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Artistas com deficiência lutam por visibilidade e mais chances de trabalho

É preciso ampliar a diversidade da produção cultural e do público das artes, dizem profissionais

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Ana Elisa Faria
São Paulo

A advogada Ivana (Juliana Paes) e o médico Ricardo (Leandro Hassum) se apaixonam, mas, para ficar juntos, terão de superar o preconceito. Essa é a premissa da comédia "Amor sem Medida", que causa polêmica desde que chegou à Netflix, em novembro.

É que Hassum encarna um homem com nanismo. Para isso, o ator teve sua estatura diminuída por computação gráfica, o que levou o longa a ser acusado de "crip face": quando alguém sem deficiência interpreta personagem com deficiência, tirando a oportunidade de trabalho, a visibilidade, a representatividade e o lugar de fala de PCDs.

A atriz Juliana Caldas, que tem nanismo, participa de um evento. Ela sorri e veste uma blusa colorida
A atriz Juliana Caldas luta pela inclusão de pessoas com deficiência em produções culturais - Mathilde Missioneiro - 9.dez.2019/Folhapress

Nas redes sociais, "Amor sem Medida" está sendo acusado de "capacitista". Hassum soltou um comunicado na semana passada em que diz sentir muito ter causado dor e defende o filme como "uma história de amor, de pertencimento e de inclusão, valorizando as capacidades de seus personagens e repudiando qualquer preconceito".

É para que casos como este não aconteçam mais e pela inclusão de PCDs em produções culturais que a atriz Juliana Caldas, 34, luta. Conhecida por viver uma jovem com nanismo em "O Outro Lado do Paraíso" (2017), ela diz que a novela da Globo era educativa.

"O tema foi tratado com respeito, eu estava lá para trocar com a direção", conta. Para a atriz, a melhor forma de incluir é dar espaço às PCDs. "Além de oportunidades, queremos ser vistos como profissionais. Meu profissionalismo deve vir antes da deficiência. Fiz trabalhos importantes sobre isso, mas estudo para fazer diferentes personagens, não somente uma pessoa com deficiência."

Desde 2003, o ator e diretor Deto Montenegro investe na inclusão social pela arte ao formar turmas de PCDs na Oficina dos Menestréis, sua companhia de teatro musical. Começou com cadeirantes. No ano seguinte, incluiu nas aulas pessoas com deficiência visual. Em 2009, adaptou o método para alunos com síndrome de Down. Em 2012, nasceu o AUT, cujo foco são jovens e adultos com transtorno do espectro autista.

"Sempre tive paixão por diversidade, e o método que criei consegue levar condicionamento artístico a todos." Deto não visa profissionalização, mas inclusão e formação de público, que, ao se ver representado no palco, volta ao teatro e, às vezes, perde o medo de entrar no mundo artístico.

Alguns alunos seguiram a carreira e participaram de produções no cinema e na TV. Como Giulia Merigo, que tem Down e fez o filme "Colegas" (2013). Na adaptação do título para o teatro, em 2017, ela viveu uma protagonista. Outra é Vanessa Romanelli, bióloga e atriz, que interpretou uma cadeirante na novela "Viver a Vida" (2009).

O caminho inverso também acontece. Billy Saga, 44, já fazia rap quando participou da primeira edição da Cia. Mix Menestréis com o espetáculo "Noturno Cadeirante". O músico ficou paraplégico em 1998, após um atropelamento. Desde então, escreve letras sobre resistência e desigualdades sociais. Também é um dos fundadores do Movimento SuperAção, cuja proposta é sensibilizar a sociedade quanto aos direitos das pessoas com deficiência e fomentar seu protagonismo.

Para o rapper, de lá para cá, muita coisa evoluiu. Quando começou, chegou a fazer shows em locais sem rampa de acesso ao palco. "Eu tinha de ser carregado, situação que constrange as pessoas."

Saga afirma que a valorização de artistas com deficiência passa por um processo de acessibilidade, que não é só arquitetônica. "É preciso criar na pessoa com deficiência o hábito de consumir arte. Para isso, ela tem que ter acesso à arte". Além disso, diz, é tempo de "eliminar o capacitismo, que exclui tanto na produção cultural quanto na fruição, e aumentar editais que incluam as PCDs'', incentivo ainda discreto, segundo Saga.

O primeiro longa de Daniel Gonçalves, 37, é um exemplo disso. O diretor nasceu com uma deficiência que afeta a coordenação motora. A verba para realizar o documentário autobiográfico "Meu Nome É Daniel" (2018), em que reflete sobre sua condição, veio por meio de dois editais públicos que não davam pontuação extra a PCDs. O cineasta se beneficiou da regra voltada a diretores estreantes. "Também é legal, porque faz com que o mercado se renove."

Esse cenário, entretanto, está mudando aos poucos. "Há duas edições, o edital da Spcine, por exemplo, já tem políticas afirmativas para PCDs." Quando estreou na direção, Gonçalves era o único da equipe com deficiência. "Hoje, faço parte de um grupo com 40 artistas com deficiência." Para o seu novo trabalho, sobre sexualidade, ele chamou outras PCDs: um roteirista, uma assistente de câmera e um fotógrafo.

Marcelo Rubens Paiva acompanha essas mudanças desde a juventude, quando ficou tetraplégico. Aos 62, o escritor, dramaturgo e roteirista diz que as condições de pessoas com deficiência na área cultural são reflexo de tudo o que acontece no Brasil hoje. "Faltam condições de trabalho e visibilidade, principalmente".

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