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26/07/2010 - 10h37

Moradias coletivas colocam casarões em ordem para vistoria; veja slide show

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ROBERTO DE OLIVEIRA
DE SÃO PAULO

Atualizado em 28/07/2010 às 18h38.

"Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas" (trecho de "O Cortiço"). Ao contrário do que escreveu Aluísio Azevedo, na obra de 1890, o cortiço não tem hora certa para despertar. Numa cidade tão frenética como SP, a toda hora tem gente que entra e sai.

Garapa/.
Moradias coletivas colocam casarões em ordem, como no caso do imóvel localizado na rua Joao Teodoro, 931, no bairro do Pari
Moradias coletivas colocam casarões em ordem, como no caso do imóvel na rua Joao Teodoro, 931, no bairro do Pari

Na movimentada rua João Teodoro, no Pari (região central), a porta alta de madeira maciça e os janelões geminados entregam: aquele casarão do número 931 é antigo. Para ser preciso, de 1944. Mas quase ninguém bota reparo nos detalhes arquitetônicos. O que impressiona mesmo é que, dentro dele, vivem 37 famílias de diferentes cantos.

Alguns o classificam de cortiço. Outros, por acharem esse termo depreciativo, preferem chamá-lo de pensão ou de moradia coletiva. Parece que a gente vive de pernas para o ar. Aqui não é assim", explica o paulista aposentado Cleori Guimarães, 70, 20 anos no casarão.

Uma parcela significativa não tem intenção de se mudar. "Entro no trabalho às 4h. Saio de casa meia hora antes. Já imaginou se morasse em Itaquera?", questiona a vendedora Rosângela Gomes da Silva, 24, que divide o quarto de 16 m2 com duas irmãs e uma prima, todas do norte de Minas.

O casarão do Pari faz parte de um trabalho sobre cortiços feito pela Secretaria Municipal de Habitação. O estudo, que começou em 2005, levantou dados sobre a Sé e a Mooca e vistoriou 1.814 cortiços.

Desse total, 280 estão em reforma, 66 foram interditados e 723 viraram comércio. Restaram 1.091, nos quais vivem 11.446 famílias. Um total de 2.706 famílias receberam cartas de crédito para imóveis da CDHU.

Veja vídeo

Após a vistoria, os proprietários têm, em média, oito meses para colocar a casa em ordem. Adequaram-se à lei, sob pena de multa de cerca de R$ 19 mil, 36 imóveis. Entre os problemas, condições críticas de higiene, falta de ventilação e de iluminação e banheiros impróprios.

Um dos objetivos do programa é aplicar a Lei Moura, de 1991, que obriga proprietários a manter padrões e parâmetros mínimos nas habitações: medidas como usar botijões de gás do lado de fora, ampliar o tamanho de janelas e vitrôs e colocar azulejos nos banheiros. O programa inclui um trabalho social com proprietários e moradores.

O resultado do levantamento virou livro e exposição de fotos. Estas, a partir da próxima quinta, estarão na estação Júlio Prestes, sob a curadoria da fotógrafa Maurren Bisilliat.

Para Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relatora especial da ONU para o Direito à Moradia, a lei já deveria ter sido implementada. Segundo ela, o valor da carta de crédito, oferecida quando o cortiço é interditado, só permite ao morador encontrar imóvel na periferia. "O problema é não apenas o valor mas também o fato de ser a única opção."

Essa modalidade de moradia está ligada aos primórdios da industrialização, que se iniciou nas últimas décadas do século 19, período de expansão em decorrência do grande fluxo de imigrantes.
Depois dos europeus, os cortiços foram ocupados principalmente por nordestinos e, atualmente, também por bolivianos e paraguaios.

Segundo a arquiteta Elisabete França, superintendente de Habitação Popular da Secretaria Municipal de Habitação, responsável pelo estudo, existem cortiços que funcionam há mais de cem anos no Glicério e perto do Mercadão. "Geralmente, esses imóveis estão em áreas que não são atraentes para o setor imobiliário."

Tatuapé e Consolação

Mas esses casarões sublocados existem também em bairros como Tatuapé e Consolação. Há os que só abrigam solteiros. Em comum, todos estabelecem um "manual de comportamento" para facilitar o convívio. Proprietários quase nunca residem nos imóveis. Eles acabam delegando a administração para algum morador mais antigo.

No da Serra de Jairé, no Belém (zona leste), quem faz a triagem dos moradores é Shirley Soltello, 50, 31 deles vivendo no mesmo imóvel. Gente com criança não é bem-vinda, ao contrário dos solteiros.

"Meus pais estavam apreensivos quando disse que era cortiço, mas ficaram surpresos com o que viram", conta a promotora de eventos Ana Claudia Viana, 24, que vive lá há dois anos, num quarto com cama, cozinha, computador e TV. "O problema é ir ao banheiro, do lado de fora, quando chove."

Na 21 de Abril, no Brás (zona leste), quem administra os 46 cômodos de 2,50 m2 é a paraibana Maria Aparecida Lopes, 22. Com exceção dela e da filha de cinco anos, os demais moradores são homens. Placas em diferentes pontos anunciam as proibições: fogão elétrico, micro-ondas, som alto, geladeira velha, beber ou fumar no corredor.

Pertinho dali, na Campos Sales, um casarão do início do século passado teve de reduzir de 14 para nove o número de quartos, para se adequar à lei. João Batista de Moraes, 53, mora num casarão vizinho há 25 anos. É ele quem toma conta do imóvel.

Dependendo do tamanho do quarto, o aluguel varia de R$ 200 a R$ 300, com direito a empregada duas vezes por semana. Existe até lista de 12 inquilinos interessados em se mudarem para lá. "O próprio morador acaba indicando outro", diz.

Até o fim deste ano, o programa deverá percorrer os bairros do Ipiranga e da Vila Mariana, onde cortiços também persistem.

Os moradores

  • Pagam aluguel de R$ 260 por mês (média)
  • São famílias pequenas (casais; casais com um ou dois filhos; solteiros e idosos)
  • Costumam trabalhar em atividades informais no centro
  • Os brasileiros vêm do interior de Minas Gerais e do Nordeste
  • Os estrangeiros são da Bolívia e do Paraguai
  • Têm renda média familiar de três a quatro salários mínimos
  • Somam, em média, 1,92 morador por cômodo

Não é permitido

  • Chamar o lugar de cortiço
  • Cães e gatos
  • Banho em casal
  • Escovar os dentes na pia de lavar as louças
  • Tocar a campainha depois das 22h
  • Deixar bicicletas ou máquina de lavar no corredor

Está liberado

  • Chamar o espaço de moradia coletiva ou pensão
  • Pássaros e tartarugas
  • Levar namorado (a) para dormir (desde que não vire inquilino informal)
  • Cada um carregar a sua própria chave e trancar a porta ao entrar ou sair
 

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