Descrição de chapéu 3º fórum Economia Limpa

Meta é eliminar matéria-prima virgem do processo produtivo, diz diretora da HP

Judy Glazer diz como pretende fazer com que a empresa zere a geração de lixo eletrônico

Andrea Vialli
São Paulo

O desafio de dar destinação correta aos mais de 44 milhões de toneladas de lixo eletrônico produzidos no mundo todos os anos é gigantesco. Envolve não só o consumidor, mas também governos e empresas que produzem computadores, celulares, TVs e impressoras.

A fabricante americana HP é uma das multinacionais que está buscando adequar seu processo produtivo aos conceitos da economia circular.

Segundo a inglesa Judy Glazer, diretora global de sustentabilidade da marca, a meta é fazer da HP uma empresa lixo zero e com 100% de uso de materiais reciclados e renováveis nos produtos.

A companhia está avançando com o tema no Brasil, onde possui uma operação integrada com os fornecedores Flextronics e Sinctronics, em Sorocaba (interior de São Paulo), que permite à empresa reinserir em seu processo produtivo o plástico que já fez parte de cartuchos e impressoras. 

Mais de 7,7 milhões de produtos da marca foram fabricados no país com conteúdo reciclado, segundo Glazer, que esteve no país para tocar o programa.

O modelo brasileiro é considerado referência global, e a empresa prepara um projeto-piloto com cooperativas de catadores para que elas passem a coletar lixo eletrônico (hoje a maior parte delas não coleta o resíduo).

Retrato de mulher de terno ao ar livre
Judy Glazer, chefe de sustentabilidade da HP - Divulgação

 

É possível de fato incorporar a sustentabilidade na estratégia de negócio? Para a HP, sustentabilidade está presente na melhoria do design dos produtos e na promoção de novos modelos de negócio, e isso tem trazido impacto inclusive em termos de receita. 

Em 2017, as divisões da empresa que dependem da sustentabilidade geraram cerca de US$ 15 bilhões globalmente (R$ 62 bilhões). Tendo em vista que a receita da companhia foi de US$ 50 bilhões (R$ 247 bilhões), a parte ligada à sustentabilidade já representa uma grande fatia do negócio. 

Nosso maior desafio é mostrar isso para os clientes e reforçar esses temas dentro da companhia, provar que financeiramente isso se sustenta.

A empresa tem incorporado conceitos da chamada economia circular, na qual resíduos são reinseridos no processo produtivo sem gerar desperdício. Como tornar isso um padrão de mercado? Estamos no processo de tornar o processo produtivo muito mais circular do que linear. Temos a aspiração de nos tornarmos uma companhia lixo zero, com decisões que possam direcionar o negócio e ter um impacto positivo de longo prazo. Outra meta é eliminar o uso de matérias-primas virgens no processo produtivo.

E isso é possível? É uma aspiração, um objetivo de longo prazo que vai provocar a inovação. Temos um longo caminho, mas colocar isso como meta é um invocativo poderoso. Queremos chegar a 100% de uso de materiais reciclados e de origem renovável nos produtos.

Qual é o custo de se fazer essas mudanças? Quando você muda o sistema como os produtos são desenhados e produzidos, não é simples tornar essas mudanças palpáveis do ponto de vista econômico. Somos uma empresa aberta, temos obrigações com acionistas, funcionários. Por isso temos que achar o melhor caminho, é uma jornada de aprendizado. 

O Brasil é um exemplo positivo. Temos produção local e incentivos governamentais que tornaram possível transformar a nossa operação aqui em um laboratório para demonstrar o que se pode fazer em termos de economia circular. 

Não há nenhuma outra operação no mundo em que o modelo funcione de forma tão integrada, com proximidade logística. É um ambiente único e queremos replicar isso em outros países. 

Agora a empresa pretende incorporar as cooperativas de catadores no processo industrial. Como fazer com que elas reciclem o lixo eletrônico? No ano passado, 12% do plástico dos produtos que fabricamos no Brasil foi reciclado. Estamos tentando dobrar esse percentual até o final de 2018 e crescer mais 50% em cima disso até 2019. 

Para isso, precisamos de mais plástico de eletroeletrônicos descartados, o que é oportunidade para reduzir custos e tornar a cadeia mais sustentável. Uma das saídas é trabalhar com cooperativas de reciclagem, incluindo na nossa cadeia produtiva pessoas que estão na informalidade, na base da pirâmide, para que isso gere benefícios sociais também. 

Vamos começar com um piloto por seis meses com duas cooperativas. Elas receberão treinamento em padrões de saúde e de segurança e para aumentar seus fluxos de caixa. Se formos bem sucedidos no piloto, poderemos engajar outras empresas de TI no mesmo modelo.

Há iniciativas semelhantes em outros países? Temos um projeto no Haiti bem-sucedido envolvendo pessoas desempregadas, em um contexto de muita pobreza, com ONGs locais. Elas passaram a coletar garrafas plásticas que boiavam nos oceanos, e incorporamos esses resíduos na fabricação de cartuchos. 
Só em 2017 foram 8 milhões de garrafas plásticas retiradas do ambiente. Socialmente, trouxe renda para famílias muito pobres, que puderam recolocar seus filhos na escola. 

O modelo da economia circular se paga? No Brasil, a sucata é sobretaxada, isso não é um desestímulo? Cada país tem sua política tributária e suas características de mercado, mas a questão dos custos ainda é crítica, pois o custo afeta a habilidade de dar escala aos projetos. 

No Brasil temos um custo alto de engajar o consumidor e incentivá-lo a devolver os cartuchos usados, o que limita a escala. Do ponto de vista fiscal, os governos precisam não sobretaxar a indústria que recicla, mas criar incentivos que tornem a economia circular possível. 

Aqui, introduzir materiais reciclados no processo produtivo também reduziu o consumo de energia em 25%, o que é uma medida de economia eficaz.

 

Judy Glazer, 56
Diretora global de sustentabilidade da HP, empresa em que trabalha desde 1989. Nasceu em Cambridge, Inglaterra, e se graduou em engenharia elétrica e de materiais, com PhD em engenharia de materiais pela Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA. É membro do Conselho do Departamento de Ciência dos Materiais na Universidade da Califórnia em Berkeley e na Universidade do Estado do Arizona 

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