Descrição de chapéu Somos Plurais

Escolas inclusivas beneficiam não só alunos com limitações, mas toda a turma

Segregar estudante deficiente não traz benefícios e é ignorância, afirma especialista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou em agosto que a inclusão de alunos com necessidades especiais em turmas regulares pode "atrapalhar o aprendizado" de crianças sem a mesma condição. E que, dependendo do grau de deficiência, a convivência "é impossível".

A defesa da segregação em escolas especiais reflete a ignorância do governo sobre o tema, na visão de Rodrigo Hübner Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes, cuja missão é desenvolver programas de pesquisa e formação para educação inclusiva.

"Resiste, culturalmente, a ideia de que crianças com deficiência são incapazes. O modelo de educação baseado na padronização do conteúdo e da rotina, que vigorou por tanto tempo, é antiquado para qualquer criança. Tornar-se inclusiva é uma oportunidade para a escola se transformar e melhorar a educação para todos", afirma.

Imagem mostra o refeitório do Cieja, escola na zona sul de São Paulo. Há cinco pessoas na foto, três mulheres e dois homens. Quatro dessas pessoas estão sentadas, fazendo suas refeições, enquanto uma das mulheres está deixando o ambiente. Numa das paredes do refeitório, há uma pintura com o rosto do educador Paulo Freire, em fundo amarelo
Alunos e funcionários no refeitório do Cieja Campo Limpo, no Capão Redondo, em São Paulo, com pintura do educador Paulo Freire (1921-1997) - Keiny Andrade/Folhapress

A jornalista mineira Mariana Rosa, 44, tem conferido, na prática, o que representa essa atitude para o desenvolvimento de Alice, 8. A menina usa cadeira de rodas e não se comunica oralmente em função de paralisia cerebral. Desde os 3, estuda em escolas particulares de Belo Horizonte (MG). Sempre foi "acolhida, respeitada e considerada na sua singularidade", diz a mãe.

A parceria constante entre a família e a escola tem permitido que atividades em sala de aula, previamente reestruturadas em função da condição de Alice, tornem o conteúdo mais rico para a turma inteira.
Não se trata de adaptar as atividades para Alice, ela explica, mas de oferecer abordagens múltiplas que também contemplem as diferenças dos demais coleguinhas.

Certa vez, quando Alice cursava a última série da educação infantil na Escola da Serra, os alunos receberam a incumbência de ir à escola de tênis, para aprender a amarrar cadarços. O objetivo era desenvolver a habilidade motora fina, importante para uma turma prestes a ser alfabetizada.
Ao tomar conhecimento da tarefa, que Alice não seria capaz de fazer, Rosa entrou em contato com a escola.

"Conversei com a professora, mostrei a ela que não se escreve só com a mão. Muitos alunos usam outras ferramentas, como o teclado do computador, e Alice usa uma prancha especial de comunicação. Eleger uma única forma de escrever é exclusivo. Ela então incluiu as diferenças e acabou dando uma aula mais rica para a turma inteira."

O modelo defendido por Mariana Rosa tem nome. O Desenho Universal para Aprendizagem (DUA), desenvolvido por um grupo da Universidade de Harvard, parte do princípio de que livros, lousa e exposições orais não são acessíveis a todos, tenham eles deficiência ou não. Propõe conteúdos que respeitem as diferenças motoras, intelectuais e sensoriais de cada um.

É dessa forma também que são planejadas as aulas do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Campo Limpo, na zona sul, escola administrada pelo governo municipal de São Paulo e referência em inclusão. Dos 1.211 alunos a partir de 15 anos, 160 têm algum tipo de deficiência.
Diretor do Cieja, Diego Elias Duarte, 37, acredita que o atendimento individualizado está por trás do reconhecimento internacional e dos prêmios que a escola acumula.

"Fazemos uma entrevista rigorosa com a família, na matrícula, para conhecer a história do aluno e de seu núcleo e entender como podemos ajudá-lo. Unimos processos pedagógicos e de sociabilidade. Sabemos que dá certo porque nossos portões estão sempre abertos. Alunos com deficiência que foram renegados a vida inteira gostam de estar aqui, não querem ir embora."

Neste fim de ano, Duarte comemora uma conquista a mais: a formatura de dois alunos surdos, que chegaram à escola sem conseguir se comunicar nem com as famílias.

Com a ajuda de uma instrutora que domina a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e uma professora de Língua Portuguesa, foi montada a turma para surdos do zero.

"Fizemos oficinas de Libras para que professores e funcionários aprendessem um pouco também, organizamos imersões com os outros alunos e, ao final, os dois se alfabetizaram", conta o diretor.

Essa estratégia adotada no Cieja é a principal bandeira da professora de Língua Portuguesa Jéssica Gravino, 29, moradora de Juiz de Fora (MG).

Especializada no ensino de Libras, ela já trabalhou como intérprete dentro de sala de aula. Concluiu que manter um profissional dedicado exclusivamente a determinado aluno só reforça a exclusão.

"A professora só se comunicava comigo, e eu era a única que me comunicava com o menino. Ele virou coadjuvante no aprendizado e se ressentia. Como ninguém mais na escola sabia Libras, nem queria aprender, virei uma muleta."

Gravino defende que uma escola verdadeiramente inclusiva para surdos depende de que toda a comunidade aprenda a língua de sinais. "Uma escola inclusiva deve começar a ensinar Libras na infância, junto com o português", fecha questão.

A psicóloga Nana Navarro, 45, é assessora de práticas inclusivas no Colégio Oswald de Andrade, em São Paulo. Seu papel é colaborar na formação dos profissionais da educação infantil e do fundamental 1 e atender famílias de alunos com deficiência.

Com 553 alunos matriculados nos dois ciclos, sendo 23 em situação de inclusão, a escola mantém três assistentes de práticas inclusivas, formados em psicologia ou pedagogia.

"As crianças não devem ser tutoradas 100% do tempo, pois acabam se relacionando só com aquele adulto e se excluem do grupo", explica.

O currículo, segundo ela, é o mais flexível, para que um conteúdo seja apresentado de diferentes formas, conforme prega o Desenho Universal para Aprendizagem.

O modelo tem a aprovação da administradora de empresas Fabiane Machado, 46, hoje especialista em inclusão. Mãe de Sofia, 7, portadora da síndrome ADNP-Helsmoortel Van der Aa, que causa atraso global no desenvolvimento neurocognitivo, ela testemunha os progressos da filha, que cursa o 1º ano do ciclo fundamental 1.

"A escola está bem preparada para incluir todas as crianças. Se um livro vai ser tratado em sala de aula, a professora desenvolve uma técnica para que a Sofia também apreenda o conteúdo, já que ela não está 100% alfabetizada, mas compreende o contexto. Todos convivem com as especificidades dela e todos tiram proveito desse conteúdo pedagógico", explica.

Manter um filho com demandas especiais em uma escola inclusiva é um desafio constante. Mas Fabiane comemora o fato de que as conquistas já extrapolam a sala de aula –depois que a escola agregou outras famílias aos debates sobre inclusão, Sofia recebeu o primeiro convite para brincar na casa de uma amiguinha.

"Minha filha é só mais uma criança, não deve ser definida por sua síndrome."

Muitos pais de alunos com deficiência acabam se tornando especialistas em inclusão. Servidora pública em Manaus (AM), Luciane Fridschtein, 46, chegou a cursar pós-graduação em práticas inclusivas e gestão das diferenças pelo Instituto Singularidades, em São Paulo.

Mãe de David, 9, que nasceu prematuro e convive com deficiências físicas, cognitivas e sensoriais, ela se transformou em uma ativista em defesa das escolas inclusivas.

Ao longo da vida escolar do filho, não foram poucas as brigas que comprou para que seus direitos fossem respeitados, conta Luciane. O último episódio teve final feliz há poucos dias, quando David concluiu o ciclo da educação infantil.

Com medo de que a cerimônia de formatura não levasse em conta as especificidades do menino, que precisa de rampa para subir ao palco, não tem tolerância à espera e se assusta com som alto e palmas, Luciane participou ativamente da elaboração da festa.

Na hora H deu tudo certo, ela conta. "Foi a coisa mais linda. Ele foi o primeiro a subir ao palco para receber o diploma , e subiu a rampa sozinho com seu andador, enquanto os amiguinhos estalavam os dedos para não assustá-lo. David até parou para tirar foto."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.