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Lucia Murat rememora cartas em documentário; leia entrevista
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ANA ELISA FARIA
DE SÃO PAULO
Se em "Que Bom Te Ver Viva", de 1989, Lucia Murat usou Irene Ravache para representar suas experiências durante a ditadura militar brasileira, em "Uma Longa Viagem" quem empresta seus dotes é Caio Blat, que encena as vivências de Heitor, seu irmão caçula.
O filme, que estreou na sexta-feira (11), é um documentário dramático que, por meio de leituras e interpretações de Blat, relembra cartas trocadas por Heitor --enviado a Londres em 1969 para não se juntar à irmã na luta armada-- com a família.
Divulgação | ||
Pelo papel no documentário "Uma Longa Viagem", de Lucia Murat, Caio Blat foi eleito o melhor ator do Festival de Gramado de 2011 |
Interessante, o personagem, que vemos por meio de entrevistas encabeçadas pela própria cineasta e na pele de Blat, viaja pelo mundo durante nove anos, passando pela Inglaterra, pelos Estados Unidos e pela Índia. Além das viagens físicas feitas por ele e mostradas na tela em forma de projeções da época, Heitor fez inúmeras "viagens" sob o efeito de drogas.
Narrada por Lucia, que ficou presa de 1971 a 1974, a obra retrata, de maneira nostálgica, doce e subjetiva, a geração reprimida pela ditadura.
Abaixo, leia a íntegra da entrevista com a cineasta.
*
sãopaulo - O que a motivou a fazer um documentário sobre a intimidade da sua família?
Lucia Murat - Na verdade, é um filme que começou como um registro familiar há 30 anos, quando minha mãe decidiu datilografar todas as cartas do meu irmão. Ela me deu três volumes de escritos e pediu para eu fazer um livro. Eu guardei o material porque na época tinha acabado de sair da cadeia e estava sem condições de fazer muita coisa. Quando meu irmão Miguel morreu, em 2009, quis registrar a época com entrevistas. Não tinha pensado em fazer um filme, era uma coisa de registro ainda. Então, comecei a ler as cartas e, de repente, descobri coisas incríveis e bonitas. A partir daí, tive a ideia do filme e escrevi o roteiro como uma homenagem ao Miguel, e para falar dos três que viveram aquele período de tanta radicalidade.
Como as cartas viraram um longa?
Foi um processo muito criativo transformar palavras em filme. Fiz uma grande busca de imagens, de formas. Não queria fazer só um registro geográfico, mas também passar a sensação da época. Hoje em dia você tem e-mail, mas naqueles anos as cartas, em geral, levavam dois meses para chegar.
Por isso a escolha de um ator?
Sim. Eu não queria um documentário normal, com imagens, cartões postais e atores falando em "off". Precisava passar sensações por meio de alguém. Sempre gostei do trabalho do Caio [Blat], e ele do meu. Nos trombamos há muito tempo e várias vezes estivemos para trabalhar juntos, mas nunca aconteceu, por agenda ou porque os personagens não cabiam para ele. Quando pintou essa oportunidade, ele estava com tempo e foi muito bom. Para o papel, o Caio pediu, de cara, duas coisas que definem o quanto ele é um bom ator. Primeiro para conhecer o Heitor e, depois, para ler as cartas originais. Ele até mudou algumas coisas, pediu para acrescentar outras. Ele imergiu no personagem.
Como foi a experiência de dirigir e de, certa forma, atuar?
Não cheguei a ser um Woody Allen [risos]. Apareço bem pouco no filme, mas narro a história. O filme, de qualquer maneira, é a minha visão da história. Sempre fazemos uma história baseada naquilo em que acreditamos, só que estamos disfarçados pela ficção. Dá para brincar um pouco, mentir um pouco. No caso, aqui não dá. Mesmo que a sua memória seja seletiva ou fantasiosa, é ela. É o que você acredita que aconteceu que está lá na tela.
Como foi voltar para essa história?
Foi muito bom resgatar nós três, resgatar uma época em que os três rebeldes aprontavam. Adorei entrevistar o Heitor e descobrir coisas que eu não sabia.
Como você vê a produção nacional atual, tanto de ficção como de documentário?
O cinema brasileiro de hoje é muito plural, o que é muito bom. Ao mesmo tempo, existe uma tendência muito ruim, que é um mercado totalmente voltado para comédias com atores de televisão e que reproduzem um pouco a estética televisiva. Fora isso, todos os outros filmes têm sentido uma imensa dificuldade de se posicionar no mercado. Uma produção como "Xingu", por exemplo, tem muitos obstáculos para chegar ao que pretende porque o mercado está posicionado e muito disposto para outras coisas. Então, acho que a política cinematográfica atual precisa se voltar para essa questão e abrir seu leque.
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