Descrição de chapéu O Futuro do Nordeste

Visão do resto do país sobre Nordeste é negativa e falsa, diz economista

Pesquisadora afirma que região precisa deixar de ser tratada como um espaço à parte

Ocimara Balmant
São Paulo

O grande problema do Nordeste é a visão que o resto do país tem dele: negativista e falsa. A opinião é da cientista social e economista pernambucana Tania Bacelar.

Especialista em desenvolvimento regional, principalmente do Nordeste, a pesquisadora defende investimentos em infraestrutura e educação para a retomada do crescimento local e diz que a região precisa estar integrada às políticas nacionais.



Os números mostram que o Nordeste foi a região que mais sofreu os impactos da crise econômica. Por quê?
Concentramos 28% da população e 15% do PIB [Produto Interno Bruto]. É economia de menos e gente demais. Isso faz com que o mercado de trabalho seja estruturalmente mais difícil e, por consequência, sofra mais nos momentos turbulentos. E os padrões educacionais são mais baixos do que a média nacional, o que influi na qualificação da mão de obra. Esses dois pontos são estruturais.

Há também os conjunturais…
Exatamente. O Nordeste sofreu mais porque vinha de um momento bom nos anos anteriores. O cenário antes da crise é surpreendente porque aqui estava se instalando um bloco de investimentos importantes. Houve um aumento de investimentos, com crescimento de empresas e grandes projetos como refinarias, a transposição do rio São Francisco e a Transnordestina [ferrovia com quase 1.800 km planejada para ligar Piauí, Pernambuco e Ceará aos principais portos da região]. A crise coincidiu com a conclusão ou desativação desses projetos e, por isso, grande parte do desemprego é puxada pela construção civil.

A economista Tania Bacelar, em sua casa, no Recife
A economista Tania Bacelar, em sua casa, no Recife - Bernardo Dantas/Folhapress

A educação entra nessa lógica? Porque esse bom momento da região coincidiu com a expansão dos institutos federais para além do litoral.
Sim, claro. Temos de investir em educação. É a única forma de melhorar a qualificação da força de trabalho. Gente mais qualificada é um ativo, um elemento de competição. E a experiência da desconcentração da rede sentido interior mostrou que isso também gera renda, movimenta a economia. Não dá para explicar o boom econômico das cidades médias do Nordeste sem atrelar isso à interiorização das universidades: mexeu com setor imobiliário, barzinhos, mercadinhos, comércio... Mas precisamos ter investimento em economia também no interior. Caso contrário, a gente continua a exportar mão de obra, mas desta vez qualificada, em vez de desqualificada.

Há quem diga que a crise de segurança no Nordeste tem relação com a crise econômica. A senhora concorda?
Não. Os estudos não associam a violência com a existência de população pobre e desempregada, mas com os grupos que comandam o tráfico de drogas em outras regiões e que se espalharam pelo Nordeste. Foram para Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco. A violência caminhou para onde vieram os subcomandos desses grupos.

A senhora tem dito que o Nordeste precisa influenciar mais a construção de uma nova política industrial. Há um preconceito? Subestima-se o potencial da região?
Esse é o nosso grande problema: a visão que o resto do país tem da região, que é negativista e falsa. Aqui existe uma pobreza grande, mas não é só isso. Temos também um potencial muito grande. É importante mudar essa visão nas políticas nacionais. Elas não podem tratar o Nordeste como um espaço à parte. Os candidatos a presidente, por exemplo, sempre têm um documento específico para o Nordeste. Tratar à parte é desigualdade, não prioridade. A política de expansão das universidades foi uma exceção... Queremos o mesmo em relação, por exemplo, à política nacional de agricultura familiar. 


RAIO-X

Nome
Tania Bacelar de Araujo

Idade
74 anos

Carreira
Cientista social e economista. Professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco, foi secretária de planejamento do estado

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