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Educação inclusiva depende de transformação na formação de professores

Aluno com deficiência apresenta desafios como qualquer outra pessoa

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São Paulo

Por lei, o direito à educação universal inclusiva já existe há um bom tempo. Na prática, a escola regular está em descompasso com o ambiente de inclusão preconizado pela legislação e por profissionais que estudam o tema.

Fotografia colorida de uma sala de aula para alfabetização de adultos. No canto direito há uma lousa branca e ao lado dela uma professora de cabelo preto, usando máscara azul, blusa preta e calça bege, ela está apontando para a lousa. Espalhadas pela sala há quatro pessoas assistindo a aula, na frente têm dois homens idosos e um pouco atrás um homem e uma mulher que são vistos de costas.
Alunos em aula de alfabetização de adultos na Escola Ciej (Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos), Campo Limpo, no Capão Redondo - Keiny Andrade/Folhapress

Para chegar lá, as escolas têm de passar por uma grande transformação, que inclui a formação de professores.

Essa formação, no entanto, não significa especialização em "deficiências" —termo que é até questionado por alguns educadores.

"O que o professor precisa é ter experiências pedagógicas, não médicas ou terapêuticas. Ele precisa ser especialista é em educação", afirma Raquel Franzin, diretora de Educação e Cultura da Infância do Instituto Alana.

Não é necessário (nem possível) conhecer todas as síndromes e nomenclaturas, os diagnósticos. "Não tem protocolo. Os alunos em situação de inclusão trazem desafios que estão em todas as pessoas. Ninguém precisa ser igual ao outro, a gente aprende com as diferenças, algo fundamental para um educador", diz Gláucia Affonso, que dá aulas de educação inclusiva na faculdade de pedagogia do Instituto Vera Cruz.

Franzin lembra que o que define alguém não é a sua deficiência. A deficiência, diz ela, surge da interação das características da pessoa com o meio e, em grande parte das escolas, esse meio é deficiente e excludente.

"Pensar em inclusão não é só falar do que as pessoas entendem como deficiência física, cognitiva ou psicológica. É também uma questão étnico-racial, um desafio social. O professor, sozinho, não pode ser o único responsável pela inclusão", diz.

É o professor, porém, quem está na linha de frente. Rinaldo Voltolini, da faculdade de educação da USP, que estuda e escreve sobre o tema há 30 anos, avalia que as políticas de educação inclusiva no Brasil não trouxeram mudanças paradigmáticas, mas, em geral, apenas uma reforma organizacional. "Nesse modelo, a concepção acaba sendo a de uma formação de professores especializada complementar", diz.

Voltolini defende a formação processual, em que o modelo é de estudo de caso, "no sentido de caso amoroso, não de caso clínico".

Funciona assim: professores que têm alunos em situação de inclusão formam grupos para compartilhar suas experiências e seus impasses. A partir de situações concretas e singulares, são apresentados conceitos e estratégias para enfrentar melhor questões da vida escolar.

"Partimos de um impasse para fazer vários estudos, recorrendo aos diversos campos do saber, que nos ajudam a definir estratégias de uma perspectiva formativa e a dar mais instrumentos para o professor lidar com os próximos casos que surgirem", diz.

Gláucia Affonso, que além de dar aulas na faculdade de pedagogia é coordenadora no ensino fundamental da Escola Vera Cruz, considera esses encontros parte importante da formação. "Muitas vezes, nós falamos sobre os grandes princípios da educação, não necessariamente sobre inclusão. E os professores vão compartilhar suas encrencas e seus caminhos."

Desde 2018, a Escola Municipal de Educação Infantil Rodrigues Alves, em São Paulo, trabalha com estudos de caso. "Quando um professor descobre que tem aluno com deficiência, parece que seu mundo vai cair. Quando comecei a trabalhar como professora eu também era assim, hoje tenho outro olhar", diz Cristina Albuquerque, diretora.

Em sua escola, os professores das diferentes disciplinas se reúnem para falar sobre o que dá certo ou não em sua prática com alunos de inclusão, e recebem informações e orientações de leituras da coordenação pedagógica: é o que chamado de "formação em trabalho".

Os alunos recebem atenção individualizada no contraturno, pelo professor da sala de recursos multifuncionais (espaço previsto em lei, com material pedagógico e educadores para atendimento específico a alunos com deficiência), que também atua em função das atividades desenvolvidas em sala de aula. Esse professor recebe formação em cursos oferecidos pela prefeitura ou por profissionais do Centro de Formação e Acompanhamento da Inclusão (Cefai).

"O maior desafio é baixar a ansiedade do professor, mostrar que há outras formas de avaliar, que educação é muito mais que lousa, caderno e papel", diz Cristina.

Alguns casos deixam o educador abalado. "Ele se sabe professor a partir de certas respostas dos alunos. Quando chega um aluno sem condição de devolver essas respostas, se vê destituído desse lugar", diz Flavia Maria de Vasconcellos, coordenadora da Trapézio, associação sem fins lucrativos que cria programas de apoio à escolarização e cursos de formação.

"A gente valoriza o saber do professor. É preciso ponderar saberes que vêm prontos de fora, com a chancela científica do diagnóstico, que podem impedir o professor de se surpreender com a criança e entender que o que ele sabe é o estofo para repensar esse aluno", afirma Isabel Moreira Ferreira, que também é coordenadora da Trapézio.

Essa atitude leva ao acolhimento, tão essencial quanto garantir a acessibilidade e a permanência do aluno na escola, diz Voltolini. "Acolhimento começa quando o professor para de olhar a criança só do ponto de vista da deficiência e encontra coisas interessantes nela. A palavra diversidade tem o mesmo radical de diversão: atrai as pessoas."

PRINCÍPIOS INCLUSIVOS

- A inclusão é para todos e cada um

- O sucesso da inclusão depende da adaptação da escola à criança e não apenas da adaptação da criança à escola

- A inclusão de uma criança garante a inclusão de todas

- A inclusão é terapêutica. Educar é tratar

- O convívio com outras crianças pode ser terapêutico

- O trabalho de inclusão se faz no laço que se estabelece entre professor e aluno

- O aluno é da escola e não apenas de um professor

- A escola proporciona uma referência simbólica para todas as crianças

- A escola é o lugar social da criança

- O educador tem o seu saber sobre seu aluno

- A igualdade é o direito à diferença

Fonte: "Práticas Inclusivas em Escolas Transformadoras: Acolhendo o Aluno-Sujeito", organizado por Maria Cristina Machado Kupfer, Maria Helena Souza Patto e Rinaldo Voltolini

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