo (8) acontece após uma escalada da violência em atos antidemocráticos liderados por bolsonaristas nos últimos meses.

As ações fizeram desmoronar o discurso público do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus aliados, que destacavam as manifestações como ordeiras e pacíficas e buscavam associar protestos violentos a grupos de esquerda.

No dia 12 de dezembro, data em que o presidente Lula (PT) foi diplomado, bolsonaristas tentaram invadir a sede da Polícia Federal após o ministro Alexandre de Moraes decretar a prisão de um manifestante. A ordem foi seguida por atos de vandalismo em Brasília, com veículos queimados e postes depredados.

Casos de violência em bloqueios pelo país incluíram agressões, sabotagem, saques, sequestro e tentativa de homicídio, as manifestações atingiram seu ponto crítico no final de novembro e acenderam o alerta das autoridades, que realizaram prisões e investigam até possível crime de terrorismo.

Os responsáveis poderão ser punidos na Justiça com base na Lei Antiterrorismo, legislação que os próprios bolsonaristas tentaram endurecer visando punir manifestantes de esquerda.

Bolsonaristas invadem Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília - Evaristo Sá/AFP

Desde a derrota nas urnas em 30 de outubro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro fez poucos discursos públicos. Sem condenar a pauta golpista de seus aliados, ele criticou os métodos que incluíam o fechamento de rodovias.

O último pronunciamento foi em uma livre de despedida, no dia 30 de dezembro, antes de viajar para os Estados Unidos. Na ocasião, Bolsonaro condenou uma tentativa de ato terrorista em Brasília.

Na véspera do Natal, George Washington de Oliveira Sousa foi preso sob a acusação de tentar explodir um caminhão de combustível em via próxima ao aeroporto de Brasília.

"Nada justifica aqui em Brasília essa tentativa de ato terrorista no aeroporto de Brasília. Nada justifica. Um elemento que foi pego, graças a Deus, com ideias que não coadunam com nenhum cidadão. Agora massifica em cima do cara como bolsonarista o tempo todo. É a maneira da imprensa tratar", disse Bolsonaro.

Em 1º de novembro, quando ao menos 230 trechos de rodovias do país estavam bloqueados, Bolsonaro classificou as manifestações como resultado da "indignação e sentimento de injustiça" sobre a forma como se deu o processo eleitoral.

"As movimentações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônios e cerceamento do direito de ir e vir", afirmou Bolsonaro na ocasião.

Desde então, contudo, as franjas mais radicais do bolsonarismo não só não deixaram as ruas como dobraram a aposta na violência, com destaque para os estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Rondônia.

Em Rondônia, manifestantes destruíram uma adutora com uma escavadeira e deixaram parte da população da cidade de Ariquemes sem abastecimento de água. O governador Coronel Marcos Rocha (União Brasil) pediu apoio da Força Nacional e o Ministério Público instaurou um procedimento de investigação criminal.

Responsável pelo caso, o promotor Tiago Cadore avalia o ato como um possível crime de terrorismo. Argumenta que o caso pode ser enquadrado desta forma por sabotar o funcionamento de serviço público essencial à população.

A Lei Antiterrorismo foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016 na esteira das Olimpíadas do Rio de Janeiro.

Desde então, foram apresentados ao menos 36 projetos para endurecer a lei, aponta levantamento do Demodê (Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades), vinculado ao Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.

Em sua maioria, são propostas de deputados bolsonaristas que miram ações de movimentos sociais organizados como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). As propostas de mudança não prosperaram, mas esp ecialistas dizem que há brechas.

"Apesar da salvaguarda aos movimentos sociais democráticos, a lei que pode cair no fator subjetivo. No limite, o que vai definir o seu uso é o posicionamento político de promotores e juízes", explica o cientista político Thiago Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília).

Ele é contra a existência de uma Lei Antiterrorismo e seu uso mesmo contra movimentos antidemocráticos. O arcabouço legal do país, para Trindade, já dá conta de casos como estes sem precisar de um instrumento legal específico.

Autor de um dos projetos que visa endurecer a Lei Antiterrorismo, o senador gaúcho Lasier Martins (Podemos) nega a intenção de criminalizar movimentos sociais. O projeto de sua autoria restabelece trechos da lei vetados por Dilma.

Hoje, o senador enfatiza que o contexto político é diferente de 2020, quando o projeto foi debatido pela última vez na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e teve relatório favorável do bolsonarista Magno Malta (PL).

O texto inclui, entre as definições de ato de terrorismo, "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado, com o objetivo de forçar a autoridade pública a praticar ato, abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral".

Bolsonaro classificou o projeto de Lasier, à época, como "louvável". Hoje, se aprovado, ele enquadraria com precisão cenas com as vistas em Mato Grosso nas últimas semanas.

"Sigo defendendo que a lei é meritória contra promover incêndios, quebra-quebras, baderna. Não tenho visto isso nas manifestações políticas de hoje. Salvo alguns casos pontuais em rodovias", diz o senador.

Além da investigação de terrorismo em Rondônia, o Ministério Público Federal do Pará investiga o crime de tentativa de homicídio qualificado após um grupo de bolsonaristas que comandou bloqueios da BR-163 em Novo Progresso atacar com tiros a agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Na avaliação da Procuradoria, o grupo é suspeito de dez crimes (incluindo tentativa de homicídio qualificado), achincalhou instituições e buscou uma "constrangedora, criminosa e delirante" intervenção militar.

Casos como esses criaram uma espécie de curto-circuito na base bolsonarista, que se divide entre os que silenciam sobre os episódios violentos e os que os condenam, e por isso passaram a ser alvo de críticas das franjas mais radicais.

Presidente nacional do PL, Valdemar da Costa Neto criticou as ações violentas ao mesmo tempo em que insuflava base bolsonarista questionando no Tribunal Superior Eleitoral o resultado do segundo turno das eleições presidenciais.

Em 23 de novembro, ele afirmou que os bloqueios de estradas e saques partiram de infiltrados. E sugeriu que pessoas que atuam com cargas roubadas e importação ilegal de defensivos agrícolas em Mato Grosso estão usando de violência nos atos para pressionar fazendeiros.

"Nós temos que lutar e usar a força contra isso. Ninguém pode impedir o direito de ir e vir", disse.

Um dos principais aliados do presidente em Mato Grosso, o deputado federal José Medeiros (PL) também condena os episódios violentos em seu estado e diz que estes partiram de grupos minoritários.

"A maioria dos protestos é formada por famílias, crianças e velhinhas. Se você perguntar, ninguém ali é a favor de queimar um caminhão sequer. Mas quando acontece [um ato de violência] acaba refletindo em todo mundo", afirma.

Ao mesmo tempo em que critica a violência, o deputado defende o silêncio que Bolsonaro adotou perante esses crimes: "Penso que o presidente deve ficar quieto mesmo. Ele não causou nada disso, quem causou foi o [ministro do STF] Alexandre de Moraes."

Na bancada do PL de Santa Catarina, estado em que a PRF identificou métodos semelhantes aos de terroristas e black blocs nos ataques, os discursos em redes sociais estão voltados a reclamar de censura e arbitrariedades da Justiça.

Eleito deputado federal, o empresário Jorge Goetten (PL) foi o único a se manifestar prontamente contra os bloqueios. Ele publicou um vídeo sobre o assunto pouco antes do presidente fazê-lo. Nos comentários, a reação foi dividida. Diversos eleitores se disseram arrependidos do voto.

"Expliquei que não fazia sentido um dos estados que mais deu votos a Bolsonaro prejudicar a sua própria economia. Se alguns não entenderam, paciência. Falei minha opinião como cidadão".

Goetten evita, todavia, criticar os colegas de bancada por atitudes golpistas ou por não apaziguar as ruas após o resultado das eleições.


Veja casos de violência pelo país

Rondônia
Parte da cidade de Ariquemes ficou sem água depois que manifestantes quebraram adutora com escavadeira. Ministério Público investiga se houve crime de terrorismo por sabotagem a serviço público essencial à população. Também houve ataque a caminhões com incêndio, depredação e saque. Em outras cidades, um caminhoneiro e um carro foram apedrejados

Pará
Manifestantes atiraram contra agentes da PRF em Novo Progresso. Ministério Público investiga se houve tentativa de homicídio qualificado e outros nove crimes

Mato Grosso
Em Lucas do Rio Verde, Homens invadiram e incendiaram caminhões em base de uma concessionária. Em Sinop. dois caminhões foram atingidos por tiros. Dois caminhões-tanque foram incendiados e um funcionário de concessionária foi sequestrado

Santa Catarina
PRF apura ocorrências criminosas promovidas por baderneiros com métodos de grupos terroristas e black blocs. Houve bombas caseiras e rojões, além de pregos para furar pneus, pedradas e barricadas. Um homem é suspeito de associação criminosa, desobediência de ordem legal e outros crimes

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