Uso de defensivos naturais cresce em lavouras do Brasil

Demandas do consumo e novas opções de defensivos naturais estimulam utilização

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Claudia Rolli
São Paulo

O uso do controle biológico no combate de pragas se expande no país, impulsionado pela exigência de redução de danos ambientais no agronegócio, pela demanda do consumidor por comida saudável e pela maior oferta de biodefensivos.

Ao menos 20 milhões de hectares plantados adotam organismos vivos (insetos, ácaros, vírus, bactérias e fungos) ou substâncias de extratos naturais para evitar perdas, segundo pesquisadores da Embrapa e representantes do setor. A área equivale a um quarto de todo o cultivo agrícola do país, de 80 milhões de hectares.

O mercado de biodefensivos deve faturar neste ano R$ 1,789 bilhão, uma alta de 33% sobre 2020. Nos últimos anos, a média de crescimento tem sido de 20%, mas há potencial para avançar muito mais, segundo a CropLife, associação que reúne indústrias e instituições da área. Até 2030, a previsão é mais que dobrar de tamanho e atingir R$ 3,699 bilhões.

Vista aérea da colheita de soja em um campo de Salto do Jacuí, no Rio Grande do Sul
Vista aérea da colheita de soja em um campo de Salto do Jacuí, no Rio Grande do Sul - Silvio Avila - 5.abr.2021/AFP

EUA e Europa respondem juntos por dois terços do mercado global de biológicos, calculado em US$ 5 bilhões em 2020. Na América Latina, o Brasil lidera, com 33%.

Produtos biológicos são desenvolvidos a partir de um ingrediente natural, um organismo vivo ou uma planta. Eles não deixam resíduos tóxicos, ao contrário de agroquímicos tradicionais, e eliminam a praga alvo sem agredir o ambiente.

Hoje há 433 produtos com uso aprovado por Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama. Em 1991, eram 3.
“O controle biológico é essencial para o manejo de doenças e pragas que causam perdas de 37% a 40% à produção agrícola em um país como o Brasil, com clima que favorece a ocorrência de pragas o ano todo”, diz Amália Borsari, diretora-executiva de biológicos da CropLife Brasil.

Com a adoção de drones e novas tecnologias, a agricultura 4.0 tem optado pelo manejo integrado de pragas, combinando diferentes estratégias, como defensivos biológicos e químicos, explica Amália. “A combinação é necessária porque ainda não há biodefensivos para todas as pragas, nem para ervas daninhas. Mas as pesquisas avançam.”

A presença de biodefensivos e controle biológico ainda é maior no cultivo de frutas, legumes, verduras e orgânicos de forma geral. Mas o uso cresce de forma expressiva em plantações de larga escala, como soja, milho, algodão.

“Existe maior pressão do mercado nacional e internacional por técnicas sustentáveis nas grandes culturas, além da resistência de insetos e pragas aos agrotóxicos químicos, o que tem levado o produtor a reduzir e racionalizar o uso de inseticidas sintéticos”, diz o pesquisador Adeney de Freitas Bueno, da Embrapa Soja (PR).

Desde que a lagarta Helicoverpa armigera, um bichinho de menos de 4 centímetros, fez um estrago de bilhões na safra de grãos em 2012/2013, o controle bio ganhou espaço entre produtores de soja, milho e algodão. Foi um marco para pesquisas na área.

A lagarta resistia a todos os inseticidas químicos. A solução veio de produtos desenvolvidos com vírus (Baculovirus), microvespas (Trichogramma pretiosum) e bactérias (Bacillus thuringiensis, Bt).
Mais recentemente é também uma vespinha (Telenomus podisi) que tem se encarregado de controlar o ataque de percevejos à soja.

“As fêmeas localizam os ovos dos percevejos e depositam neles os seus, interrompendo o desenvolvimento da praga e produzindo mais parasitas, novas vespinhas do bem”, explica Bueno.

Vespinha protege plantação ao colocar ovos dentro dos de percevejo, praga que ataca a soja 
Vespinha protege plantação ao colocar ovos dentro dos de percevejo, praga que ataca a soja  - Divulgacao

Na região de Salto do Jacuí (RS), a escolha do controle biológico e de bioinsumos na plantação de soja encontra desafios, mas tem se ampliado, diz o produtor e agrônomo Jocemir José Guzzo, da Coopertec, que presta serviço a 12 produtores dessa área.

“O maior desafio para ampliar o uso de biológicos é cultural. Há mais produtos disponíveis, multinacionais já entram nesse mercado e o custo não é mais tão elevado”, diz.

Para tratar sementes de soja e outros grãos contra pragas, Guzzo usa fungicidas biológicos e produtos à base de bacilos e macro-organismos (insetos, ácaros, neumatóides).

“Com os químicos, o controle tem que ser feito a cada 30 dias, depois a praga ataca de novo, vai ficando resistente e mata a planta”, afirma.

Os organismos vivos e os produtos biológicos têm impacto na produtividade da lavoura. Muitos estimulam o crescimento, ajudam a fixar nutrientes e minerais da terra e aumentam a tolerância da planta ao estresse hídrico.

O uso de biodefensivos e de adubação orgânica fortalece o enraizamento, o que ajuda a combater a falta de água na estiagem e a manter a produtividade, explica Guzzo.

O controle biológico é um “caminho sem volta”, segundo Alex Lee, proprietário da Fazenda Rio Bonito (SP), que produz e distribui frutas e legumes orgânicos em 400 pontos de 16 estados. “Agricultores têm enxergado o benefício do controle. Além da saúde e do ambiente, a produtividade faz a diferença.”

O uso de bactérias (Bacillus megaterium) que aumentam a absorção de fósforo pelas raízes trouxe ganhos de produtividade de 40% no cultivo de tomate orgânico em seis meses, segundo Lee.

Cultivo de tomate orgânico feito com controle biológico na fazenda Rio Bonito, região de Botucatu (SP)
Cultivo de tomate orgânico feito com controle biológico na fazenda Rio Bonito, região de Botucatu (SP) - Divulgacão

No combate a pragas como a traça do tomate, cresce o uso de insetos (Trichogramma pretiosum) no lugar de químicos, até na produção em sistema convencional (não orgânico).

“A semente do controle biológico já foi plantada. Precisa crescer para melhorar a qualidade do que chega ao prato do brasileiro”, diz Lee, que é vice-presidente do conselho nacional da PMA (Produce Marketing Association), entidade com 2.900 empresas e produtores, 54 mil compradores e fornecedores em 55 países.

O biólogo Eduardo Martins, diretor do Gaas (Grupo Associado de Agricultura Sustentável), que reúne produtores de diversas cadeias, diz que o manejo biológico cresce porque funciona. “Pode ser implementado com redução de custos, além de diminuir riscos e criar condições de trabalho mais saudáveis para produtores e trabalhadores.”

Outro fator que impulsiona o controle bio é o mercado internacional, que valoriza e exige, cada vez mais, frutas e produtos com uso mínimo de químicos, quando a produção não consegue ser 100% orgânica, diz a bióloga Patrícia Nogueira, dona da Red Lychee Agronegócios (MG) e diretora da Abrafrutas, que reúne produtores e exportadores.

Cerca de 40% da produção de lichia da empresa foi exportada em 2020 para França, Alemanha, Canadá e Kuwait. Neste ano, a meta é incluir a Inglaterra. “São sete anos de pesquisa e investimento, nos preparando para atender as exigências do mercado internacional, que demanda produtos de alta qualidade”, diz.

No pomar, a lichia é tratada com biológicos do plantio à pós-colheita, para evitar a ação de fungos, explica.
Segundo a produtora, o agricultor pode, a partir de uma matriz, multiplicar os micro-organismos (vírus, bactérias, protozoários e fungos) que serão usados para combater pragas em sua própria fazenda.

Abelha em flor de lichia na fazenda Olhos D’Água, em Mateus Leme (MG)
Abelha em flor de lichia na fazenda Olhos D’Água, em Mateus Leme (MG) - Divulgacão

“É possível montar um espaço, com caixas d’água, por exemplo, e multiplicar os organismos. O custo inicial do litro da matriz de biológicos, de R$ 200, acaba se diluindo porque serão feitos muitos outros litros”, explica.

A próxima etapa na fazenda é um projeto de polinização para aumentar a população de abelhas e ajudar no processo de floração de lichia.

Após 12 anos de pesquisas, a Embrapa lançou em abril um produto feito a partir de uma bactéria encontrada no mandacaru (cacto da caatinga) que vai ajudar as lavouras de milho a suportar a seca.
Com o nome de Auras e lançado em parceria com uma empresa mineira, ele promove o crescimento do milho mesmo em estiagens prolongadas.

A bactéria que deu origem ao novo bionsumo faz parte dos quase 20 mil ‘‘bichinhos’’que integram a coleção de micro-organismos de importância agrícola e ambiental da Embrapa, em Jaguariúna (SP). Hoje, cerca de 10% deles têm o uso potencial identificado.

Para Marcelo Morandi, chefe da unidade de meio ambiente da Embrapa, esse é “um patrimônio de bioprospecção do país, que pode dar origem a novos agentes de controle biológico, genes com resistência à seca ou baixas temperaturas, antibióticos, medicamentos”.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, o nome de Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife Brasil, foi publicado como Amanda Borsari. E os 20 milhões de hectares que adotam controle biológico  correspondem a um quarto de toda a área plantada no país, não a um quinto. Os erros já foram corrigidos.

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