Descrição de chapéu Governo Lula forças armadas

Parecer do Exército autoriza construção de ferrovia perto de área alvo de canhões

Documentos obtidos pela Folha destacam prejuízo de estrada de ferro a treinamentos militares; distância mínima seria de 750 metros

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Brasília

Relatório técnico produzido pelo Exército deu aval para que uma ferrovia em construção em Mato Grosso, negociada entre a Rumo e a Força, pudesse ficar a 200 metros de área usada como alvo por militares em treinamentos de tiro com canhões. Depois, empresa e Exército chegaram a um acordo para aumentar a distância, ainda inferior ao mínimo recomendado.

Segundo o parecer obtido pela Folha, a ferrovia pode ser atingida por estilhaços de munições e cargas de detonação ou mesmo sofrer problemas decorrentes da possível desestabilização do solo.

Para evitar incidentes, a Rumo e o Exército acertaram na última semana de novembro aumentar a distância para 400 metros e evitar que os trens passem pela região enquanto o 18º Grupo de Artilharia de Campanha realiza os treinamentos com tiros do obuseiro —arma militar cujo disparo atinge até 21 km de distância.

Canhões do Exército são expostos durante cerimônia no Rio de Janeiro - Jorge Araújo - 25.dez.99/Folhapress

A ferrovia construída pela Rumo terá mais de 700 km e ligará a estação de Rondonópolis a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, cidades de Mato Grosso. Com esse braço, será possível unir pelo modal ferroviário a região norte do estado, de alta produção agrícola, ao porto de Santos (SP).

O traçado da ferrovia, porém, passa dentro de área militar do Exército no município de Rondonópolis. O local possui 1.700 hectares e é utilizado pela artilharia do Exército para treinos de tiros de canhões e explosivos.

Em troca do espaço na área militar, o Exército pediu que a Rumo construa casas para um general, para um oficial superior e um bloco de 12 apartamentos para militares, entre outras benfeitorias avaliadas em R$ 16,5 milhões.

A construção da ferrovia na área militar traz "evidente prejuízo à instrução e ao adestramento da OM (Organização Militar)", segundo o parecer feito pelo major Mateus Tonini, da Artilharia Divisionária da 5ª Divisão do Exército.

No documento, Tonini afirma que instruções internas do Exército estabelecem distância mínima de 750 metros, a depender do armamento, entre o local em que a munição cai e armazéns, construções e estradas de rodagens e de ferro.

No caso do obuseiro 105mm, um dos principais armamentos utilizados pela artilharia no campo de Rondonópolis, a margem de segurança é de pelo menos 480 metros, segundo a literatura militar utilizada pelo autor do parecer.

Quando for impossível manter a distância, segundo Tonini, os regulamentos dizem que é preciso utilizar anteparos para garantir a segurança da ferrovia.

"A linha férrea na área do 18º GAC está planejada contornando o perímetro da área de alvos a uma distância aproximada de 200 m. Este fato coloca o traçado da ferrovia numa área possível de sofrer estilhaços de toda a ordem (cargas de detonação, munição e do terreno) inclusive sofrendo a onda de choque, que pode vir a desestabilizar o solo, tornando-se possível fator contribuinte de dano à via férrea e suas consequências", diz trecho do parecer.

Apesar dos alertas, o major Tonini conclui que a "área pode ser cedida para a construção da ferrovia desde que sejam respeitados os aspectos de segurança já elencados". São eles: a interrupção da ferrovia nos momentos em que houver disparos e a realização de inspeção técnica por empresa capacitada após os treinamentos, para verificar possível dano à estrada de ferro.

A decisão do Exército, em acordo com a Rumo, foi afastar a área de alvo para 400 metros —ainda considerada insuficiente para evitar acidentes, conforme o relatório.

Segundo a Força, a distância está "adequada e não trará prejuízo para os exercícios de tiro que serão executados".

No debate interno do Exército sobre como seria redigido o contrato com a Rumo, os chefes militares recomendaram excluir da Força qualquer responsabilidade por acidentes ou danos decorrentes da passagem de trens em local próximo aos tiros de canhões.

"Sugere-se como medida preventiva a inclusão de item com a redação expressa de que a União/Exército encontra-se isenta de qualquer responsabilidade civil, administrativa e penal sobre possíveis danos ambientais e suas repercussões. Também que seja expressamente excluída a responsabilidade por acidentes que possam vir a ocorrer na área cedida, tendo em vista que os exercícios de tiro ocorrem na área há várias décadas", escreveu em nota técnica o 1º tenente Vitor de Araújo Gruhn, chefe da Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos da Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente do Exército.

O contrato firmado entre a Rumo e o Exército estabelece algumas medidas de segurança para reduzir a chance de acidentes.

Além da interrupção da operação dos trens quando os tiros de obuseiro forem realizados, prática que ocorre menos de cinco vezes por ano, a Rumo terá de construir duas torres de vigia e levantar uma cerca ao redor da faixa de domínio da ferrovia, entre outros pontos.

O Exército afirma que os riscos da operação da ferrovia e os treinamentos militares foram "mitigados/dirimidos na fase de estudo do projeto".

"O contrato estabelece que em momento algum a Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel [da área pela Rumo] poderá impossibilitar as atividades de preparo e emprego, apoio logístico, administração e assistência social à família militar", disse, em nota.

Para evitar o prejuízo aos militares, a Rumo chegou a oferecer a entrega de uma fazenda distante 30 km da atual área militar. O Exército, porém, disse que o terreno tinha uma dimensão menor que a necessária, além de 25% da área ser inundável durante os períodos chuvosos.

Com a negativa dos militares, a Rumo aceitou as contrapartidas definidas pela Força.

A área utilizada pelo Exército para o treinamento militar foi doada pelo estado de Mato Grosso e pela Prefeitura de Rondonópolis na década de 1970.

No período, era comum o Exército ampliar seus terrenos por meio de doações.

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