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Decisão do STF não encerra assédio judicial a jornalistas, mas dificulta, diz advogada

Taís Gasparian representou Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) em caso julgado nesta quarta-feira

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São Paulo

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que declarou o assédio judicial a jornalistas inconstitucional não acaba com a prática, mas deve dificultá-la muito, avalia a advogada Taís Gasparian.

Representante da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) no caso julgado nesta quarta-feira (22) e advogada da Folha, ela atuou em episódio paradigmático do tema de julgamento do tribunal após reportagem publicada em 2007 no jornal.

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Taís Gasparian, advogada da Folha e representante da Abraji no julgamento do STF que declarou inconstitucional o assédio judicial a jornalistas - Mathilde Missioneiro - 29.nov.2023/Folhapress

O texto, de autoria da jornalista Elvira Lobato, repórter da Folha por 27 anos, detalhava o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus.

Em reação a ele, fiéis e pastores moveram mais de uma centena de ações contra a repórter e contra o jornal, em locais diferentes, com a alegação de danos morais.

As ações não contestavam as informações contidas no texto e tinham trechos muito semelhantes.

No ano seguinte, Elvira ganhou o Prêmio Esso de jornalismo pela reportagem. A Folha também venceu as 103 ações, que exigiram uma mobilização inédita para a defesa, que Gasparian detalha em entrevista.

O episódio consagrou o uso da expressão assédio judicial contra jornalistas, cunhada pela advogada, prática que não cessou. Com a decisão judicial, o Supremo dá mais um passo para combatê-lo, diz.

Qual é o significado dessa decisão para o jornalismo?
É importantíssima. Ela reitera a posição do Supremo Tribunal Federal em sucessivas decisões ao longo dos últimos 20 anos em prol da liberdade de expressão. E ganha ainda mais importância porque o tribunal, com uma formação que mudou bastante nos últimos anos, reitera a primazia da liberdade de expressão sobre outros direitos fundamentais. Com relação ao assédio judicial especificamente, a decisão do Supremo não acaba com essa prática, mas dificulta muitíssimo a existência dela.

Por que dificulta?
Porque o assédio judicial se dá principalmente por meio do Juizado Especial Cível, com os autores propondo as ações no seu próprio domicílio, contrariando a regra geral do Código de Processo Civil, que determina que as ações são propostas em regra no domicílio do réu. Ao acolher essa ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] da Abraji, a decisão determina que, quando se configurar a prática de assédio judicial, a ação deve ser imediatamente remetida para o foro do domicílio do réu. Bastará uma decisão para acabar. Não vai ser como aconteceu com a Elvira Lobato, que teve que viajar o Brasil todo para se defender dos processos.

O que a levou a usar a expressão assédio judicial contra jornalistas?
A expressão recebeu muitas críticas, algumas delas do Poder Judiciário. Queriam tirar a palavra judicial para chamar de assédio processual. Defendi muitas vezes, e muitas pessoas se somaram nessa defesa, que a palavra judicial tinha necessariamente que estar na expressão, porque era por intermédio do Judiciário que era feito o assédio. Era no quintal da magistratura. Sem contar que muitas vezes são os próprios magistrados ou outras figuras do Poder Judiciário que acabam protagonizando esse assédio judicial.

No caso da Elvira Lobato, quando ficou claro que havia um assédio judicial?
No começo, nós não tínhamos noção do que estava acontecendo, mas aí começaram a chegar as ações e o quadro foi ficando mais claro. Primeiro chegaram três, depois quatro, aí um dia chegaram dez, e depois de dois meses e pouco já havia 90 ações —foram 103 ao todo, ganhamos todas.

E como foi enfrentar essa enxurrada de ações?
Começamos a fazer planilhas e tivemos que contratar advogados para conseguir dar conta da locomoção, até porque foi justamente naquela época que teve o apagão aéreo. Ficou muito complicado viajar. A Elvira também teve que se deslocar para muitas audiências, porque, se não fosse, seria considerada revel [quando o réu é comunicado do processo e não se defende] e todas as alegações do processo seriam tidas como verdadeiras. Foi um caos. Os processos eram movidos em cidades a longas distâncias das capitais dos estados, então era preciso pegar avião e depois seguir por mais horas de viagem de carro. Houve lugares a que a equipe jurídica só conseguia chegar de barco.

Vencido esse desafio, quais são os outros atualmente em relação à liberdade de imprensa?
Eu acho que o próximo desafio é a descriminalização das ofensas contra a honra. É necessário que elas sejam retiradas da área criminal e passem a ser tratadas apenas na esfera civil. Não tem cabimento um jornalista ser processado criminalmente sob a alegação de ter ofendido a honra de alguém. E muitos ainda são, não só processados, como condenados e às vezes com mandado de prisão expedido.

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