Resiliência climática requer ações conjuntas, defendem especialistas

Para elas, investimentos em infraestrutura não levam em conta o que pode acontecer no futuro

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São Paulo

Os investimentos feitos em infraestrutura e desenvolvimento nas cidades brasileiras não levam em conta os eventos climáticos que podem acontecer no futuro, cujo enfrentamento exige ações coordenadas.

É o que defenderam especialistas durante a primeira mesa do seminário "Meio ambiente: resiliência climática e descarbonização", realizado pela Folha na segunda-feira (3) com patrocínio da fabricante de veículos elétricos BYD e apoio do Governo do Pará e da Prefeitura de Manaus.

Duas palestrantes e um mediadorcompartilham suas ideias em um palco iluminado, diante do público do evento. O painel atrás do palco é verde e tem um mapa-múndi ao fundo.
Da esq. p/ dir., Natalie Unterstell, Melissa Graciosa e João Gabriel (mediador) no auditório da Folha, na região central de São Paulo - Folhapress

Isso porque eventos climáticos previstos para acontecer a cada 100 ou 300 anos têm se repetido em intervalos cada vez mais curtos, e grandes sistemas projetados para esses momentos têm limitações.

"As obras dão a falsa sensação de segurança. Ainda que funcione tal como foi projetada para funcionar, há um fator de risco. O que vai acontecer se falhar?", disse Melissa Graciosa, engenheira civil e professora de hidráulica e drenagem da Universidade Federal do ABC.

Para ela, a forma como vem sendo feita a ocupação urbana e drenagem precisa mudar. "A gente fundamentou o sistema viário em cima dos rios. Grande parte das nossas vias está nos fundos de vales. A
drenagem já nasceu morta, na beira de rio", disse.

Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de um novo planejamento das cidades, pensando também na remediação de construções alocadas em locais de risco.

Para que isso seja implementado sem provocar agressões sociais, olhando para a questão da habilitação, Melissa defende a criação de políticas que desincentivem novas ocupações das áreas de várzea, por exemplo.

"A estrutura construída vai agir na ameaça, o distanciamento vai agir na exposição [aos danos] e os seguros vão agir na vulnerabilidade. Não existe risco zero, mas conseguimos mitigar riscos. Não dá para acreditar em bala de prata, são ações coordenadas", afirmou.

Presidente do Instituto Talanoa, organização civil independente dedicada à política climática, e mestre em administração pública, Natalie Unterstell defendeu que o momento é de provocar os vários atores políticos e técnicos a darem uma virada para que dados e projeções se tornem ações concretas.

Ela citou o Plano Clima, em desenvolvimento no âmbito federal, e disse ter esperança de que esses novos dados sejam incorporados em políticas públicas.

"Ainda que o Brasil esteja superatrasado em adaptação, temos muitos exemplos de países ricos e pobres, de Moçambique a Estados Unidos e China, para olharmos, aprendermos e fazermos."

O Plano Nacional sobre Mudança do Clima, conhecido como Plano Clima, foi apresentado em dezembro de 2008 e visa a incentivar o desenvolvimento e aprimoramento de ações de mitigação no Brasil. Está sendo reformulado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, comandado por Marina Silva.

No caso da drenagem da água pelo solo, importante em eventos como as cheias no Rio Grande do Sul, ela explicou que a chuva ganha velocidade no asfalto e acumula uma força destrutiva. Como resposta ao problema, países mundo afora estão desimpermeabilizando cidades e criando incentivos para que os cidadãos façam isso em suas casas.

É o caso da Filadélfia, nos Estados Unidos, que enfrentava problemas com enchentes e desistiu de criar um piscinão devido ao custo do sistema.

Eles desenvolveram um modelo que combinou o fim da impermeabilização de 30% da cidade, a construção de caminhos para o fluxo de água e a criação de um sistema de incentivo para as casas, onde as pessoas ganhavam barris para coletar a água de chuva. Com isso, as enchentes diminuíram na região.

Outro exemplo apresentado por ela vem de Moçambique, para a adaptação em cidades costeiras. O governo local aplicou os mapas de risco atual e as projeções de eventos climáticos futuros na malha da cidade.

A população recebe as informações desse cruzamento de dados como forma de se prevenir para possíveis problemas. De acordo com o local onde planejam construir, a prefeitura oferece, junto ao alvará, recomendações de elevação da construção, uso de arquitetura para fortes ventos, entre outros.

"A pessoa precisa saber em que zona de risco está morando. Não posso ter um hospital, um centro de acolhimento, uma escola, perto da zona de várzea. Mas esse mapeamento só funciona com monitoramento, minuto a minuto, com dado em tempo real", disse Melissa.

Esse tipo de mapeamento acontece em cidades da Alemanha, onde enchentes causaram ao menos quatro mortes e forçaram a retirada de milhares nos últimos dias.

Melissa citou ainda a escassez hídrica que virá e a necessidade de o Brasil se preparar para as estiagens prolongadas, passando pela melhoria da relação entre oferta e demanda e desde já trabalhando políticas de reuso da água, principalmente em grandes centros urbanos.

De acordo com Natalie, a causa da instabilidade climática que o planeta enfrenta cada vez mais é a produção e o consumo do petróleo.

"Isso nos obriga a pensar como vamos resolver a questão de ser o país que hoje mira ser o quarto maior produtor de petróleo no mundo. Precisamos atender o chamado para termos uma infraestrutura resiliente e zerar as emissões", disse.

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