Brasil cada vez mais idoso exige rapidez em adaptação de políticas de saúde

Foco em prevenção e qualificação profissional pode reduzir impacto no sistema

Cláudia Collucci
São Paulo

O rápido processo de envelhecimento populacional representa hoje um dos principais desafios para o sistema de saúde brasileiro.

Em 2030, o país terá mais idosos do que crianças pela primeira vez na história. Serão 41,5 milhões (18% da população) de pessoas acima de 60 anos, contra 39,2 milhões (17,6%) das que terão de zero a 14 anos. Hoje os idosos somam 29,4 milhões (14,3%).

Essa transição demográfica, que na Europa levou 180 anos, deve acontecer em metade desse tempo no Brasil.

Mãe segura criança internada no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, na Bela Vista, região central de São Paulo - Lalo de Almeida/Folhapress

Isso implicará em mudanças profundas nas políticas públicas de saúde, assistência social e Previdência. “É uma velocidade sem precedentes. Afetará a todos, a saúde pública e a saúde suplementar”, diz o economista José Cechin, diretor-executivo da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) e ex-ministro da Previdência Social.

Um país mais velho demandará mais gastos em saúde porque haverá aumento da carga de doenças crônicas. Segundo a Fenasaúde, se o país tivesse hoje o perfil demográfico de 2030, 1,32% das despesas anuais em saúde seria decorrente do fator etário.

No SUS, os gastos poderão atingir R$ 115 bilhões por ano em 2030 —hoje estão em torno de R$ 45 bilhões anuais. Atualmente, 70% dos idosos dependem exclusivamente do sistema público de saúde.

Ao mesmo tempo, a redução dos recursos para a saúde e as mudanças na política de atenção básica, já em curso, podem enfraquecer a ESF (Estratégia Saúde da Família) e se tornarem ameaças à assistência dos idosos, na opinião de pesquisadores.

“Mesmo em épocas de adversidades, o Brasil teve grandes avanços nas políticas públicas em relação à saúde e aos direitos dos idosos. Mas vivemos um momento de desmonte do SUS e das políticas de bem-estar social”, diz a pesquisadora Dalia Romero, coordenadora do Grupo de Estudos em Saúde e Envelhecimento (Fiocruz).

O problema, contudo, não se resume ao subfinanciamento. Para o médico geriatra José Elias Pinheiro, presidente da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), o tratamento dos idosos nos serviços de saúde é ineficaz.

“Faltam profissionais capacitados na ponta [atenção primária]. Há muitos encaminhamentos equivocados, excesso de medicalização e pedidos desnecessários de exames”, diz.

Um exemplo é o idoso que apresenta esquecimento por condições clínicas, como hipotireoidismo e falta de vitamina B12, e não por processos demenciais.

“São situações simples de se corrigir na atenção básica. Mas por falta de treinamento dos profissionais, há encaminhamento para especialistas [como neurologista] e pedidos de exames caros [como ressonância magnética].”

Na opinião do médico e gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade no Brasil, a mudança precisa começar nas faculdades, com a atualização dos currículos dos cursos da área de saúde.

“Os profissionais de saúde que se formam hoje não adquirem conhecimento sobre como cuidar desse paciente [idoso], que se tornará cada dia mais frequente nos serviços de saúde”, afirma.

Estudo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) aponta que o envelhecimento elevará o total de internações de beneficiários em mais de 30% até 2030. Na faixa etária de 59 anos ou mais, o total de internações vai mais que dobrar no período.

Hoje, 12,5% dos cerca de 50 milhões de usuários de planos de saúde têm 60 anos ou mais. Quase 90% têm algum tipo de doença crônica, como diabetes, artroses e câncer.

Para Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS, o caminho para a sustentabilidade do setor passa pela mudança no modelo assistencial, hoje focado em especialistas e em hospitais.

Promoção da saúde e reforço da atenção primária, com acompanhamento médico contínuo e focado no indivíduo, não na doença, são receitas para os setores público e privado, diz Carneiro.

Atualmente, idosos estão “soltos” no sistema de saúde. Passam por vários especialistas, fazem inúmeros exames, usam muitas medicações (que podem interagir entre si e causar danos), mas não há ninguém cuidando deles como um todo.

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) criou há dois anos um novo modelo de atenção aos idosos na rede privada que está sendo testado por um grupo de operadoras para evitar as atuais falhas na assistência e o aumento dos custos.

Uma das propostas é que os centros geriátricos sejam capazes de reconhecer riscos que possam agravar a saúde do idoso e que, a partir disso, atuem de forma preventiva.

Além de um médico de referência, há um enfermeiro para orientá-lo conforme a necessidade, como tirar dúvidas sobre a medicação.

Para José Cechin, as pessoas também precisam pensar mais em prevenção, e mudar hábitos de vida para evitar ou postergar a instalação de doenças crônicas na velhice. “São atitudes individuais que deveriam ser mais fomentadas pelas operadoras”, diz.

Na sua opinião, porém, um novo modelo assistencial voltado à promoção de saúde e prevenção implica em novas formas de remuneração, que valorizem o desempenho e não quantidade de procedimentos realizados.

Tanto ele quanto Carneiro defendem que o país precisa pensar sobre esses desafios de forma integrada e a médio e longo prazos.

“Hoje não há planejamento. As coisas mudam a cada um ano e meio com a troca de ministro [da saúde]. O país precisa de um plano que trace metas a serem cumpridas independentemente do governo que está ali, uma agenda reestruturante que envolva os setores público e privado”, diz Carneiro.
 

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.